“Eu vislumbro aprofundamento e
consolidação da democracia brasileira. Vislumbro possibilidades novas da
emergência das novas gerações, movimentos sociais de novo tipo. Sou
otimista e não jogo contra; torço a favor”, afirma o sociólogo.
Imagem: blog.opovo.com.br |
Diante do “desencanto” e da “descrença” que toma parte do sentimento da
população brasileira em relação aos rumos da política no país, das
incertezas geradas pela crise econômica, com uma perspectiva de baixo crescimento para os próximos anos, e dos rumos das investigações da Operação Lava Jato, temos de nos fazer uma pergunta central, afirma Werneck Vianna à IHU On-Line.
“Isso compromete a democracia brasileira?” A resposta é dada sem
rodeios: “A meu ver, não. Esse é um processo amplo, duro, sofrido, em
que a sociedade brasileira se democratiza”.
Apesar do caos e das incertezas quanto aos rumos políticos, econômicos e sociais
do país, otimista, o professor destaca que “a vida republicana
brasileira está funcionando, aliás, como poucas vezes funcionou, através
do Poder Judiciário, da Polícia Federal, dos Tribunais de Conta da
União. Várias instituições republicanas estão exercendo
os seus papéis. A novidade é esta: elas deixaram de ser nominais, elas
não figuram apenas no papel, estão encontrando formas de existência. O
Ministério Público que aí está, é uma grande novidade republicana”.
Na entrevista a seguir, concedida à IHU On-Line por telefone, numa conversa de uma hora, Werneck Vianna analisa e comenta a atual conjuntura política brasileira,
e chama atenção para o fato de que “o presidencialismo que conhecemos
significou uma supremacia sem freios do Executivo sobre o Legislativo e
do Executivo sobre toda a sociedade”, com seu “imenso poder
decisionista”. O sociólogo também critica a “oligarquização dos partidos
políticos brasileiros, que não se rejuvenescem e que têm lideranças que
se reproduzem, com terceiro mandato, quarto mandato”, desenvolvendo
políticas que são “uma ilha, com seu escritório, com seus serviços
sociais”.
Independente dos rumos que se possa esperar, pontua, “o que se pode dizer, e isso eu digo, é que o nosso caminho é o da social-democracia,
com uma inclinação mais à direita ou mais à esquerda, é por aí que
gravita e vai gravitar, até onde a nossa vista alcançar, a política
brasileira”. O que precisa ser feito diante das crises econômicas e da financeirização do capitalismo,
assinala, “é democratizar o capitalismo, porque estamos nesse único
horizonte”. Isso significa que não devemos manter um “apelo a uma
história original”, como alguns políticos sugerem, mas ver a realidade
“a partir das suas racionalidades. O que a sociedade agora está
querendo? Está querendo partidos e uma política que se empenhem em
mudanças e que não questionem esse sentimento de mudanças”, conclui.
Luiz Werneck Vianna
(foto abaixo) é professor-pesquisador na Pontifícia Universidade
Católica - PUC-Rio. Doutor em Sociologia pela Universidade de São Paulo,
é autor de, entre outras obras, A revolução passiva: iberismo e
americanismo no Brasil (Rio de Janeiro: Revan, 1997); A judicialização
da política e das relações sociais no Brasil (Rio de Janeiro: Revan,
1999); e Democracia e os três poderes no Brasil (Belo Horizonte: UFMG,
2002). Sobre seu pensamento, leia a obra Uma sociologia indignada. Diálogos com Luiz Werneck Vianna, organizada por Rubem Barboza Filho e Fernando Perlatto (Juiz de Fora: Ed. UFJF, 2012).
Confira a entrevista.
Foto: matheuszz.blogspot.com |
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Luiz Werneck Vianna – É o fim de um ciclo. Agora temos de começar outro. Na verdade já tarda o começo de um ciclo, porque estamos suspensos.
IHU On-Line – Vislumbra de onde pode iniciar esse novo ciclo?
Luiz Werneck Vianna – Uma boa posição seria ter serenidade e esperar as coisas decantarem. Por exemplo, o impeachment está rondando a nossa vida desde o começo do segundo mandato da presidente Dilma.
