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quinta-feira, 21 de outubro de 2021

Crônica da “visita” de bolsonaro à Russas-Ceará: estruturas físicas e ideológicas de controle, manipulação e intimidação.

Russas, pela segunda vez, recebeu a visita de um chefe de estado em exercício. A primeira foi em 1998, quando a cidade recebeu Fernando Henrique Cardoso, para um evento de destinação de recursos para o “desenvolvimento” do agro/hidro negócio. No dia 20 de Outubro de 2021, foi a vez de jair messias bolsonaro, que veio para um evento com o mesmo caráter, mas com uma estrutura física e ideológica bem diferentes.

No Brasil os protocolos de segurança para eventos que envolvem o chefe do estado sempre foram megalomaníacos. A ideia é sempre parece tudo maior, mais forte, mais poderoso do que se é. Porém, neste atual governo, somada a essa estratégia megalomaníaca histórica, há um acréscimo ideológico claramente usado. Tudo parece ser pensado com uma finalidade clara de controle, manipulação e intimidação. É isso que tentarei mostrar.

Dias antes do evento forças de segurança já eram vistas na cidade se movimentando para reconhecimento de área. A estrutura física do palanque começou a ser montada três dias antes, na principal praça central da cidade. Na véspera, chegou carros das diversas forças de inteligência, saúde e segurança: exército, batalhões táticos e especiais, polícia federal, polícia civil,  polícia militar, UTI’s móveis e ambulâncias dos serviços de saúde federal, estadual e municipal.

No dia do evento o centro da cidade e o campo onde chegaria o helicóptero com o presidente, pelo menos num perímetro de 1 quilômetro de distância do palanque, estavam todos interditados com barreiras de segurança e guardados por forças da guarda municipal, agentes militares do batalhão local e muitos jovens vestidos de preto fazendo a segurança nas barreiras. Este último grupo me chamou atenção e perguntei a um dos rapazes que estava me olhando com desconfiança do que se tratavam ser esses jovens. Ele me disse que foi um “batalhão” de “voluntários” escolhidos para compor o aparato de segurança do evento.

Na praça central, onde estava o palanque, as barreiras foram colocadas a uns 50 metros de distância do entorno. Pouco antes do evento, quando me aproximava, um segurança solicitou que eu fosse para a outra rua, onde as pessoas estavam sendo revistadas para me aproximar. Fui para o local e não vi nenhuma revista. O palanque na praça tinha uma estrutura coberta com capacidade para comportar, possivelmente, uma média de mil pessoas embaixo do toldo. Esta estrutura pareceu fisicamente pensada e montada para ter uma função de aglomerar uma quantidade pequena de pessoas, embaixo do toldo e nas barreiras em forma de cercado em volta, ao mesmo tempo possibilitando uma impressão de multidão.


Uma hora antes da chegada do presidente, tinha mais segurança e espaço vazio do que gente. Uma fila de uns 200 metros, onde as pessoas, empilhadas e fantasiadas de verde e amarelo, esperavam debaixo do sol quente para serem revistadas e entrarem na estrutura coberta em frente ao palanque. Na revista deste local, escutei algumas reclamações de pessoas que não puderam entrar com bolsas, bandeiras ou nada que pudesse esconder algum objeto que pudesse ser supostamente usado ou arremessado contra o palanque. A estrutura, somente do palanque, estava rodeada nas laterais e por trás, de placas pretas que impossibilitava qualquer aproximação ou campo de visão onde estaria o presidente e sua comitiva. Até a escola estadual, onde o palanque estava montando quase encostado, foi obrigada por forças “ocultas”, a cancelar as atividades educativas no dia. No palanque mesmo só um púlpito no centro com o microfone.

No local da chegada e no entorno da praça, ambulantes vendiam camisas temáticas de super-heróis montados com o presidente. Tinha “homem de ferro”, “capitão américa”, “deadpool”, “robocop” e outras bizarrices mais feitas com a cabeça de bolsonaro. Como de costume, em eventos bolsobaristas, camisas da seleção brasileira de futebol e outras verde amarelas, bandeiras do Brasil amarradas nas costas e um grupo relativamente tímido perambulava pelo entorno. Com a proximidade da chegada do presidente algumas pessoas pareciam ficar mais eufóricas e agitadas, gritando as palavras de ordem já bem conhecidas.

Tudo em volta sugeria um ambiente de veneração à figura de bolsonaro. Não se viam manifestações em favor de um projeto de Brasil ou o desejo de ver os preços dos alimentos, do gás ou do combustível diminuírem. Perguntei, aleatoriamente, a um jovem, um homem e uma mulher devidamente trajados de verde e amarelo o que ia acontecer no palanque. Os três, sem pestanejar e sem conhecimento de mais nada, responderam que era a visita de bolsonaro. Ouvi outros se apegarem a ideia de que os minutos de presença do presidente em russas iriam mudar a história da cidade. Fiquei me perguntando se estes conheciam a história de projetos governamentais, do tipo que estava sendo assinado, na região do Tabuleiro de Russas. Das consequências de tais iniciativas para a vida do pequeno agricultor de comunidades tradicionais situadas naquela região.

O momento da chegada dele foi marcada pelo frenesi de costume que só comprovou o que observava anteriormente. A comitiva, que passou por algumas ruas desde o local de chegada até a praça, foi recebida com gritos de histeria que parecia mais um espetáculo musical. Em nenhum momento bolsonaro e sua comitiva foi vista usando máscaras. Sua fala foi feita a partir do púlpito, sem máscara, ao lado de uma criança vestida com a farda do exército. Usando um discurso populista superficial de costume, bolsonaro também tocou em promessas sobre aumento de auxílios e auto-promoção, terminando com o bordão pseudo-religioso e pseudo-nacionalista que todos conhecemos. Como se não bastasse, tentou imitar, de uma forma constrangedoramente ridícula, um grito típico cearence.

A “cerimônia” acontecida no palanque transcorreu como de costume em todo espetáculo. Os únicos gritos que mais se escutavam era de “mito” e as gritarias sempre aconteciam depois de uma frase ou palavra de impacto de quem quer que fosse. De conteúdo mesmo as únicas explicações dadas sobre as ordens de serviço que ali estava sendo assinadas foram os 3 vídeos institucionais passados que, diga-se de passagem, também foram produzidos com finalidades propagandistas do governo e de encher o tempo com alguma coisa a mais pra entreter os presentes. As falas, sem nenhuma exceção, foram vazias e aleatórias. O prefeito da cidade, filiado ao partido que se opõe radicalmente a bolsonaro, era o único no palanque que estava de máscara. Diferentemente do governador do estado, que nunca fez questão de estar em eventos com o presidente, o prefeito de Russas, talvez, tenha aceitado o fato de não ter capital político e ideológico suficientes para confrontar a estrutura de poder que ali se impunha. Aliás, para municípios pequenos e interioranos como Russas, é difícil encontrar uma ação de confronto eficientemente organizada para se impor diante de um chefe de estado. Tudo no palanque terminou em 15 minutos. Toda aquela estrutura a serviço de 15 minutos.


A única manifestação confrontando o governo bolsonaro e defendendo um projeto para o Brasil aconteceu a quase 1 quilômetro de distância do palco. Era um grupo de dezenas de pessoas de diversas procedências, principalmente jovens. No dia anterior, três destes participantes estiveram se manifestando onde o palanque estava sendo montado. Alguém, que assumiu para si o papel intimidador do evento, ligou para a polícia militar que, prontamente, foi abordar os jovens em busca de sabe-se lá do que. De fato, toda aquela estrutura também foi estrategicamente pensada para intimidar. A manifestação contrária não poderia, nem seria prudente se aproximar de um curral cercado por histéricos e fanáticos.

