domingo, 16 de agosto de 2020

Socialização, Saúde Mental e inércia no contexto de pandemia.

Chegamos em um estágio desta pandemia em que é inevitável não reconhecer as diversas experiências de socialização presencial como fator fundamental para a realização humana. É no contato com o outro que nos realizamos, crescemos, nos desenvolvemos. A família é um lugar de socialização, mas ela está limitada a um universo que não supre outras dimensões da vida, como amizade, companheirismo, paixão, etc.

A ausência desse contato, para além da socialização familiar, aleija a vida. E as pessoas, depois de mais de quatro meses tentando, aos trancos e barrancos, se manter distantes das outras formas de socialização, começam a sentir as consequências: estresse, irritabilidade, solidão, tristeza e depressão. Sei disso porque sou professor e observo, mesmo a distância, os sinais que meus alunos dão.

Hoje, vemos shoppings centers, praças e praias lotadas de gente. A primeira tendência daqueles mais conscientes, diante deste atual cenário, é julgar e condenar os outros que querem sair de alguma forma. É até compreensível, tendo em vista que, culturalmente, não somos reconhecidos como um povo consciente.

Hoje, me despindo de qualquer carga de moralismo, como professor, eu diria para os pais de meus alunos: levem seus filhos para espaços de socialização. Mas levem em segurança, com distanciamento e com os cuidados que vocês já sabem bem quais são. Se o ambiente tem outras pessoas que não são conscientes e responsáveis, se afastem. Mas não deixem mais seus filhos dentro de casa por muito tempo.

O que vale para a família, em relação a este conselho, também vale para a Escola. É possível, sim, voltarmos aos poucos de forma segura e controlada.

O problema é que, em se tratando (principalmente) de educação pública, nosso sistema educativo não está preparado para esse retorno, assim como não está preparado para outras mudanças necessárias que o contexto de pandemia está exigindo das instituições de ensino. Digo isso porque sou estudante de uma instituição pública e conheço a ineficiência ou má vontade, mesmo depois de quatro meses, em estabelecer um plano de ação de retomada de atividades de forma segura e responsável.

O sistema público brasileiro se acostumou com a lógica de oferecer serviços e realizá-los da forma mais fácil e simples possível. Por isso, permanecemos ainda inertes. É mais fácil simplesmente parar as atividades. E permanecer parados até sabe-se lá quando. Difícil é não se resignar.

A mesma lógica acontece com o problema da seca no nordeste. Entra governo, sai governo e a lógica da relação com a seca permanece: é preciso combater a seca e não conviver com ela. O mesmo vale para a pandemia do coronavírus, que é uma realidade que chegou para ficar, não tenho dúvidas.

Até quando permaneceremos inertes e irresponsáveis diante das consequências sociais, culturais e psíquicas de tantas crianças, adolescentes e jovens brasileiros?
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sábado, 8 de agosto de 2020

MEMÓRIA DE UMA MISSÃO: SÃO FÉLIX DO ARAGUAIA E DOM PEDRO CASALDÁLIGA

 

“VIDAS PELA VIDA. VIDAS PELO REINO!”

dom Pedro Casaldáliga

Bispo da prelazia de são Félix do Araguaia

Mato Grosso – BRASIL

  

Desde o primeiro momento que pisei nestas plagas mato-grossenses o espírito profético desse grande homem – Pedro Casaldáliga – se fez presença atuante e viva.

            Realmente as distâncias são imensas. A prelazia de São Félix do Araguaia é uma região localizada ao norte do Estado do Mato Grosso com 150.000 Km2. Só se tem noção destas distancias quando se percorre, mesmo que uma pequena parcela, deste imenso território de missão.

            Para chegar até o lugar onde passei as duas semanas de missão tive que sair de Goiânia, de onde me dirigi para Canarana, já no Mato Grosso. Desta cidade dirigi-me para Querência, uma cidadezinha ainda menor, formada por retirantes do Sul do País, que acolhia a 100 Km de sua sede os quatro assentamentos que se tornaram referência para mim.

            O sistema de transporte rodoviário, desde Canarana, se mostrou totalmente precário. Era difícil de acreditar que o ônibus naquele estado pudesse agüentar os 200 Km que ligavam Canarana a Querência. As estradas nem se falam. O que sobrava do asfalto se juntava aos buracos e à terra vermelha da região.