Ele poderá vir caso uma nova “testemunha bomba” se manifeste, ou não. O
fato é que não pode ser fabricado, tem de ser um processo natural de
maturação, porque a sociedade está com a respiração presa, na
expectativa de como esse processo criminal irá continuar seu curso. Ele
tem seus efeitos limitados ao que já se viu, ou ele pode escalar.
IHU On-Line – O senhor está se
referindo às investigações da Operação Lava Jato, dadas as últimas
acusações que mencionaram doações às campanhas da presidente Dilma e do
ex-presidente Lula?
Luiz Werneck Vianna – Isso.
IHU On-Line - Como está avaliando as investigações da Operação Lava Jato? Qual é o significado político da Operação?
Luiz Werneck Vianna – É
imenso, porque ela põe a nu a maneira como se vinha fazendo política no
país, com uma relação inteiramente incestuosa entre política e
economia, com financiamentos de campanhas milionários extraídos de
recursos estatais. Antes, com o mensalão, havia dinheiro do Banco do Brasil, agora, com o petrolão, tem dinheiro da Petrobras.
IHU On-Line – O debate sobre a
Operação Lava Jato está bastante polarizado entre os que argumentam que
se trata apenas de mais uma investigação sobre corrupção no país e os
que fazem duras críticas ao envolvimento do PT nestes casos de
corrupção. Como interpreta essas visões polarizadas?
Luiz Werneck Vianna – Não se pode falar da Operação Lava Jato
sem se falar do governo e dos partidos do governo, porque foram eles
que abriram as torneiras para que os operadores dos partidos e das
empresas pudessem trabalhar. A política brasileira vem correndo nesses
trilhos malévolos há muito tempo e o fato é que isso chegou ao limite.
Parecia que o limite tinha sido o mensalão, mas não foi. O petrolão
aponta um descalabro ainda mais significativo.
A política no Brasil tem que mudar,
aliás, ela está mudando e não vai passar indene desse processo que a
sociedade toda está acompanhando através da imprensa, das apurações cada
vez mais profundas e severas a respeito do que é, de natureza criminal,
a política brasileira. Há várias reações quanto a isso: a Lei da Ficha Limpa foi uma reação importante, mas ainda há muita coisa a ser investigada.
Agora, isso compromete a democracia
brasileira? Essa que é a questão. A meu ver, não. Esse é um processo
amplo, duro, sofrido, em que a sociedade brasileira se democratiza, ou
seja, democratiza a democracia brasileira.
IHU On-Line – Em que aspectos o
senhor já vê uma mudança na política brasileira? Investigações a exemplo
da Operação Lava Jato vão conseguir por fim à corrupção que existe no
país?
Luiz Werneck Vianna – Fim, não, porque parece que a corrupção
faz parte de uma das possibilidades presentes na natureza humana. Não
se trata de erradicá-la para sempre, porque o mal existe, vai continuar
aí, mas não pode comandar a nossa vida; tem de se encontrar um limite
para ele. A sociedade, através das suas instituições, está impondo esses
limites.
A vida republicana brasileira
está funcionando, aliás, como poucas vezes funcionou, através do Poder
Judiciário, da Polícia Federal, dos Tribunais de Conta da União. Várias
instituições republicanas estão exercendo os seus papéis. A novidade é
essa: elas deixaram de ser nominais, não figuram apenas no papel, estão
encontrando formas de existência. O Ministério Público que aí está, é uma grande novidade republicana.
"A política brasileira vem correndo nesses trilhos malévolos há muito tempo e o fato é que isso chegou ao limite" |
IHU On-Line – A que atribui o fato de a vida republicana estar funcionando melhor em meio ao caos político?
Luiz Werneck Vianna – O
bom funcionamento das instituições republicanas é uma condição
indispensável para que a vida democrática encontre formas vivazes de
manifestações, que ela não se deixe dominar por práticas de oligarquias,
como vem ocorrendo entre nós.