Infelizmente as forças progressistas de Russas, reflexo do que acontece nacionalmente, ainda permanecem dispersas em bandeiras também dispersas. Estamos engatinhando para um processo de mobilização coletiva. O ensaio de uma unificação em torno da queda do governo bolsonaro, apesar de legítima e importante, pode, mais uma vez, se transformar em apenas gritos dispersos e tentativas monopolizadas de imposições de poder pelo poder.

A imprensa local, no dia anterior, também foi informada de que não poderia transmitir o evento, uma vez que a transmissão oficial ficaria a cargo do maior grupo de comunicado do Estado. De qualquer forma, a tentativa de proibir veículos de comunicação locais não se concretizou e nem poderia. Por isso, alguns dos veículos de comunicação e jornalistas locais, através de uma pequena e limitadora estrutura reservada à imprensa, fizeram suas transmissões, mesmo que de forma limitada a um espaço tão pequeno. A mensagem foi clara: mostrar o que era permitido pelo governo através da tentativa de um controle ideológico da imprensa.

Todos, absolutamente todos os governos brasileiros usaram de estratégicas de aparelhamento do Estado com finalidades das mais diversas, isso é um fato. Porém, em determinados momentos de nossa história esse aparelhamento foi estrategicamente usado com finalidades claramente antidemocráticas, que conjugavam métodos de controle, manipulação e intimidação. Os regimes ditatoriais de nossa história usaram dessas mesmas estratégicas e, depois de décadas de experiência democrática, vemos um governo repetir os mesmos equívocos, assustadoramente sendo aceitos de forma tão “normal”. Toda uma estrutura, que custou no mínimo uns 2 milhões de reais somente aqui em Russas, sendo usada para dar ao presidente seus minutos de “fama” e populismo, poucos meses antes de sua possível candidatura à reeleição.

Apesar de tudo, fiquei feliz em perceber que, no fim das contas, a esmagadora parcela da população russana não se deu ao trabalho de sair de suas casas e atividades para fazer coro ao evento. Na verdade, os poucos que estavam ali, na sua maioria pessoas de outras cidades e outras “envolvidas” no evento, apenas ajudaram a compor o ambiente estrategicamente pensado para parecer maior do que é. Russas, assim como outras cidades de um Nordeste cansado de políticos como bolsonaro, deu seu recado: o nordeste não é curral e cercadinho de bolsonaro. Que este recado chegue até às urnas em 2022.


Por, José Wilson Correa Garcia.
Filósofo e Cientista Social.
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sábado, 21 de setembro de 2019

A BANALIDADE DO MAL E O CASO USTRA: UMA LEITURA DO BOLSONARISMO A PARTIR DE HANNAH ARENDT.


RESUMO
O presente texto tem por objetivo apresentar uma visão sucinta do conceito de Banalidade do Mal da pensadora Hannah Arendt, aplicado ao caso investigatório da Comissão Nacional da Verdade que entrevistou, em depoimento, o coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra, acusado de chefiar torturas e assassinatos cometidos contra civis brasileiros durante o período ditatorial do governo militar brasileiro, entre as décadas de 60 e 80. Além de propor uma leitura comparativa entre o contexto em que Hannah Arendt criou o termo Banalidade do Mal e o caso Ustra, o texto ampliará tal reflexão para o fenômeno denominado como “bolsonarismo”, para designar posturas individuais e coletivas que, através de um projeto político e ideológico, tem se afirmado no Brasil como expressão de um mal banalizado em discursos e práticas que relativizam crimes e legitimam ataques sistemáticos a direitos constitucionalmente garantidos, bem como de desrespeito à questões humanitárias fundamentais. Mais do que isso, mostrará que a perpetuação de tais práticas e discursos decorrem de um processo de negação da própria racionalidade, enquanto condição humana, e ignorância coletiva, o que dificulta o discernimento e julgamento na compreensão do que é, de fato, bom e mal.

Palavras-chave: Banalidade do Mal; Hannah Arendt; Caso Ustra; bolsonarismo, Redes sociais.



José Wilson Correa Garcia[1]
Letícia Santiago Farias[2]
1. INTRODUÇÃO
A vitória de Jair Messias Bolsonaro ao mais alto cargo público brasileiro não deve ser lida somente como ascensão de um projeto político. Por trás de sua vitória está, na verdade, a ascensão de pressupostos ideológicos que se inter-relacionam à interesses econômicos, políticos, bem como a interpretações jurídicas e morais que parecem inverter o sentido de progresso civilizatório de uma sociedade constituída com base na garantia de direitos fundamentais, individuais ou coletivos.
            O Brasil, atualmente, parece viver uma crise de significado e sentido de valores humanos e democráticos. Grupos minoritários são marginalizados e criminalizados. O direito fundado na garantia da liberdade é reinterpretado como se sua única função passasse a ser punitiva e vingativa. Discursos de ódio racial, de gênero, de nacionalidade, de classe, etc. passaram a se apresentar como alternativa normal e questionadora à lutas que, historicamente, buscaram garantir visibilidade e direitos humanos a grupos historicamente minoritários. Uma “nova” consciência moral mostra a inversão do que até então se conhecia como “bom” e “mal”. Parece comum a defesa do mal e a condenação do bem. O caso Ustra é um bom exemplo disso.
            O Coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra, ao ser interrogado em uma audiência da Comissão da Verdade, chega ao ponto de sugerir que o processo de repressões, torturas e assassinatos cometidos durante a ditadura militar foi um mal necessário para conter a onda de insurreição de grupos que resistiam às arbitrariedades do regime militar brasileiro. Mais do que isso, ele aparenta demostrar uma postura que ignora o sentido daquilo que se compreende como “bom” e “mal”. Curiosamente, foi a mesma postura identificada pela pensadora judia Hannah Arendt, ao acompanhar o julgamento do oficial nazista Adolf Eichmann, condenado por crimes contra judeus durante a segunda guerra mundial. Caso que fez a filósofa cunhar o conceito “Banalidade do Mal”.
            Para Arendt, no contexto social e político em que Eichmann estava inserido, sua postura de burocrata e simples cumpridor de ordens, parecia que o tornava incapaz de usar a própria consciência para compreender a extensão da maldade de seus atos. O mal, perpetuado por suas ações, se banalizou. É possível aplicar a reflexão filosófica feita por Arendt ao contexto brasileiro? Em que medida, a mesma postura de banalização do mal pode ser identificada nas ações de figuras como Carlos Alberto Brilhante Ustra? Mais do que isso, qual a extensão da “banalidade do mal” presente no fenômeno do “bolsonarismo” e suas expressões totalitárias?
            São essas questões que orientarão as reflexões aqui feitas, na tentativa de esclarecer e contribuir para um debate que atente aos apelos que a democracia brasileira parece fazer ao ambiente acadêmico, também tão marcado por tentativas de intimidação, repressão e criminalização.