            No Caminho a realidade da região se descortinava. Eram camponeses que iam e vinham das diversas cidadelas. Famílias indígenas com suas mulheres carregando no colo sempre suas crianças que calavam o choro com a ordem do pai, sempre melhor vestido.

            Uma região exclusivamente agrária, onde a presença das grandes fazendas latifundiárias é tão marcante que chegam a configurar e interferir visivelmente na geografia.

            Me escandalizei ao percorrer duas horas de ônibus dentro de uma mesma fazenda. E, por incrível que pareça, um camponês falou que aquela fazenda não era tão grande em comparação a outras que existem na região. Milhares e milhares de hectares desmatados por causa das lavouras, geralmente de soja.

            Grande parte da fonte de renda se concentra em trabalhos nestas grandes fazendas latifundiárias, onde já foi detectada a presença da exploração de mão de obra escrava. Esses grandes latifúndios, na maioria das vezes, se revelam de forma oculta e silenciosa, como verdadeiros instrumentos de opressão e morte de tantos camponeses pela falta de opção, e de tantas nações indígenas que são cada vez mais espremidas e esmagadas pelo latifúndio.

            Graças ao trabalho da prelazia e a algumas instituições que ajudam a pensar soluções para esses problemas, muitas coisas já foram feitas, mesmo que a custa do sangue derramado de tantas e tantas vidas. Por causa de trabalhos como esses, nações indígenas hoje são olhadas com mais seriedade e responsabilidade; fazendas latifundiárias foram desapropriadas e distribuído terra a quem não tinha.

            Mas tudo o que já foi feito parece ser pouco diante da imensidão de problemas e desafios que esta região comporta.

             A distancia da sede de Querência até os quatro assentamentos que tive contato é de 100 Km. Esses assentamentos – Coutinho União, Brasil Novo, São Miguel e T65 – são desapropriações de terra do que já foi uma grande fazenda latifundiária. Cada família assentada recebe uma parcela de terra, estabelecida pelo INCRA, com média de 100 hectares.

            A aquisição dessas terras por parte das famílias e a forma de lidar com ela é um pouco complicada. Geralmente são terras nativas, cheias de árvores e animais silvestres. É comum encontrar nos assentamentos bichos como onça, sucuri, jacaré, capivara, veado, tatu, etc...

            Para o plantio é necessário que esta terra nativa seja tratada e preparada, por ser de uma qualidade “não muito boa”. E, para isso, são necessários recursos financeiros, de que nem sempre as famílias dispõem.

            Este é um grande desafio, pois já está mais que comprovado que não basta só distribuir terra se não se oferece o mínimo necessário para que o lavrador possa fazer esse pedaço de terra, que é seu, produzir.

            Aí entra um outro grande problema. O INCRA que é o órgão federal que deveria organizar a distribuição das terras de forma igualitária, bem como os recursos federais para o pequeno lavrador, age de forma descarada e corrupta, junto com as prefeituras, desviando grande parte dos recursos, que deveriam beneficiar os assentamentos, sabe-se lá para onde.

            Chego às vezes a pensar que esses recursos financeiros quando chegam nas mãos do lavrador não bastam, independentemente da quantia, por incrível que pareça.

            Muitos usam o dinheiro, que era para ser usado no trato da terra, de forma desordenada e irregular. Isso sem falar na necessidade cega de se plantar para se produzir cada vez mais, com mais concorrência, com mais ganância, mais e mais... com isso, cada vez mais, milhares e milhares de hectares de matas são queimadas e desmatadas, dando assim, continuidade ao sistema de fazendas, só que agora em parcelas menores.

            Não! Acho que a reforma agrária não é isso. A reforma agrária é muito mais do que distribuição de terra e dinheiro. A reforma agrária é consciência comunitária, é consciência humana, ecológica e fraterna. Penso que é exatamente neste ponto que as vidas são doadas pela Vida, pelo Reino. É neste momento que posso falar e citar tantos homens e mulheres que doam suas vidas junto a essa realidade por uma causa que é maior que qualquer ideologia.

             O grupo de agentes de pastoral da prelazia de São Félix do Araguaia formados por religiosos, religiosas, ministros ordenados, leigos e leigas estão inseridos em todo território da prelazia e articulados por regionais e comunidades eclesiais de base (CEB’s). A articulação pastoral se dá por conselhos, que vão desde o conselho comunitário de base, passa pelo conselho regional, até o conselho geral da prelazia. Numa divisão dinâmica e discernida, todas as propostas de atividades e decisões passam respectivamente por esses conselhos; de baixo para cima, é claro.