Não é que estejamos refazendo a história
do Brasil — não vamos ter diante de nós uma página branca, um momento
novo, inaugural. Nós estamos tentando aperfeiçoar aquilo que dissemos
que deveria ser na Carta de 88, uma vontade política expressa livremente pela sociedade na Constituinte de 1986, a qual levou à criação da Carta de 88,
que hoje está exercendo uma nova jurisdição sobre a sociedade e a
política. Então, isso está ocorrendo sem traumas até agora. A Justiça
ainda opera, a sociedade está sobressaltada, desconfiada, mas não está
descrente do papel exercido pelas instituições.
A expectativa é que possamos sair disso numa situação melhor do que antes, embora no curto prazo, olhando a política na sua vida imediata, estejamos diante de uma situação de imprevisibilidade: haverá impeachment?
Essa é uma questão. O impeachment tem um objetivo desejável? Não creio.
Mas pode ser que ocorram condições que façam com que ele seja
imperativo. Até agora isso não aconteceu.
Tem de se calcular muito, porque um impeachment
movido por ressentimento não leva a nada. No dia seguinte, vai ser o
que do país? O que precisamos é seguir avante num processo de
aperfeiçoamento das instituições. Não há nada de espetacular à vista e o
impeachment não resolve a crise do país.
IHU On-Line - O senhor sempre
foi um crítico do presidencialismo de coalizão. A crise dos partidos é
consequência desse modelo de presidencialismo?
Luiz Werneck Vianna – A
hora final desse modelo está chegando. Esse modelo está sendo
abandonado, porque foi uma experiência extremamente negativa, porque
gerou o enfraquecimento dos partidos, uma passividade da sociedade. O
presidencialismo que conhecemos significou uma supremacia sem freios do
Executivo sobre o Legislativo e do Executivo sobre toda a sociedade. O
Executivo tem um poder decisionista imenso. O recurso institucional das medidas provisórias
faz com que a força do Executivo seja muito intensa. E com um
Legislativo incapaz de se contrapor ao Executivo e de fiscalizá-lo,
abriu-se uma porteira para esse tipo de política que vai corroendo os
demais.
IHU On-Line - O que seria uma
alternativa a esse modelo? Como avalia as propostas de um regime
parlamentarista, como alguns estão sugerindo?
Luiz Werneck Vianna – Essa é uma questão difícil. O parlamentarismo
pode ser, sim, uma solução, mas adaptada às nossas circunstâncias. Um
parlamentarismo à la francesa, talvez, com um Executivo forte, com um
presidente forte, e compartilhando o exercício do poder com o
primeiro-ministro. É possível se pensar numa situação dessas. Aliás, há
analistas que sugerem que já estaríamos vivendo esse modelo com o
vice-presidente, Michel Temer, exercendo essas funções
de primeiro-ministro. O que não me parece uma análise despropositada,
não, mas o caso é que ela é casuística, e não é uma solução permanente,
mas poderá se tornar, sim, uma situação permanente.
O parlamentarismo está aí, à disposição da sociedade para ser usado em caso de necessidade. Agora, chegaremos a isso? Pode ser.
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"O que precisamos é seguir avante num processo de aperfeiçoamento das instituições" |
IHU On-Line – O senhor vê mais vantagens na implantação do parlamentarismo neste momento?
Luiz Werneck Vianna – Isso é muito difícil de responder. Essas mudanças não são feitas “a frio”, elas têm de ser feitas como resposta às crises. A crise
chegou a um ponto tal que a solução do parlamentarismo sob uma
modelagem própria a nós, nova, já se impõe? Parece que ainda não, mas
isso poderá ocorrer, sim. Mas só será uma medida bem-sucedida se for
tomada “a quente”. Os países não fazem reformas políticas “a frio”, em
laboratório, tem de ser no calor dos acontecimentos, tentando encontrar
melhores caminhos a fim de se criarem condições políticas saudáveis para
a sociedade, e isso não é feito numa planilha.
IHU On-Line - Entre as propostas da reforma política existentes, alguma lhe parece adequada?
Luiz Werneck Vianna – A reforma política
ainda não chegou ao seu termo. Há uma possibilidade ainda de que ela
avance para estabelecer limites a essa proliferação de partidos que não
são funcionais ao bom desempenho da democracia política. Não que os
partidos devam ser interditados, ao contrário, deve haver liberdade de
organização partidária, mas para que essa liberdade seja frutuosa, ela
não pode se converter numa espécie de cartório do partido, de se dar
acesso a recursos públicos a eles. Devemos dar recursos públicos aos
partidos que antes demonstraram presença na vida social através do voto.