2. A BANALIDADE DO MAL EM HANNA ARENDT E SEU CONTEXTO
            O conceito “Banalidade do Mal” foi cunhado por Hannah Arendt em sua obra de 1963 “Eichmann em Jerusalém: um relato sobre a banalidade do mal”. A publicação, em forma de livro, é uma versão estendida da matéria jornalística feita por ocasião da sua cobertura no julgamento do oficial nazista Adolf Eichmann, responsável pela logística de extermínio de milhões de pessoas durante a ascensão do 3º Reich alemão na Segunda Guerra Mundial.
            Na obra, Arendt começa apresentando um perfil do acusado, sugerindo um comportamento estranhamente normal (ARENDT, 1999), contradizendo a versão informal, comum e defendida pela corte de Jerusalém de que, tais crimes contra a humanidade, só poderiam ser cometidos e consentidos por um monstro psicopata, demoníaco e antissemita que personificasse o mal em si próprio. Arendt, curiosamente, o identifica como uma pessoa assustadoramente comum, um burocrata, um “cidadão de bem”, mas também uma pessoa medíocre que tinha a função de apenas cumprir as ordens recebidas, renunciado a pensar nas consequências que seus atos poderiam ter. A ausência de juízo crítico e reflexivo na figura de Eichmann foi a chave de leitura utilizada por Arendt para cunhar o conceito de “Banalidade do Mal”, uma vez que, perguntando-se sobre a natureza da relação entre a atividade reflexiva e ações malignas “podemos detectar uma das expressões do mal, qual seja, o mal banal, como fruto do não-exercício do pensar?” (ARENDT, 2008.) A resposta positiva da pensadora, a partir do caso de Eichmann, sugere uma característica comum nas sociedades massificadas sobre princípios ideológicos totalitários. Essas sociedades tendem a alimentar nas multidões o cumprimento de ordens e ações sem qualquer tipo de questionamento, o que as tornam incapazes de fazer julgamentos morais. Pessoas normais, “cidadãos de bem” que, ao não pensarem, perpetuam uma rede de maldade que se espalha, camuflada por uma impressão de normalidade na sociedade.
            Eichmann, encarna a condição de sujeito que, ao abrir mão de sua condição reflexiva, abre mão daquilo que o caracteriza, fundamentalmente, como ser humano. Ele representa a condição de toda pessoa que, inserida em um sistema de relações ideológicas e sociais totalitárias, se desumaniza. Nesse sentido, é interessante salientar que o sistema perpetuado pelo nazi-fascismo não desumanizou somente as vítimas, mas também os algozes que contribuíram com tal sistema, direta ou indiretamente, para a legitimação da desumanização através da perpetuação de um mal banal.

3. A BANALIDADE DO MAL NO CASO USTRA E NO BOLSONARISMO
            No Brasil, pode-se atualizar a questão do mal banalizado por um sistema que o legitime, tomando como exemplo o depoimento realizado em audiência na Comissão Nacional da Verdade do coronel do exército brasileiro Carlos Alberto Brilhante Ustra, ex-chefe do Destacamento de Operações de Informação - Centro de Operações de Defesa Interna (DOI-CODI), órgão subordinado à presidência da república no regime militar de 64, responsável pela repressão política e ideológica, usando para tal fim estratégias que violaram os direitos humanos: torturas e assassinatos de cidadãos e civis brasileiros considerados “subversivos” por questionarem o sistema político vigente.

            O relato do depoimento de Ustra à Comissão Nacional da Verdade, diante dos casos e evidências de violação de direitos humanos cometidos pelo órgão que chefiava, revela três características que vale a pena considerar para o objetivo deste artigo. Primeiro, Ustra a todo instante nega a sua responsabilidade por aquilo que o acusam. Segundo, ele sempre estereotipa de “terroristas”, “comunistas”, etc. cidadãos e movimentos que lutavam por direitos civis e sociais, muitas vezes através do também direito à insurreição. Terceiro, ele usa como estratégia, transferir a responsabilidade, uma vez que sua função era apenas cumprir ordens de seus superiores. “Portanto, quem deve estar aqui não é o coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra, quem deve estar é o Exército Brasileiro. [...] que assumiu por ordem do presidente da República a ordem de combater o terrorismo e sob os quais eu cumpri todas as ordens”. (VERDADE, 2013)
            As narrativas presentes no discurso do depoimento em questão sustentam a tese de “normalidade” que esconde um mal banalizado, porque parece relativizado nas obrigações legais e burocráticas de quem o comete por ignorância. Como Eichmann, Ustra revela uma atitude de assustadora normalidade diante das consequências de atos malignos perpetuados por um sistema através do qual ele mesmo era parte significativa. Tais discursos e narrativas não são, necessariamente, monopólio de uma só pessoa. A tendência a igualar o exercício da violência ao mero cumprimento de atividades burocráticas, revela que a banalização do mal, seja no caso da Alemanha nazista ou do Brasil ditatorial, parece separar os valores éticos individuais do comportamento duvidoso assumido por um grupo ou sistema que perpetua esse mal. Por isso, segundo Hannah Arendt, o maior mal do mundo é aquele cometido por ninguém, ou seja, quando ninguém acredita estar fazendo o mal é, talvez de fato, quando o maior mal aconteça. É o que parece revelar exatamente o fenômeno do bolsonarismo no Brasil.
            O fenômeno do bolsonarismo, na verdade, se situa na própria fragilidade histórica da democracia brasileira. Diferentemente da Alemanha, que faz uma memória constante dos males advindos do nazismo, o Brasil parece esquecer da opressão sofrida durante a ditadura de 64, chegando ao ponto de pequenos grupos se organizarem em passeatas pedindo o retorno do regime. De uma forma geral, os brasileiros sempre se acostumaram a conviver com influências conservadoras e autoritárias. Depois da redemocratização, sucedeu-se um curto período de aparente autonomia democrática. Porém, com a fragilidade institucional e política desta autonomia, somada ao clima de desesperança generalizada, em meados de 2013, o conservadorismo e autoritarismo se reorganizou, principalmente, em torno de figuras como o então deputado Jair Bolsonaro. Porém, “o bolsonarismo é um fenômeno muito maior do que ele, no sentido de que a figura dele entrou em vários vácuos da sociedade brasileira e, como todo autoritarismo, conseguiu preencher vários buracos e frustrações”. (MENDES, 2018) O discurso autoritário e fascista é alimentado e assimilado através de narrativas ideologicamente construídas, principalmente, no ambiente relativamente livre das redes sociais.
Evidentemente, assim como todo movimento precisa de uma base social para se afirmar e se fortalecer, no caso do bolsonarismo, essa base social se revelou “imensa, cujos preconceitos já existiam, decantados, como a lama do fundo do poço da cultura patriarcal, mas que nunca tiveram – pelo menos na escala atual – expressão política”. (FRANCO, 2018) Somada a tais bases e manifestações, acrescentou-se narrativas preconceituosas avessas aos Direitos Humanos, às minorias, à diversidade de costumes e modos de vida. O caráter (pseudo)intelectual do bolsonarismo foi acrescentado pelo discurso neo-macarthista, que encontrou na força de teorias conspiratórias a base de criminalização intelectual a qualquer tendência progressista.
Nesse conjunto ideológico, social, político e pseudo-intelectual, forma-se o bolsonarismo, através da comunicação maciça de respostas prontas, memes, falsas alegações, chavões, piadas, xingamentos e expressões que objetivam desqualificar quem pensa diferente. No terreno da ignorância do bolsonarismo é plantado o mal banalizado.
           