            Mas a base de toda atividade pastoral da prelazia está no silêncio e no anonimato dos agentes inseridos nas realidades de cada comunidade, vila ou assentamento.

            Eu, nestas semanas de missão, tentei me inserir junto à realidade de três irmãs Capuchinhas Missionárias: Maria José, Núbia e Elismar; que vivem na fraternidade Margarida Alves no assentamento Coutinho União. Elas, juntas com alguns moradores dos assentamentos, prestam assistência no que for necessário a cada realidade particular.

            Junto ao trabalho e estilo de vida destas irmãs experimentei o que chamarei de “utopia da vida religiosa”. Nada mais próximo ou mais distante dos assentamentos. Assim vivem essas religiosas, e creio que a maioria dos agentes de pastoral da prelazia. Com um estilo de vida dinâmico e criativo, de acordo com cada necessidade, elas  vivem sua consagração e vida respeitando os limites de cada pessoa dos assentamentos, assumindo os desafios, dificuldades e alegrias como se fossem seus – o que na verdade são. Mas nem por isso deixam de ser uma presença que questiona, anima, trabalha e celebra.

 Em realidades como essas dos assentamentos é difícil de se encontrar uma estrutura já definida e formada de comunidade: com pastorais e grupos. Por isso, a necessidade de uma presença que saiba escutar, dialogar e respeitar o ritmo e a caminhada deste povo, sem esperar resultados imediatos e sem interferir, de forma brusca, no ritmo de vida já tão martirizado pelo trabalho duro ou mesmo pela falta dele.

Penso que nenhuma ação pastoral é mais eficaz que aquela capaz de se inserir concretamente na realidade local, dinamizando com maturidade e responsabilidade o testemunho, que se dá a partir da opção de vida própria do religioso e religiosa e seu carisma.

De forma lenta, anônima, mas sólida o agente de pastoral vai incutindo no meio da comunidade, vila ou assentamento o espírito evangélico dos libertados, marcado radicalmente pela acolhida e pelo Amor fraterno a todos e a todas, sem distinção de raça, cor ou credo.

As “casas das equipes”, como são chamadas as casas pertencentes à prelazia onde residem os agentes de pastoral, estão sempre abertas, prontas para acolher a qualquer hora, qualquer pessoa que chegue e peça ajuda, ou mesmo para uma visita ou conversa de fim de tarde.

Elas se refletem, de forma muito parecida, com a residência do bispo, na simplicidade na acolhida e na humildade, muito diferente do que estamos acostumados a ver pelo Brasil e pelo mundo afora.

Dom Pedro – faço questão de chamá-lo assim, apesar dele preferir somente Pedro – conserva uma serenidade impressionante. A lucidez de suas colocações e posições em relação à igreja e à sociedade são muito mais atuais que muitas posições caducas de hoje em dia. Me marcou profundamente sua acolhida e sua disponibilidade em servir a todos, de todas as formas possíveis. Um místico com um olhar penetrante e profundo, que me parece ir além das coisas visíveis.

Em sua casa, em sua presença tudo respira um ar de paz e profecia. Alias, esse foi o ar que respirei ao longo dessas semanas. Um ar que penetrou como testemunho, fé e serviço o seio de toda nossa igreja, particularmente da igreja latino-americana e brasileira. Um ar que ainda hoje, apesar das intenções contrarias pessoais e institucionais, continua e penetrar e a inundar os corações de tantos irmãos e irmãs fieis ao espírito de Jesus Cristo que se manifesta na presença questionadora dos pobres.

 

No coração permanece a lembrança e as cicatrizes dos corações de tantas pessoas, pelo peso da opressão e do descaso nesta bendita terra de missão, mas, sobretudo a certeza de que levo um pouco do fogo que ainda queima com força esses mesmos corações sedentos de Justiça, Dignidade e Paz.

Com o braço e coração erguidos, não em sinal de despedida, mas de bênção ou talvez de até logo, está aquele grande homem na porta de sua simples casa. Ele que soube como ninguém doar sua vida pela Vida, sua vida pelo reino. É inevitável a lembrança do abraço apertado e fraterno de Dom Pedro, carregado de Paz e acolhida exclamando para mim: “Zé Wilson, seja fiel, aos pobres”.

  

José Wilson Correa Garcia

São Félix do Araguaia, 25 de Dezembro de 2004.