Partidos sem expressão eleitoral podem investir, certamente, mas não
devem ter acesso a recursos públicos.
Outro ponto são essas coalizões nas
eleições proporcionais inteiramente sem sentido que ocorrem na nossa
política. Se eliminarmos a possibilidade de coalizão nas eleições
proporcionais, seria possível reduzir o número desses partidos, porque
muitas das legendas só vivem de se coligarem com partidos fortes, os
quais lhe passam recursos para continuarem sobrevivendo.
O melhor projeto de reforma política seria o de limpar a proliferação dos partidos
e pôr fim às coalizões nas eleições proporcionais. Isso já estaria
muito bom. Pode ser que isso ainda venha a passar, e me mantenho
esperançoso de que algo nessa direção passe no Congresso.
IHU On-Line - Qual foi o resultado político do Congresso do PT em Salvador?
Luiz Werneck Vianna – O PT não avançou e isso é apenas um sintoma da crise. Aliás, ele tem avançado mais depois do Congresso,
com a necessidade de buscar oxigenação através dos movimentos sociais,
de uma articulação com a sociedade civil. Isso é o que cabe a ele e a
todos os partidos fazerem.
IHU On-Line – O PT ainda tem condições de oferecer alguma proposta e de se rearticular?
Luiz Werneck Vianna –
Sim, porque os partidos custam a morrer. Veja, o partido comunista russo
ainda existe. Os partidos custam a morrer, especialmente quando têm
atrás de si uma história aqui ou ali bem-sucedida. Agora, o PT não vai ter, pelo menos por hora, o peso que teve antes.
IHU On-Line - Qual é o
significado das críticas de Lula ao PT? Essas críticas têm sentido na
conjuntura atual? Como avalia, por outro lado, as críticas que o
ex-presidente tem feito ao governo Dilma, dizendo que ela está “no
volume morto” e o que o governo dela parece “um governo de mudos”?
Luiz Werneck Vianna – São declarações complicadas, porque é um partido em que um só fala. O problema do PT é o monopólio da fala. Como se vê nos quadros do PT, não apareceram mais lideranças novas, embora as jornadas de junho de 2013
tenham mexido com a juventude de uma maneira muito intensa. Mas,
daqueles jovens, quais foram filtrados para o mundo da política? E no
PT? Quase nenhum.
IHU On-Line – Nesses 13 anos em que o PT esteve à frente da presidência, houve espaço para surgir uma nova liderança política no partido? Ou se quis que surgisse uma nova liderança?
Luiz Werneck Vianna –
Acho que tem havido, sim, obstáculos para isso. Os petistas vivem, como
cartórios, com seus dirigentes. São muitos recursos envolvidos, os
recursos das legendas, dos fundos públicos. São como os sindicatos
também, que, tendo ou não o apoio dos seus associados, têm o dinheiro da
contribuição sindical. Esse é um dos elementos da oligarquização dos partidos políticos brasileiros,
que não se rejuvenescem e que têm lideranças que se reproduzem, com
terceiro mandato, quarto mandato. Cada política é uma ilha, com seu
escritório, com seus serviços sociais.
Só se mexe com isso quando a sociedade
emerge. Essas mudanças ocorrem a partir dessa movimentação social
vigorosa, como vem ocorrendo na Espanha, com o Podemos, que está crescendo. Sem essa vida que vem da sociedade, os partidos se oligarquizam.
"Tudo isso me leva a desconfiar e a descrer da Frente de Esquerda que o Lula está propondo, porque se for para fugir das balizas da social-democracia, isso não vai ter futuro nenhum" |
IHU On-Line - No início do
segundo governo Dilma, houve uma série de críticas às políticas sociais
dos governos Lula e Dilma, porque elas teriam sido elaboradas para
beneficiar mais os bancos do que a população. Agora, com a crise do PT
se intensificando, muitos críticos, ao contrário, veem no PT a única
possibilidade para dar continuidade às políticas sociais no país. Essas
posições são justificadas?