4. CONSIDERAÇÕES FINAIS
As redes sociais se tornaram a grande sombra que parece esconder o mal presente em discursos e práticas do bolsonarismo. A criminalização de seres humanos, os discursos que tendem a esconder posturas xenofóbicas, machistas, sexistas, homofóbicas, racistas, etc. são cometidos por pessoas assustadoramente normais, que se recusaram a serem humanas, pois se recusam a pensar por si próprias ao seguir, cegamente, as regras e os discursos de outros. Não é de se admirar o crescimento do bolsonarismo exatamente nos lugares em que a sombra que esconde o mal parece ser afirmada, ou seja, nas redes sociais.
            As notícias, informações e perfis falsos são um sintoma real do mal banalizado nesse ambiente virtual de sombras. Hoje, é fácil disseminar o mal apenas com uma atividade de apertar um botão, assumindo determinados comportamentos sem ao menos adotar uma postura de questionamento moral sobre as consequências de tais ações. É exatamente isso que o bolsonarismo faz. Quando se observa a quantidade de absurdos afirmados todas as vezes que o atual presidente Jair Bolsonaro fala, e a quantidade de pessoas que consideram tais narrativas como se fossem aparentemente normais, se chega à conclusão de que o mal está escondido na ignorância, na incapacidade de pensar por si, na supressão da própria racionalidade como condição para se afirmar como verdadeiramente humanos.
Até que ponto o bolsonarismo sustenta padrões éticos e morais deploráveis, simplesmente por não induzir as pessoas a analisar as consequências de seus próprios atos? Não é estranho perceber como o bolsonarismo vê a educação crítica como inimiga de seus preconceitos. Em uma sociedade onde o mal é banalizado pelas sombras da ignorância, pensar criticamente se torna uma exceção.

5. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ARENDT, Hannah. Eichmann em Jerusalém: um relato sobre a banalidade do mal. São Paulo: Ed. Companhia das Letras, 1999;

________, Hannah. Compreender: formação, exílio e totalitarismo. Belo Horizonte (BH): Companhia das Letras/Editora UFMG; 2008;

FRANCO, Augusto de. Há um fenômeno social, ainda inexplicado, na ascensão do bolsonarismo. Disponível em: http://dagobah.com.br/ha-um-fenomeno-social-ainda-inexplicado-na-ascensao-do-bolsonarismo/ Acesso em 06 de Setembro de 2019.

MENDES, Vinícius. O “bolsonarismo” é maior do que Bolsonaro, diz antropóloga. Entrevista. Disponível em: https://calle2.com/o-bolsonarismo-e-maior-do-que-bolsonaro-diz-especialista/ Acesso em 06 de Setembro de 2019.

VERDADE, Comissão Nacional da verdade. Depoimento do Coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra, 2013. Disponível em: http://cnv.memoriasreveladas.gov.br/images/documentos/Capitulo15/Nota%2039%20-%2000092.000666_2013-17.pdf Acesso em: 05 de Setembro de 2019.



[1] Graduado em Filosofia, Faculdade Jesuíta de Filosofia e Teologia (FAJE); Graduando em Ciências Sociais, Universidade do Estado do Rio Grande do Norte (UERN) – email: josewilsongp@gmail.com
[2] Graduanda em Direito, Universidade Estadual do Rio Grande do Norte (UERN) – email: le-santiago@outlook.com



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terça-feira, 2 de julho de 2019

O ULTIMO ABRAÇO DE VALÉRIA EM SEU PAI

A família salvadorenha, como milhares de outras imigrantes, tentavam a travessia bloqueada pelo muro ideológico construído pelos EUA. O pai leva primeiro a filha, deixando-a na outra margem do rio, enquanto volta pra buscar a mãe. A filhinha, com menos de dois anos, ao ver o pai se afastar, se joga na água. O pai volta para socorrê-la. A mãe, desesperada, observa o marido e a filha sumirem nas águas do rio que separa o México dos EUA.
 
Depois de 12 horas, os corpos de Óscar Alberto e sua filhinha Valéria são encontrados. A foto, que deixa a alma vazia e o coração mudos, mostra o bracinho da criança sobre o pescoço do pai, como que abraçada gritando por socorro.
 
Enquanto isso, o governo trump continua sua política xenofóbica de endurecimento contra imigrantes de países subdesenvolvidos. O mesmo governo adorado pelo atual presidente do Brasil, que aparentemente compartilha das mesmas posturas ideológicas criminosas.
 
Tania Vanessa, mãe e esposa, continua viva sem o direito de entrar nos EUA para tentar uma vida melhor... mas agora sem marido e sem filha.
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sábado, 23 de abril de 2016

O LIXO DO DESCASO E DA INDIFERENÇA - Por Bárbara das Graças de Lima

NOTA: Há pouco tempo fiz, com meus alunos e alunas das turmas de terceiro ano da Escola Profissionalizante de Russas, uma aula de campo das disciplinas de Filosofia e Sociologia para trabalharmos a temática da Ética Ambiental, Sociedade e Meio Ambiente. O local escolhido foi a Comunidade do Alto São João, localizada na cidade de Russas, às margens de tudo: da BR 116, do lixão municipal e de tantas outras marginalizações. O relato que segue foi o testemunho humanista de uma aluna, Bárbara, a partir de seu olhar humanista. Qualquer tentativa de explicação se tornará injusta. Apenas leiam...



O BICHO
Vi ontem um bicho
Na imundície do pátio
Catando comida entre os detritos.

Quando achava alguma coisa,
Não examinava nem cheirava:
Engolia com voracidade.

O bicho não era um cão,
Não era um gato,
Não era um rato.

O bicho, meu Deus, era um homem.
(Manuel Bandeira)

Fazendo menção ao poema de Manuel Bandeira, expresso um pouco daquilo que vi e senti em meio a um espaço geográfico composto por um lixo tóxico de descaso, indiferença e que, em meio a tudo isso, vivi algo que até então ficava apenas aos meus ouvidos, discursos e mais discursos da vida surreal daqueles e daquelas que tiram seu sustento dos lixões.

“Vi ontem um bicho na imundície do pátio catando comida entre os detritos.”

Vi sim, a imundície que somos capazes de produzir e que somos incapazes de buscar pôr em prática em um simples ato, a coleta seletiva. Não, a única coleta que percebi que estamos fazendo é a coleta de nossa hipocrisia, a que nos cega ao ponto de sermos indiferentes ao descaso dessas condições, que faz do ser humano um concorrente de urubus, porcos e insetos.

Ao sair de minha zona de conforto e ir até o “pátio” é que dei conta que o odor que senti naquele momento não chega perto ao que exala as políticas públicas que simplesmente adiam as possíveis melhorias dessas condições. Afinal, o prazo final para implantação dos chamados aterros sanitários instituída pela Política Nacional de Resíduos Sólidos, era para 2014, mas pelo que consta no calendário, já se vão dias e anos deste prazo.

É inadmissível perceber, enquanto se prolongam os prazos, a vida dos que estão a mercê dessas condições vão se confundindo entre sacos, restos de comida, plástico, etc. E tudo aquilo que é “lixo” se confunde com aquilo que é vida. Vi que é muito fácil para uma visitante chegar, se indignar, trocar a roupa pois o cheiro ficou entravado, mas é muito difícil tomar parte da responsabilidade da formação disso tudo.

Talvez não seja o lixo literalmente falando que salta aos olhos e que faz tremer a pele, aperta o coração e faz a consciência ficar atordoada. Mas, sim, se dar conta de uma realidade que faz parte da vida de várias Marias, Josés, Inácios - e tantos que fogem ao alcance - e lembrar que junto desta realidade, há milhares de outras.