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segunda-feira, 20 de abril de 2020

NÃO BASTA SABER O QUE FOI O AI-5: É PRECISO CONHECER SEU CONTEXTO.


É inegável que o projeto político alimentado por jair bolsonaro, e seu respectivo governo, tenha trazido à tona, no cenário social brasileiro, sombras de um passado que achávamos que estava apagado, mas não esquecido.

Tornou-se comum o flerte com posturas autoritárias e antidemocráticas, sob a justificativa de instauração da ordem e do progresso da nação. Mais do que isso, a tendência a buscar justificativas que minimizam tais posturas ganhou espaço, não só nos discursos comuns, mas também na consciência de acadêmicos, professores e historiadores.

Atualmente, a sombra ressuscitada nesses discursos e consciências é o AI-5 (Ato Institucional nº 5), como justificativa autoritária para a resolução dos sérios problemas institucionais e políticos pelos quais passam o Brasil. De acordo com as intepretações que minimizam o debate, o AI-5 teria sido decretado dentro de uma constitucionalidade e legalidade, que colocou nas mãos do presidente da república, um poder acima de todos os outros poderes, inclusive da própria constituição. E, em certo sentido, isso não está absolutamente errado. O que está errado é não considerar o significado da constitucionalidade e legalidade na época em que o AI-5 foi decretado e seu respectivo contexto. O que está errado é não considerar que, para o AI-5 ser colocado em prática, foi preciso a preparação de um terreno, igualmente sombrio, que manchou (e quer voltar a manchar) a história democrática brasileira. Vamos ao contexto.

Tudo começou, no início da década de 60, com os antecedentes do golpe, que implantaria o governo militar ditatorial no Brasil. O pais estava polarizado, de um lado, por setores mais progressistas, representado pelos últimos dois presidentes anteriores ao regime (Jânio Quadros e João Goulart) e, do outro lado, por setores conservadores reacionários, representados pela elite econômica e política, com força significativa no legislativo. Tal polarização terminou com a vitória da ala conservadora e reacionária, que encontrou nas forças armadas o apoio necessário para a realização do golpe que destituiu o presidente do poder. Assim, em 1964, foi implantado através de um golpe, o primeiro governo ditatorial regido por militares, que duraria 21 anos.

Tal modelo de governo, obviamente, não surgiu do nada. Primeiramente, foi preciso uma base de apoio político e ideológico, fartamente disponível nos setores econômicos e políticos da elite brasileira. Segundo, foi preciso construir uma base jurídica e legal para a execução do golpe em termos práticos, o que levou o governo golpista a promulgação de Atos Institucionais, que foram decretos validados pelo poder executivo, sem a aprovação de nenhuma instituição legislativa ou judiciária. Foi a primeira mostra das feições ditatoriais do recente governo militar brasileiro. Ao todo, foram decretados 17 Atos Institucionais. E, apesar de o 5º ser o mais famoso, pelo fato de ter fechado o congresso nacional, bem como de ter dado ao presidente poderes quase que absolutos, é importante saber que os Atos Institucionais anteriores prepararam o terreno para a promulgação do AI-5, como a promulgação do período mais sombrio e autoritário da ditadura militar brasileira. Vamos conhecê-los.

Ao AI-1 coube modificar a Constituição no que diz respeito à eleição, ao mandato e aos poderes do Presidente da República. Também conferiu aos Comandantes-em-chefe das Forças Armadas o poder de suspender direitos políticos e cassar mandatos legislativos, sem nenhum tipo de apreciação judicial desses atos.

Ao AI-2 coube a continuação da manipulação da Constituição do Brasil, mas no que diz respeito ao processo legislativo, às eleições, aos poderes do Presidente da República, à organização dos três Poderes; Ele também suspendeu garantias de estabilidade de cidadãos que tinham cargos e funções públicas, bem como reafirmou a exclusão de qualquer tipo de apreciação judicial aos atos praticados de acordo com suas normas e Atos Complementares decorrentes.

Ao AI-3 coube dispor sobre eleições indiretas nacionais, estaduais e municipais; permitiu que Senadores e Deputados Federais ou Estaduais, com prévia licença, exercessem cargos de prefeitos de capitais de Estado. Também, mais uma vez, exclui da apreciação judicial atos praticados de acordo com suas normas e Atos Complementares decorrentes.

Ao AI-4 coube convocar o Congresso Nacional para discussão, votação e promulgação do Projeto de Constituição apresentado pelo Presidente da República.