Luiz Werneck Vianna – Os indicadores não são tão favoráveis às políticas sociais,
basta olhar a questão da saúde e da educação. O que houve de fato foi
uma melhoria e um enfrentamento do tema da miséria, com o Programa Bolsa Família,
que realmente deu uma melhorada na condição de vida dos mais
vulneráveis da nossa sociedade. Agora, o ponto é que essas pessoas
continuam vulneráveis como sempre e não têm como sair de uma situação de
vulnerabilidade. Sem educação, sem empregos qualificados, aos quais só a
educação dá acesso, não há como as pessoas saírem dessa situação.
IHU On-Line – Alguns argumentam
que se o PT perdesse representatividade política hoje, as políticas
sociais estariam ameaçadas, porque outros partidos não teriam
preocupações com políticas sociais. Concorda que a continuidade da
inclusão social no país depende da renovação e da continuidade do PT?
Luiz Werneck Vianna – Não acredito, inclusive essa coisa da política social começou, em suas origens, com um prefeito de Campinas, do PSDB, que morreu moço; foi ele quem inventou esses programas de bolsas assistenciais. Teve um movimento também com quadros do PT, como os desenvolvidos pelo Betinho (Herbert José de Souza), que trouxe o tema dos vulneráveis para uma evidência maior. A professora Ruth Cardoso, que foi casada com o ex-presidente Fernando Henrique,
também foi uma entusiasta dessa questão. Então, política pública no
Brasil é algo difundido, não tem um pai certo, é uma possibilidade
difusa e várias gerações participaram desse movimento de elaboração de
políticas públicas.
IHU On-Line - Qual é a herança de Lula no governo Dilma?
Luiz Werneck Vianna – Sem dúvida há uma herança e a presença do PT no governo Dilma
é muito forte. O fato é que as oposições brasileiras dão muito espaço
para o PT falar sozinho. Mesmo nessa situação de horror que os
integrantes do partido estão vivendo com o caso do petrolão, você abre
os jornais e as posições das notícias mais relevantes são das
manifestações das lideranças petistas, especialmente de Lula,
que nem faz parte do governo. Então, isso quer dizer que, do ponto de
vista das oposições, não se tem feito presente uma manifestação forte, e
as oposições também estão inseguras acerca de que caminho seguir.
Agora, de um modo ou de outro, o que se pode dizer, e isso eu digo, é que o nosso caminho é o da social-democracia,
com uma inclinação mais à direita ou mais à esquerda, é por aí que
gravita e vai gravitar, até onde a nossa vista alcançar, a política
brasileira.
IHU On-Line – O senhor está sugerindo que a social-democracia é a melhor alternativa para o Brasil?
Luiz Werneck Vianna – Não tem jeito, ela já faz parte da nossa história e não vamos conseguir eliminá-la.
IHU On-Line – E como o senhor
vê, apesar disso, as frentes de articulação de esquerda que estão sendo
propostas, como a que vem sendo proposta pelo ex-presidente Lula, por
exemplo? O que elas poderiam oferecer de novo à política em relação ao
PT, por exemplo?
Luiz Werneck Vianna – Elas podem ter um papel, sim, mas não creio que seja um papel dominante. Tudo isso me leva a desconfiar e a descrer da Frente de Esquerda que o Lula está propondo, porque se for para fugir das balizas da social-democracia, isso não vai ter futuro nenhum.
IHU On-Line – O senhor consegue
identificar quais são os rachas dentro do PT atualmente? Quais são os
diferentes grupos existentes e como eles se relacionam? Nesta semana,
por exemplo, o ex-presidente Lula se reuniu com deputados e senadores do
PT e recusou se reunir com os ministros do governo Dilma.