Senti silenciosamente além dos gemidos daqueles que ali encontrei, os gemidos da mãe natureza, tão maltratada, tão esquecida que participa da luta em favor da vida daqueles que estão lançados, muitas vezes, à sorte de encontrar os materiais que possam gerar um maior lucro... até mesmo o alimento do dia.

“O bicho não era um cão, não era um gato, não era um rato.”

O poema de Bandeira finaliza com o espanto de que nenhum animal que ali estava era ele mesmo. Era e é o homem que se prostra às condições que o faz bicho, que o faz sentir vergonha. Porém, mesmo diante de tudo isso que testemunhei e compartilho, apesar de não ser um rato, um gato ou um cão e sim um ser humano, este possui e sempre irá possuir em sua pele, em seu coração e sua consciência a vontade mais singela, a de ser homem nas legitimidade das condições humanas.

Talvez eu tenha sido um pouco quanto humanista nas entrelinhas, mas isso foi reflexo do que de humano não percebi em todo aquele lixo que estava aos meus olhos e que em algum lugar em meio a todo ele, estava meu lixo, não somente o lixo no seu contexto literal, mas também o meu lixo de indiferença e descaso.

“O bicho, meu Deus, era um homem.”

Por, Bárbara das Graças de Lima.
Aluna do terceiro ano de Comércio da Escola Profissionalizante de Russas, Prof. Walquer Cavalcante Maia.
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sexta-feira, 3 de julho de 2015

Social-democracia é a única via para a política brasileira. Entrevista especial com Luiz Werneck Vianna

“Eu vislumbro aprofundamento e consolidação da democracia brasileira. Vislumbro possibilidades novas da emergência das novas gerações, movimentos sociais de novo tipo. Sou otimista e não jogo contra; torço a favor”, afirma o sociólogo.
 
Imagem: blog.opovo.com.br
Diante do “desencanto” e da “descrença” que toma parte do sentimento da população brasileira em relação aos rumos da política no país, das incertezas geradas pela crise econômica, com uma perspectiva de baixo crescimento para os próximos anos, e dos rumos das investigações da Operação Lava Jato, temos de nos fazer uma pergunta central, afirma Werneck Vianna à IHU On-Line. “Isso compromete a democracia brasileira?” A resposta é dada sem rodeios: “A meu ver, não. Esse é um processo amplo, duro, sofrido, em que a sociedade brasileira se democratiza”.
Apesar do caos e das incertezas quanto aos rumos políticos, econômicos e sociais do país, otimista, o professor destaca que “a vida republicana brasileira está funcionando, aliás, como poucas vezes funcionou, através do Poder Judiciário, da Polícia Federal, dos Tribunais de Conta da União. Várias instituições republicanas estão exercendo os seus papéis. A novidade é esta: elas deixaram de ser nominais, elas não figuram apenas no papel, estão encontrando formas de existência. O Ministério Público que aí está, é uma grande novidade republicana”.

Na entrevista a seguir, concedida à IHU On-Line por telefone, numa conversa de uma hora, Werneck Vianna analisa e comenta a atual conjuntura política brasileira, e chama atenção para o fato de que “o presidencialismo que conhecemos significou uma supremacia sem freios do Executivo sobre o Legislativo e do Executivo sobre toda a sociedade”, com seu “imenso poder decisionista”. O sociólogo também critica a “oligarquização dos partidos políticos brasileiros, que não se rejuvenescem e que têm lideranças que se reproduzem, com terceiro mandato, quarto mandato”, desenvolvendo políticas que são “uma ilha, com seu escritório, com seus serviços sociais”.

Independente dos rumos que se possa esperar, pontua, “o que se pode dizer, e isso eu digo, é que o nosso caminho é o da social-democracia, com uma inclinação mais à direita ou mais à esquerda, é por aí que gravita e vai gravitar, até onde a nossa vista alcançar, a política brasileira”. O que precisa ser feito diante das crises econômicas e da financeirização do capitalismo, assinala, “é democratizar o capitalismo, porque estamos nesse único horizonte”. Isso significa que não devemos manter um “apelo a uma história original”, como alguns políticos sugerem, mas ver a realidade “a partir das suas racionalidades. O que a sociedade agora está querendo? Está querendo partidos e uma política que se empenhem em mudanças e que não questionem esse sentimento de mudanças”, conclui.

Luiz Werneck Vianna (foto abaixo) é professor-pesquisador na Pontifícia Universidade Católica - PUC-Rio. Doutor em Sociologia pela Universidade de São Paulo, é autor de, entre outras obras, A revolução passiva: iberismo e americanismo no Brasil (Rio de Janeiro: Revan, 1997); A judicialização da política e das relações sociais no Brasil (Rio de Janeiro: Revan, 1999); e Democracia e os três poderes no Brasil (Belo Horizonte: UFMG, 2002). Sobre seu pensamento, leia a obra Uma sociologia indignada. Diálogos com Luiz Werneck Vianna, organizada por Rubem Barboza Filho e Fernando Perlatto (Juiz de Fora: Ed. UFJF, 2012).

Confira a entrevista. 


                 Foto: matheuszz.blogspot.com
 


IHU On-Line - O que está acontecendo na política brasileira? Como chegamos a este momento em que parece haver uma descrença com os rumos da política no país?
Luiz Werneck Vianna – É o fim de um ciclo. Agora temos de começar outro. Na verdade já tarda o começo de um ciclo, porque estamos suspensos.

IHU On-Line – Vislumbra de onde pode iniciar esse novo ciclo?
Luiz Werneck Vianna – Uma boa posição seria ter serenidade e esperar as coisas decantarem. Por exemplo, o impeachment está rondando a nossa vida desde o começo do segundo mandato da presidente Dilma. Ele poderá vir caso uma nova “testemunha bomba” se manifeste, ou não. O fato é que não pode ser fabricado, tem de ser um processo natural de maturação, porque a sociedade está com a respiração presa, na expectativa de como esse processo criminal irá continuar seu curso. Ele tem seus efeitos limitados ao que já se viu, ou ele pode escalar.

IHU On-Line – O senhor está se referindo às investigações da Operação Lava Jato, dadas as últimas acusações que mencionaram doações às campanhas da presidente Dilma e do ex-presidente Lula?
Luiz Werneck Vianna – Isso.

IHU On-Line - Como está avaliando as investigações da Operação Lava Jato? Qual é o significado político da Operação?
Luiz Werneck Vianna – É imenso, porque ela põe a nu a maneira como se vinha fazendo política no país, com uma relação inteiramente incestuosa entre política e economia, com financiamentos de campanhas milionários extraídos de recursos estatais. Antes, com o mensalão, havia dinheiro do Banco do Brasil, agora, com o petrolão, tem dinheiro da Petrobras.