Enfim, ao AI-5, como anteriormente citado, coube suspender a garantia de habeas corpus para determinados crimes; dispor sobre os poderes do Presidente da República de decretar: estado de sítio; intervenção federal, sem os limites constitucionais; suspensão de direitos políticos e restrição ao exercício de qualquer direito público ou privado, como a demissão de pessoas do serviço público; cassação de mandatos eletivos; fechamento do Congresso Nacional, das Assembleias Legislativas e das Câmaras de Vereadores e, como de costume, exclui toda possibilidade de apreciação judicial dos atos praticados de acordo com suas normas e Atos Complementares decorrentes.

Os Atos Institucionais do 6º ao 17º, menos conhecidos e explorados, couberam continuar manipulando mudanças na Constituição a respeito de matéria administrativa e eleitoral. Porém, também foram usados com o intuito de ampliar progressivamente os poderes do Executivo para praticar desapropriações, confiscos, banimento do território nacional e envio para a reserva de militares acusados de atentar contra às Forças Armadas.

É dessa forma que os Atos Institucionais se tornaram instrumentos de legitimação de quaisquer atos do poder Executivo, até mesmo aqueles que contrariavam a Constituição Federal e atentavam contra os direitos humanos, muitas vezes com requintes de crueldade, através de prisões ilegais e de práticas da torturas.
São estes símbolos, disfarçados de legalidade, que testificam a forma autoritária como o país foi comandado durante este período da ditadura militar. Quando se vê alguém minimiza-lo, é preciso considerar se a pessoa faz isso por ignorância, por má fé ou por pertencer aos mesmos setores que buscaram saciar seus privilégios e prazeres criminosos através de um regime autoritário. Para estes, falas como “Eu sou a constituição”, ditas pelo atual presidente jair bolsonaro, bem como de suas constantes participações e omissões em manifestações que pedem a volta do AI-5 e da ditadura, pode ser tudo, menos patriotismo, menos zelo pela democracia e, sobretudo, menos caráter.


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domingo, 19 de abril de 2020

EMAÚS EM TEMPOS DE PANDEMIA


O caminho de Emaús é o caminho de cada um de nós. Particularmente neste tempo de isolamento, não só das pessoas, mas também de ideais e das pequenas e mais importantes coisas da vida.

Eu sempre gostei desta narrativa do Evangelho de Lucas que a Igreja propõe na Liturgia de hoje. Está em Lc 24,13-35. A Palavra é surpreendentemente simples. É porque Deus sabe que o mais importante está nas coisas mais simples. Por isso, é assim que Ele fala...

E fala de dois corações no caminho, mas um só sentimento: a falta de esperança. Gosto sempre de pensar que eram dois amigos, ou duas amigas, ou um casal. No caminho carregam ideais perdidos, sonhos destruídos, incertezas por situações que não dependem deles. O caminho é pesado, as lembranças dolorosas, as histórias angustiam. Alguém entra na conversa e faz o caminho junto com eles. É Jesus, claro! Mas eles não o reconhecem. Óbvio! A gente nunca sabe que Deus pode estar do nosso lado em momentos de desesperança e de sofrimento. E o que Jesus faz? Apenas escuta. Escuta a história, escuta a vida. Quantos de nós não quer apenas falar e ser escutado? Quantos de nós não quer apenas alguém pra nos dizer e mostrar que, apesar de tudo, a vida continua a nos ensinar e nos fazer crescer. É isso que Jesus faz. Por isso o coração da dupla arde no caminho. No fim dele, na mesa da partilha, o reconhecimento definitivo de que Deus nunca os abandonou.

O caminho da quarentena é igualmente pesado ao coração. É possível que Deus esteja caminhando ao nosso lado. Talvez não percebamos porque insistimos em dar atenção àquilo que pesa ao coração. Quantos de nós não aguenta mais tanta informação e notícia ruim? Mas quantos procurou informações e notícias boas? Quando aprendemos a dedicar nossa atenção àquilo que realmente importa, o coração queima. E queima porque sente que, no fim das contas, apesar das distâncias e pesos, não estamos sozinhos. Mas os olhos ainda não conseguem enxergar. Mas enxergará, no momento em que, tendo passado tudo isso, voltarmos a nos reencontrar na simplicidade daquelas coisas que, hoje, distantes e isolados, aprendemos a dar valor: o abraço, a presença, o cuidado.