Luiz Werneck Vianna –
Eles estão percebendo que o chão não foge dos pés, e estão tentando
visualizar o caminho à frente não tanto a partir das circunstâncias
novas em que eles se encontram, mas a partir das suas experiências
passadas. Então, muitas das lideranças, especialmente o Lula,
tratam as discussões a partir daquela ideia de “como era gostoso o
nosso tempo original”. Mas aquele tempo não volta. É preciso encontrar,
se querem encontrar, uma saída para os tempos de agora. Aqueles
sindicatos dos anos 70, 80 não existem mais. Muitos daqueles movimentos
sociais nasceram e morreram, a cultura política era
outra e houve uma mudança, eu diria, para melhor, em relação a muitas
coisas que havia antes, de modo que esse apelo a uma “história original”
a fim de restaurar a nossa mocidade me parece uma coisa anacrônica, uma
coisa de resmungo de velho que quer ter o ímpeto da juventude.
As coisas têm de ser vistas a partir das suas racionalidades. O que a sociedade agora está querendo? Está querendo partidos e uma política que se empenhem em mudanças e que não questionem esse sentimento de mudanças.
O PT afundou a sua história na estadofilia. Vou dar um exemplo. Em 2004 o PT mobilizou o Fórum Nacional do Trabalho sob a liderança do Ministro Berzoini, que à época era Ministro do Trabalho. O documento que esse Fórum
procurou encaminhar falava em fim da unicidade sindical e houve
reformas importantes no sentido de dar liberdades de movimento ao
sindicalismo brasileiro. Mas o documento do Fórum foi engavetado e, imediatamente em seguida, as Centrais Sindicais
foram institucionalizadas com o reconhecimento de que elas tinham
direito à percepção de uma parcela do imposto sindical, o que fez com
que elas se afastassem ainda mais das suas bases. Isso foi feito pelo PT.
Esse afastamento delas da sociedade tem a ver também com outros
processos, mas tem a ver com a política do próprio PT, com a estadofilia
que ele incentivou, induzindo a passividade da militância, da
população, mas é claro que o Bolsa Família não deixou de exercer um belo papel. Tudo isso foi feito com uma única intenção: permanecer no poder.
O PT fez uma bela história, mas o que há
de triste na sua trajetória também se deve a como ele tratou a quetão
do voto. Esse é o paradoxo: deve tudo ao voto e se compromete até a
medula.
IHU On-Line – Ainda há espaço para o PT na política brasileira?
Luiz Werneck Vianna – Ganhando, acho muito difícil, mas o partido vai continuar. Entretanto, o poder vai ser mais compartilhado.
IHU On-Line – Algum dos partidos que existem hoje pode oferecer alguma proposta para o Brasil?
Luiz Werneck Vianna – Sozinho não, nenhum deles.
IHU On-Line – Então voltamos para o modelo de presidencialismo de coalizão?
Luiz Werneck Vianna – De Frente, sim. O Lula não está falando em Frente, em Frente de Esquerda? Este país é muito complexo e não tem um só caminho.
A essa altura, os dirigentes do PT, especialmente o Lula,
têm acumulado uma experiência imensa a respeito da natureza verdadeira
do país. O que eles vão fazer com essa experiência, vamos ver daqui para
frente. Mas esses partidos todos perderam ligações fortes com a vida
entorno, com o movimento dos trabalhadores, e envelheceram. O que nasce
lá fora, como estamos vendo, são movimentos externos aos políticos
tradicionais, como na Grécia, na Espanha, formados por jovens.
"O horizonte em que estamos envolvidos – queiramos ou não -, é social-democrata, é de uma convivência difícil entre contrários" |
IHU On-Line - Há muitas críticas
de que os Estados, e nisso se inclui o Brasil, foram capturados e
sufocados pelo hegemonia do sistema financeiro e que, em boa parte, é
isso que tem gerado situações de crise nos países. Como o senhor
interpreta esse tipo de comentário? Como compreende esse processo de
financeirização do capitalismo e qual é a responsabilidade do sistema
financeiro e dos chefes de Estado nesse processo?
Luiz Werneck Vianna – O capitalismo é o capitalismo,
ele não é só industrial; é agrário, é comercial e é financeiro. Na
contemporaneidade, as finanças se tornaram proeminentes e isso estava na
previsão do Marx, em O Capital. Mas o problema é como controlar essa presença.