IHU On-Line – O debate sobre a Operação Lava Jato está bastante polarizado entre os que argumentam que se trata apenas de mais uma investigação sobre corrupção no país e os que fazem duras críticas ao envolvimento do PT nestes casos de corrupção. Como interpreta essas visões polarizadas?
Luiz Werneck Vianna – Não se pode falar da Operação Lava Jato sem se falar do governo e dos partidos do governo, porque foram eles que abriram as torneiras para que os operadores dos partidos e das empresas pudessem trabalhar. A política brasileira vem correndo nesses trilhos malévolos há muito tempo e o fato é que isso chegou ao limite. Parecia que o limite tinha sido o mensalão, mas não foi. O petrolão aponta um descalabro ainda mais significativo.
A política no Brasil tem que mudar, aliás, ela está mudando e não vai passar indene desse processo que a sociedade toda está acompanhando através da imprensa, das apurações cada vez mais profundas e severas a respeito do que é, de natureza criminal, a política brasileira. Há várias reações quanto a isso: a Lei da Ficha Limpa foi uma reação importante, mas ainda há muita coisa a ser investigada.    
Agora, isso compromete a democracia brasileira? Essa que é a questão. A meu ver, não. Esse é um processo amplo, duro, sofrido, em que a sociedade brasileira se democratiza, ou seja, democratiza a democracia brasileira.

IHU On-Line – Em que aspectos o senhor já vê uma mudança na política brasileira? Investigações a exemplo da Operação Lava Jato vão conseguir por fim à corrupção que existe no país?  
Luiz Werneck Vianna – Fim, não, porque parece que a corrupção faz parte de uma das possibilidades presentes na natureza humana. Não se trata de erradicá-la para sempre, porque o mal existe, vai continuar aí, mas não pode comandar a nossa vida; tem de se encontrar um limite para ele. A sociedade, através das suas instituições, está impondo esses limites.
A vida republicana brasileira está funcionando, aliás, como poucas vezes funcionou, através do Poder Judiciário, da Polícia Federal, dos Tribunais de Conta da União. Várias instituições republicanas estão exercendo os seus papéis. A novidade é essa: elas deixaram de ser nominais, não figuram apenas no papel, estão encontrando formas de existência. O Ministério Público que aí está, é uma grande novidade republicana.

"A política brasileira vem correndo nesses trilhos malévolos há muito tempo e o fato é que isso chegou ao limite"

 
IHU On-Line – A que atribui o fato de a vida republicana estar funcionando melhor em meio ao caos político?
Luiz Werneck Vianna – O bom funcionamento das instituições republicanas é uma condição indispensável para que a vida democrática encontre formas vivazes de manifestações, que ela não se deixe dominar por práticas de oligarquias, como vem ocorrendo entre nós.
Não é que estejamos refazendo a história do Brasil — não vamos ter diante de nós uma página branca, um momento novo, inaugural. Nós estamos tentando aperfeiçoar aquilo que dissemos que deveria ser na Carta de 88, uma vontade política expressa livremente pela sociedade na Constituinte de 1986, a qual levou à criação da Carta de 88, que hoje está exercendo uma nova jurisdição sobre a sociedade e a política. Então, isso está ocorrendo sem traumas até agora. A Justiça ainda opera, a sociedade está sobressaltada, desconfiada, mas não está descrente do papel exercido pelas instituições.
A expectativa é que possamos sair disso numa situação melhor do que antes, embora no curto prazo, olhando a política na sua vida imediata, estejamos diante de uma situação de imprevisibilidade: haverá impeachment? Essa é uma questão. O impeachment tem um objetivo desejável? Não creio. Mas pode ser que ocorram condições que façam com que ele seja imperativo. Até agora isso não aconteceu.
Tem de se calcular muito, porque um impeachment movido por ressentimento não leva a nada. No dia seguinte, vai ser o que do país? O que precisamos é seguir avante num processo de aperfeiçoamento das instituições. Não há nada de espetacular à vista e o impeachment não resolve a crise do país.  

IHU On-Line - O senhor sempre foi um crítico do presidencialismo de coalizão. A crise dos partidos é consequência desse modelo de presidencialismo?
Luiz Werneck Vianna – A hora final desse modelo está chegando. Esse modelo está sendo abandonado, porque foi uma experiência extremamente negativa, porque gerou o enfraquecimento dos partidos, uma passividade da sociedade. O presidencialismo que conhecemos significou uma supremacia sem freios do Executivo sobre o Legislativo e do Executivo sobre toda a sociedade. O Executivo tem um poder decisionista imenso. O recurso institucional das medidas provisórias faz com que a força do Executivo seja muito intensa. E com um Legislativo incapaz de se contrapor ao Executivo e de fiscalizá-lo, abriu-se uma porteira para esse tipo de política que vai corroendo os demais.

IHU On-Line - O que seria uma alternativa a esse modelo? Como avalia as propostas de um regime parlamentarista, como alguns estão sugerindo?
Luiz Werneck Vianna – Essa é uma questão difícil. O parlamentarismo pode ser, sim, uma solução, mas adaptada às nossas circunstâncias. Um parlamentarismo à la francesa, talvez, com um Executivo forte, com um presidente forte, e compartilhando o exercício do poder com o primeiro-ministro. É possível se pensar numa situação dessas. Aliás, há analistas que sugerem que já estaríamos vivendo esse modelo com o vice-presidente, Michel Temer, exercendo essas funções de primeiro-ministro. O que não me parece uma análise despropositada, não, mas o caso é que ela é casuística, e não é uma solução permanente, mas poderá se tornar, sim, uma situação permanente.
O parlamentarismo está aí, à disposição da sociedade para ser usado em caso de necessidade. Agora, chegaremos a isso? Pode ser.

 

"O que precisamos é seguir avante num processo de aperfeiçoamento das instituições"


IHU On-Line – O senhor vê mais vantagens na implantação do parlamentarismo neste momento?
Luiz Werneck Vianna – Isso é muito difícil de responder. Essas mudanças não são feitas “a frio”, elas têm de ser feitas como resposta às crises. A crise chegou a um ponto tal que a solução do parlamentarismo sob uma modelagem própria a nós, nova, já se impõe? Parece que ainda não, mas isso poderá ocorrer, sim. Mas só será uma medida bem-sucedida se for tomada “a quente”. Os países não fazem reformas políticas “a frio”, em laboratório, tem de ser no calor dos acontecimentos, tentando encontrar melhores caminhos a fim de se criarem condições políticas saudáveis para a sociedade, e isso não é feito numa planilha.  

IHU On-Line - Entre as propostas da reforma política existentes, alguma lhe parece adequada?
Luiz Werneck Vianna – A reforma política ainda não chegou ao seu termo. Há uma possibilidade ainda de que ela avance para estabelecer limites a essa proliferação de partidos que não são funcionais ao bom desempenho da democracia política. Não que os partidos devam ser interditados, ao contrário, deve haver liberdade de organização partidária, mas para que essa liberdade seja frutuosa, ela não pode se converter numa espécie de cartório do partido, de se dar acesso a recursos públicos a eles. Devemos dar recursos públicos aos partidos que antes demonstraram presença na vida social através do voto. Partidos sem expressão eleitoral podem investir, certamente, mas não devem ter acesso a recursos públicos.
Outro ponto são essas coalizões nas eleições proporcionais inteiramente sem sentido que ocorrem na nossa política. Se eliminarmos a possibilidade de coalizão nas eleições proporcionais, seria possível reduzir o número desses partidos, porque muitas das legendas só vivem de se coligarem com partidos fortes, os quais lhe passam recursos para continuarem sobrevivendo.
O melhor projeto de reforma política seria o de limpar a proliferação dos partidos e pôr fim às coalizões nas eleições proporcionais. Isso já estaria muito bom. Pode ser que isso ainda venha a passar, e me mantenho esperançoso de que algo nessa direção passe no Congresso.