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domingo, 12 de abril de 2020

CARREGADORES DE CAIXÃO DE GANA: UM OLHAR ANTROPOLÓGICO POR TRÁS DO MEME.

A morte, assim como qualquer outra experiência humana, é vivida de formas diferentes, de acordo com cada expressão cultural. Para nós brasileiros, marcados pela cultura judaico-cristã, a morte é cercada pelo sofrimento, pois é como se a vida terminasse com ela. Mas não ficamos no vazio do sofrimento. Esperamos e cremos em uma vida para além da morte. Por isso que, para nós, os serviços funerários existem com a finalidade de oferecer conforto para a dor da perda de um ente querido.

Em outras culturas, porém, a morte é uma experiência completamente diferente. Em alguns povos orientais, o defunto continua fazendo parte da família. Depois de morrer a pessoa é mumificada e continua sendo cuidada pela família.

Em outras culturas, por exemplo, como acontece em muitos povos africanos, a morte é um momento de júbilo, de alegria, de festa. Como se, na verdade, a vida começasse com ela.

É em uma dessas culturas africanas que um grupo funerário surgiu para inovar criativamente o momento da morte. Eles são de Gana, nação da África Ocidental, e oferecem serviços funerários de acordo com o pacote solicitado pela família. As performances dependem do pacote solicitado e pago, obviamente, porque independente da cultura, a necessidade de lucrar com a morte (seja ela alegre ou triste) perpassa as particularidades culturais. Mas foi por causa desse grupo de Gana que o meme viralizou na Internet. E é bem provável que tenha viralizado particularmente naquelas culturas que acharam a situação engraçada ou estranha, simplesmente porque é apenas diferente.

Talvez, para muitas culturas diferentes da nossa, um vídeo de um grupo de pessoas chorando em torno de um defunto num caixão seja igualmente engraçado ou estranho. O importante é não acharmos que somente a nossa expressão cultural é a correta.

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domingo, 5 de abril de 2020

O ISOLAMENTO FORÇADO PASSARÁ


Você pode até achar que não fez o que deveria ter feito, que não aproveitou bem o que deveria ter aproveitado. Você pode se sentir decepcionado ou inútil por não ter inventado a lâmpada que nunca se apaga, por não ter descoberto a vacina que cura todas as doenças, por não ter projetado o carro movido a água. Você pode sentir que não criou expectativas suficientes. Ou pior, que não correspondeu a tudo aquilo que suas expectativas te exigiam.

Mas quer saber?! Expectativas são criadas por outros que não sabem de nada do que verdadeiramente necessitamos. Por outros que, há todo instante, repetem em nossa consciência como um mantra de terror: “você tem que fazer”, “você precisa fazer”, “fazer... fazer...”

Fazer o que? Pra quem? Porque?

Se pararmos bem pra pensar, passamos a maior parte das nossas vidas deixando de fazer as coisas que realmente importam, para satisfazer as expectativas e necessidades impostas por outros. Por isso coisas que deveriam ser tão simples e prazeirosas, se tornam fardos pesados demais para se carregar, como o estudo, a fé, o laser, a arte... até ficar dentro de casa se tornou um fardo.

Talvez seja a hora de reaprendermos a saborear e sentir saudade do que realmente importa, daquelas pequenas coisas escondidas nas expectativas desnecessárias, de sermos o que precisamos ser e não o que os outros querem que nós sejamos.

Não estamos nem na metade da quarentena. Ainda temos tempo...


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terça-feira, 24 de março de 2020

UM ANO DE SAUDADES DA BIA


Foi há exatamente um ano, dois dias depois do meu aniversário, que Deus te levou, Bia. Você sabe que naqueles dias tive sentimentos confusos. Não sabia se assumia a dor e o egoísmo por querê-la mais perto de nós. Ou se agradecia a Deus por ter nos dado um anjo especial. Talvez as duas coisas...

Em todo caso, sinto saudades e queria ter tido a oportunidade de olhar mais pra você. Observar melhor como devem ser os anjos aí no céu. De como eles têm dificuldade de andar por causa das asas. Voando sempre, devem se sentir solitários por não conseguirem estar sempre juntos dos demais. Talvez a vantagem de tudo isso seja o fato de eles poderem olhar melhor sempre do alto e, talvez, contemplar o todo, enquanto os outros só observam as partes.