Economistas ilustres, vencedores do Prêmio Nobel, como George Stigler e Paul Krugman,
que têm no centro das suas observações sobre a cena contemporânea o
tema do domínio do capital financeiro, ao que eu saiba, não pretendem
eliminar o papel das finanças no capitalismo contemporâneo, porque ambos
se contrapõem a qualquer coisa que lembre o que foi o socialismo real.
Mas na verdade é preciso democratizar o
capitalismo, porque estamos nesse único horizonte. O que não quer dizer
que no plano das utopias não possamos cultivar outras
possibilidades, mas para isso é preciso ter outro mundo, uma sociedade
internacional mais organizada.
IHU On-Line – O que o senhor entende por democratizar o capitalismo?
Luiz Werneck Vianna – Essa é uma pergunta muito interessante, se eu soubesse responder. É algo que se dá em cada pedaço do planeta com políticas públicas
mais generosas, inclusivas, é a ideia de que o mercado não impere sobre
tudo, ou seja, é impor limites ao mercado. É isso que a política faz. O
horizonte no qual estamos envolvidos — queiramos ou não —, é social-democrata,
é de uma convivência difícil entre contrários, a não ser que se
estabeleçam os objetivos que ensejavam naquele pedaço do mundo que foi o
socialismo real, onde, aliás, o mercado renasceu.
Então, essas são questões para as quais
não há respostas prontas nos livros; as respostas são elaboradas na
luta. Agora mesmo, na Grécia,
é disso que está se tratando, é o exercício da política contra a
supremacia do mercado. Está se dizendo ao mercado e às finanças que há
limites. Aliás, a crise econômica de 2008 mostrou a
necessidade de mais regulação. Como se faz uma melhor distribuição de
renda no país e no mundo em escala global? Através da intervenção da
política. A renda não vai se distribuir de forma mais equânime sem que
haja instrumentos institucionais que a ponham nessa direção. O
importantíssimo trabalho do Thomas Piketty é uma belíssima ilustração disso.
IHU On-Line – Como seria uma boa forma de resolver a situação da Grécia? O país deve ou não sair da Zona do Euro?
Luiz Werneck Vianna – Sair do Euro nem eles querem.
IHU On-Line – Mas os gregos vão decidir isso no final de semana através do referendo.
Luiz Werneck Vianna –
Sim, vão votar, mas essa questão ainda não foi resolvida. Todos sabem
dos riscos que correm ali. Esse é um processo de conflito, de luta, não
tem uma solução de almanaque para essas questões, as quais implicam no
exercício do contraditório, na organização de forças que se contestam,
mas o conflito é fundamental para uma boa composição das coisas deste
mundo. Está havendo na Grécia um conflito forte e há, de um lado e de outro, quem procure uma solução para o conflito. Alguma solução vai aparecer.
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"A renda não vai se distribuir de forma mais equânime sem que haja instrumentos institucionais que a ponham nessa direção" |
IHU On-Line – O senhor consegue vislumbrar o que seria hoje uma alternativa possível?
Luiz Werneck Vianna – Stigler e Krugman, que eu mencionei anteriormente, acham que se deve votar “não” no referendo, embora eles não anunciem nos dois artigos que escreveram recentemente qual é o caminho, qual seria a alternativa.
Você está perguntando a um sociólogo do terceiro mundo o que dois economistas do primeiro mundo, vencedores do Prêmio Nobel,
não sabem responder. Para essa questão não tem resposta científica. A
resposta se encontra na luta. Em um certo momento um deles (credores e
Grécia) irá perceber que está perdendo muito e será preciso
contemporizar. Com qual dos dois isso vai acontecer? Vai depender da
resistência de cada um; é uma disputa. É como uma luta de judô, uma hora
um dos competidores bate no chão e pede para acabar a luta. Mas também
pode ser que se evite o golpe fatal e se perca por pontos.
IHU On-Line - Quais são os cenários e possibilidades que vislumbra para a política brasileira?
Luiz Werneck Vianna – Eu vislumbro aprofundamento e consolidação da democracia brasileira.
Vislumbro possibilidades novas da emergência das novas gerações,
movimentos sociais de novo tipo. Sou otimista e não jogo contra; torço a
favor.
Por Patricia Fachin
In.: INSTITUTO HUMANITAS DA UNICINOS
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