IHU On-Line - Qual foi o resultado político do Congresso do PT em Salvador?
Luiz Werneck Vianna – O PT não avançou e isso é apenas um sintoma da crise. Aliás, ele tem avançado mais depois do Congresso, com a necessidade de buscar oxigenação através dos movimentos sociais, de uma articulação com a sociedade civil. Isso é o que cabe a ele e a todos os partidos fazerem.

IHU On-Line – O PT ainda tem condições de oferecer alguma proposta e de se rearticular?
Luiz Werneck Vianna – Sim, porque os partidos custam a morrer. Veja, o partido comunista russo ainda existe. Os partidos custam a morrer, especialmente quando têm atrás de si uma história aqui ou ali bem-sucedida. Agora, o PT não vai ter, pelo menos por hora, o peso que teve antes.

IHU On-Line - Qual é o significado das críticas de Lula ao PT? Essas críticas têm sentido na conjuntura atual? Como avalia, por outro lado, as críticas que o ex-presidente tem feito ao governo Dilma, dizendo que ela está “no volume morto” e o que o governo dela parece “um governo de mudos”?
Luiz Werneck Vianna – São declarações complicadas, porque é um partido em que um só fala. O problema do PT é o monopólio da fala. Como se vê nos quadros do PT, não apareceram mais lideranças novas, embora as jornadas de junho de 2013 tenham mexido com a juventude de uma maneira muito intensa. Mas, daqueles jovens, quais foram filtrados para o mundo da política? E no PT? Quase nenhum.

IHU On-Line – Nesses 13 anos em que o PT esteve à frente da presidência, houve espaço para surgir uma nova liderança política no partido? Ou se quis que surgisse uma nova liderança?
Luiz Werneck Vianna – Acho que tem havido, sim, obstáculos para isso. Os petistas vivem, como cartórios, com seus dirigentes. São muitos recursos envolvidos, os recursos das legendas, dos fundos públicos. São como os sindicatos também, que, tendo ou não o apoio dos seus associados, têm o dinheiro da contribuição sindical. Esse é um dos elementos da oligarquização dos partidos políticos brasileiros, que não se rejuvenescem e que têm lideranças que se reproduzem, com terceiro mandato, quarto mandato. Cada política é uma ilha, com seu escritório, com seus serviços sociais.
Só se mexe com isso quando a sociedade emerge. Essas mudanças ocorrem a partir dessa movimentação social vigorosa, como vem ocorrendo na Espanha, com o Podemos, que está crescendo. Sem essa vida que vem da sociedade, os partidos se oligarquizam.   

"Tudo isso me leva a desconfiar e a descrer da Frente de Esquerda que o Lula está propondo, porque se for para fugir das balizas da social-democracia, isso não vai ter futuro nenhum"


IHU On-Line - No início do segundo governo Dilma, houve uma série de críticas às políticas sociais dos governos Lula e Dilma, porque elas teriam sido elaboradas para beneficiar mais os bancos do que a população. Agora, com a crise do PT se intensificando, muitos críticos, ao contrário, veem no PT a única possibilidade para dar continuidade às políticas sociais no país. Essas posições são justificadas?
Luiz Werneck Vianna – Os indicadores não são tão favoráveis às políticas sociais, basta olhar a questão da saúde e da educação. O que houve de fato foi uma melhoria e um enfrentamento do tema da miséria, com o Programa Bolsa Família, que realmente deu uma melhorada na condição de vida dos mais vulneráveis da nossa sociedade. Agora, o ponto é que essas pessoas continuam vulneráveis como sempre e não têm como sair de uma situação de vulnerabilidade. Sem educação, sem empregos qualificados, aos quais só a educação dá acesso, não há como as pessoas saírem dessa situação.

IHU On-Line – Alguns argumentam que se o PT perdesse representatividade política hoje, as políticas sociais estariam ameaçadas, porque outros partidos não teriam preocupações com políticas sociais. Concorda que a continuidade da inclusão social no país depende da renovação e da continuidade do PT?  
Luiz Werneck Vianna – Não acredito, inclusive essa coisa da política social começou, em suas origens, com um prefeito de Campinas, do PSDB, que morreu moço; foi ele quem inventou esses programas de bolsas assistenciais. Teve um movimento também com quadros do PT, como os desenvolvidos pelo Betinho (Herbert José de Souza), que trouxe o tema dos vulneráveis para uma evidência maior. A professora Ruth Cardoso, que foi casada com o ex-presidente Fernando Henrique, também foi uma entusiasta dessa questão. Então, política pública no Brasil é algo difundido, não tem um pai certo, é uma possibilidade difusa e várias gerações participaram desse movimento de elaboração de políticas públicas.  

IHU On-Line - Qual é a herança de Lula no governo Dilma?
Luiz Werneck Vianna – Sem dúvida há uma herança e a presença do PT no governo Dilma é muito forte. O fato é que as oposições brasileiras dão muito espaço para o PT falar sozinho. Mesmo nessa situação de horror que os integrantes do partido estão vivendo com o caso do petrolão, você abre os jornais e as posições das notícias mais relevantes são das manifestações das lideranças petistas, especialmente de Lula, que nem faz parte do governo. Então, isso quer dizer que, do ponto de vista das oposições, não se tem feito presente uma manifestação forte, e as oposições também estão inseguras acerca de que caminho seguir.
Agora, de um modo ou de outro, o que se pode dizer, e isso eu digo, é que o nosso caminho é o da social-democracia, com uma inclinação mais à direita ou mais à esquerda, é por aí que gravita e vai gravitar, até onde a nossa vista alcançar, a política brasileira.

IHU On-Line – O senhor está sugerindo que a social-democracia é a melhor alternativa para o Brasil?
Luiz Werneck Vianna – Não tem jeito, ela já faz parte da nossa história e não vamos conseguir eliminá-la.  

IHU On-Line – E como o senhor vê, apesar disso, as frentes de articulação de esquerda que estão sendo propostas, como a que vem sendo proposta pelo ex-presidente Lula, por exemplo? O que elas poderiam oferecer de novo à política em relação ao PT, por exemplo?
Luiz Werneck Vianna – Elas podem ter um papel, sim, mas não creio que seja um papel dominante. Tudo isso me leva a desconfiar e a descrer da Frente de Esquerda que o Lula está propondo, porque se for para fugir das balizas da social-democracia, isso não vai ter futuro nenhum.