Sinto saudades e queria ter tido mais uma oportunidade de abrir a porta da sala depois da aula, empurrado sua cadeira e sentado mais uma vez ao seu lado no recreio. Há um ano eu tive que dividir essa tarefa com os seus mais novos amigos, os arcanjos. Imagino que Gabriel e Rafael tiveram que trabalhar juntos, não só para te levar, mas também para construir as rampas entre as nuvens de algodão doce. É que aí no céu não é como aqui na terra, ninguém fica triste porque não consegue ir a algum lugar. Agora você deve estar em todos os lugares, Bia.

Nossa Senhora, que costuma observar sempre sentada como você, a movimentação no céu e aqui embaixo, deve sempre fazer companhia a você, nos momentos em que sentiu saudades de sua família e dos seus amigos. Imagino que essa saudade já se transformou em paz, que ainda não aprendemos aqui.

Eu, daqui debaixo, continuo me permito sentir um pouquinho de egoísmo por querê-la perto de nós. Mas também me permito olhar para o céu e ver os rastros brancos - como as nuvens - deixados por sua cadeira e por seu novo par de asas, olhando feliz pra nós que continuamos nos esbarrando desajeitados uns nos outros.

Saudades, Bia!

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sábado, 21 de março de 2020

UM DIÁLOGO SOBRE A PANDEMIA ENTRE UM PROFESSOR E UMA EX-ALUNA


Bianca (@bia_liraa) foi minha aluna. É um desses seres humanos que a gente sente que está no mundo por um motivo maior do que podemos imaginar. Está fazendo psicologia e nunca poderia imaginar outra profissão melhor pra ela.

Ontem me mostrou um texto que estudou em uma aula, onde o autor faz uma leitura psicanalítica da crise causada pela pandemia do coronavírus. Foi o pontapé para uma conversa importante para mim e talvez seja para você que está lendo e esteja com o coração e a mente sofrendo com tudo isso. Por isso, separei os trechos que mais me marcaram:

“Sim! É muito incrível, porque no texto ele diz que para além do corpo, essa doença tira de nós, nossa identidade.”

“Assim como ele também diz que é natural do ser humano, diante de algo desconhecido, buscar abraço. E isso é justamente o que não podemos fazer.”

“É desesperador, porque o sentimento de impotência tende a tomar conta de nós. E sem um abraço pra acalmar ou um aperto de mão pra sentir o outro ali, lutando também, dá uma sensação de ‘é cada um por si’.”

- Eu disse como me sentia, navegando as vezes entre esperança e outras vezes na falta dela.

Ela continua: “Estou sentindo o mesmo. Por vezes, me pego esperançosa que isso é uma fase, que passará. Outras vezes, sinto uma falta de ar imensa, como se estivesse cercada pelo vírus, literalmente e não só geograficamente.”

“É difícil porque antes de chegar ao corpo, a doença chega à mente. E começa o seu trabalho lá.”
 
Eu: As vezes eu vejo sendo noticiado o contágio de gente conhecida e rica (que tem facilidade de fazer o exame) e fico pensando se o vírus já não está mais perto do que esperamos, no povo simples que está em casa apenas esperando os sintomas mais sérios se manifestarem. Caso se manifeste... se não, a vida continuará.

Ela termina: “Sim, acaba que durante esse período de isolamento, pensamentos como esse surgem. É preciso cuidado. Cuidado para não cair nas armadilhas da mente. Cuidado pra não deixar que o vírus chegue nela.”

“Só queria que as pessoas entendessem a gravidade, para obedecerem.”

Obrigado, Bianca!

Amo você!

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domingo, 15 de março de 2020

ABERTURA DA CAMPANHA DA FRATERNIDADE NA ESCOLA UNECIM

Foi a abertura da Campanha da Fraternidade na Escola. Mas também foi uma experiência de muitos olhares e sentimentos.

Eu, caracterizado de indigente e deitado desde cedo no chão em frente ao portão, pude ouvir e sentir as muitas reações: de medo, de susto, de raiva, mas também de compaixão, depois de surpresa e também de emoção.

Eu disse para todos que a compaixão sentida pelo Bom Samaritano, ao ver o homem caído no chão, é escrita no texto bíblico original com uma palavra que designa o sentimento que a mãe grávida tem pelo filho que está no próprio ventre. É sentir a vida do outro a partir do mais profundo do nosso interior, de nossas entranhas.


No dia que conseguirmos esse grau de empatia pelo próximo o mundo será completamente diferente e melhor.





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