IHU On-Line – O senhor consegue identificar quais são os rachas dentro do PT atualmente? Quais são os diferentes grupos existentes e como eles se relacionam? Nesta semana, por exemplo, o ex-presidente Lula se reuniu com deputados e senadores do PT e recusou se reunir com os ministros do governo Dilma.
Luiz Werneck Vianna – Eles estão percebendo que o chão não foge dos pés, e estão tentando visualizar o caminho à frente não tanto a partir das circunstâncias novas em que eles se encontram, mas a partir das suas experiências passadas. Então, muitas das lideranças, especialmente o Lula, tratam as discussões a partir daquela ideia de “como era gostoso o nosso tempo original”. Mas aquele tempo não volta. É preciso encontrar, se querem encontrar, uma saída para os tempos de agora. Aqueles sindicatos dos anos 70, 80 não existem mais. Muitos daqueles movimentos sociais nasceram e morreram, a cultura política era outra e houve uma mudança, eu diria, para melhor, em relação a muitas coisas que havia antes, de modo que esse apelo a uma “história original” a fim de restaurar a nossa mocidade me parece uma coisa anacrônica, uma coisa de resmungo de velho que quer ter o ímpeto da juventude.
As coisas têm de ser vistas a partir das suas racionalidades. O que a sociedade agora está querendo? Está querendo partidos e uma política que se empenhem em mudanças e que não questionem esse sentimento de mudanças.
O PT afundou a sua história na estadofilia. Vou dar um exemplo. Em 2004 o PT mobilizou o Fórum Nacional do Trabalho sob a liderança do Ministro Berzoini, que à época era Ministro do Trabalho. O documento que esse Fórum procurou encaminhar falava em fim da unicidade sindical e houve reformas importantes no sentido de dar liberdades de movimento ao sindicalismo brasileiro. Mas o documento do Fórum foi engavetado e, imediatamente em seguida, as Centrais Sindicais foram institucionalizadas com o reconhecimento de que elas tinham direito à percepção de uma parcela do imposto sindical, o que fez com que elas se afastassem ainda mais das suas bases. Isso foi feito pelo PT. Esse afastamento delas da sociedade tem a ver também com outros processos, mas tem a ver com a política do próprio PT, com a estadofilia que ele incentivou, induzindo a passividade da militância, da população, mas é claro que o Bolsa Família não deixou de exercer um belo papel. Tudo isso foi feito com uma única intenção: permanecer no poder.
O PT fez uma bela história, mas o que há de triste na sua trajetória também se deve a como ele tratou a quetão do voto. Esse é o paradoxo: deve tudo ao voto e se compromete até a medula.

IHU On-Line – Ainda há espaço para o PT na política brasileira?
Luiz Werneck Vianna – Ganhando, acho muito difícil, mas o partido vai continuar. Entretanto, o poder vai ser mais compartilhado.

IHU On-Line – Algum dos partidos que existem hoje pode oferecer alguma proposta para o Brasil?
Luiz Werneck Vianna – Sozinho não, nenhum deles.

IHU On-Line – Então voltamos para o modelo de presidencialismo de coalizão?
Luiz Werneck Vianna – De Frente, sim. O Lula não está falando em Frente, em Frente de Esquerda? Este país é muito complexo e não tem um só caminho.
A essa altura, os dirigentes do PT, especialmente o Lula, têm acumulado uma experiência imensa a respeito da natureza verdadeira do país. O que eles vão fazer com essa experiência, vamos ver daqui para frente. Mas esses partidos todos perderam ligações fortes com a vida entorno, com o movimento dos trabalhadores, e envelheceram. O que nasce lá fora, como estamos vendo, são movimentos externos aos políticos tradicionais, como na Grécia, na Espanha, formados por jovens.

"O horizonte em que estamos envolvidos – queiramos ou não -, é social-democrata, é de uma convivência difícil entre contrários"


IHU On-Line - Há muitas críticas de que os Estados, e nisso se inclui o Brasil, foram capturados e sufocados pelo hegemonia do sistema financeiro e que, em boa parte, é isso que tem gerado situações de crise nos países. Como o senhor interpreta esse tipo de comentário? Como compreende esse processo de financeirização do capitalismo e qual é a responsabilidade do sistema financeiro e dos chefes de Estado nesse processo?
Luiz Werneck Vianna – O capitalismo é o capitalismo, ele não é só industrial; é agrário, é comercial e é financeiro. Na contemporaneidade, as finanças se tornaram proeminentes e isso estava na previsão do Marx, em O Capital. Mas o problema é como controlar essa presença.
Economistas ilustres, vencedores do Prêmio Nobel, como George Stigler e Paul Krugman, que têm no centro das suas observações sobre a cena contemporânea o tema do domínio do capital financeiro, ao que eu saiba, não pretendem eliminar o papel das finanças no capitalismo contemporâneo, porque ambos se contrapõem a qualquer coisa que lembre o que foi o socialismo real.
Mas na verdade é preciso democratizar o capitalismo, porque estamos nesse único horizonte. O que não quer dizer que no plano das utopias não possamos cultivar outras possibilidades, mas para isso é preciso ter outro mundo, uma sociedade internacional mais organizada.

IHU On-Line – O que o senhor entende por democratizar o capitalismo?
Luiz Werneck Vianna – Essa é uma pergunta muito interessante, se eu soubesse responder. É algo que se dá em cada pedaço do planeta com políticas públicas mais generosas, inclusivas, é a ideia de que o mercado não impere sobre tudo, ou seja, é impor limites ao mercado. É isso que a política faz. O horizonte no qual estamos envolvidos — queiramos ou não —, é social-democrata, é de uma convivência difícil entre contrários, a não ser que se estabeleçam os objetivos que ensejavam naquele pedaço do mundo que foi o socialismo real, onde, aliás, o mercado renasceu.
Então, essas são questões para as quais não há respostas prontas nos livros; as respostas são elaboradas na luta. Agora mesmo, na Grécia, é disso que está se tratando, é o exercício da política contra a supremacia do mercado. Está se dizendo ao mercado e às finanças que há limites. Aliás, a crise econômica de 2008 mostrou a necessidade de mais regulação. Como se faz uma melhor distribuição de renda no país e no mundo em escala global? Através da intervenção da política. A renda não vai se distribuir de forma mais equânime sem que haja instrumentos institucionais que a ponham nessa direção. O importantíssimo trabalho do Thomas Piketty é uma belíssima ilustração disso.  

IHU On-Line – Como seria uma boa forma de resolver a situação da Grécia? O país deve ou não sair da Zona do Euro?
Luiz Werneck Vianna – Sair do Euro nem eles querem.

IHU On-Line – Mas os gregos vão decidir isso no final de semana através do referendo.
Luiz Werneck Vianna – Sim, vão votar, mas essa questão ainda não foi resolvida. Todos sabem dos riscos que correm ali. Esse é um processo de conflito, de luta, não tem uma solução de almanaque para essas questões, as quais implicam no exercício do contraditório, na organização de forças que se contestam, mas o conflito é fundamental para uma boa composição das coisas deste mundo. Está havendo na Grécia um conflito forte e há, de um lado e de outro, quem procure uma solução para o conflito. Alguma solução vai aparecer.

 

"A renda não vai se distribuir de forma mais equânime sem que haja instrumentos institucionais que a ponham nessa direção"


IHU On-Line – O senhor consegue vislumbrar o que seria hoje uma alternativa possível?
Luiz Werneck Vianna – Stigler e Krugman, que eu mencionei anteriormente, acham que se deve votar “não” no referendo, embora eles não anunciem nos dois artigos que escreveram recentemente qual é o caminho, qual seria a alternativa.
Você está perguntando a um sociólogo do terceiro mundo o que dois economistas do primeiro mundo, vencedores do Prêmio Nobel, não sabem responder. Para essa questão não tem resposta científica. A resposta se encontra na luta. Em um certo momento um deles (credores e Grécia) irá perceber que está perdendo muito e será preciso contemporizar. Com qual dos dois isso vai acontecer? Vai depender da resistência de cada um; é uma disputa. É como uma luta de judô, uma hora um dos competidores bate no chão e pede para acabar a luta. Mas também pode ser que se evite o golpe fatal e se perca por pontos.     

IHU On-Line - Quais são os cenários e possibilidades que vislumbra para a política brasileira?
Luiz Werneck Vianna – Eu vislumbro aprofundamento e consolidação da democracia brasileira. Vislumbro possibilidades novas da emergência das novas gerações, movimentos sociais de novo tipo. Sou otimista e não jogo contra; torço a favor.
Por Patricia Fachin
In.: INSTITUTO HUMANITAS DA UNICINOS
 
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