Mostrando postagens com marcador Religiões. Mostrar todas as postagens
Mostrando postagens com marcador Religiões. Mostrar todas as postagens

domingo, 19 de abril de 2020

EMAÚS EM TEMPOS DE PANDEMIA


O caminho de Emaús é o caminho de cada um de nós. Particularmente neste tempo de isolamento, não só das pessoas, mas também de ideais e das pequenas e mais importantes coisas da vida.

Eu sempre gostei desta narrativa do Evangelho de Lucas que a Igreja propõe na Liturgia de hoje. Está em Lc 24,13-35. A Palavra é surpreendentemente simples. É porque Deus sabe que o mais importante está nas coisas mais simples. Por isso, é assim que Ele fala...

E fala de dois corações no caminho, mas um só sentimento: a falta de esperança. Gosto sempre de pensar que eram dois amigos, ou duas amigas, ou um casal. No caminho carregam ideais perdidos, sonhos destruídos, incertezas por situações que não dependem deles. O caminho é pesado, as lembranças dolorosas, as histórias angustiam. Alguém entra na conversa e faz o caminho junto com eles. É Jesus, claro! Mas eles não o reconhecem. Óbvio! A gente nunca sabe que Deus pode estar do nosso lado em momentos de desesperança e de sofrimento. E o que Jesus faz? Apenas escuta. Escuta a história, escuta a vida. Quantos de nós não quer apenas falar e ser escutado? Quantos de nós não quer apenas alguém pra nos dizer e mostrar que, apesar de tudo, a vida continua a nos ensinar e nos fazer crescer. É isso que Jesus faz. Por isso o coração da dupla arde no caminho. No fim dele, na mesa da partilha, o reconhecimento definitivo de que Deus nunca os abandonou.

O caminho da quarentena é igualmente pesado ao coração. É possível que Deus esteja caminhando ao nosso lado. Talvez não percebamos porque insistimos em dar atenção àquilo que pesa ao coração. Quantos de nós não aguenta mais tanta informação e notícia ruim? Mas quantos procurou informações e notícias boas? Quando aprendemos a dedicar nossa atenção àquilo que realmente importa, o coração queima. E queima porque sente que, no fim das contas, apesar das distâncias e pesos, não estamos sozinhos. Mas os olhos ainda não conseguem enxergar. Mas enxergará, no momento em que, tendo passado tudo isso, voltarmos a nos reencontrar na simplicidade daquelas coisas que, hoje, distantes e isolados, aprendemos a dar valor: o abraço, a presença, o cuidado.



Leia mais...

quarta-feira, 1 de março de 2017

AS CINZAS DA QUARTA FEIRA – O ANÚNCIO DA RESSURREIÇÃO

Na tradição Judaico-Cristã as cinzas se tratam de um símbolo de conversão. Há muitas narrativas bíblicas, principalmente do Antigo Testamento, que mostram as cinzas sendo usadas sobre a cabeça e/ou corpo em sinal e gesto de arrependimento. Na idade média, quando uma pessoa se aproximava do momento da morte, colocavam-na no chão deitada em cima de um saco com cinzas. O sacerdote ministrava o ritual, com água benta, proferindo as seguintes palavras: Lembra-te que és do pó e para o pó voltarás.
Segundo o calendário litúrgico cristão, na quarta feira de cinzas, após o carnaval, celebra-se esse mesmo gesto das cinzas, onde o ministro impõe sobre a cabeça dos fiéis um pouco de cinzas dizendo: Convertei-vos e credes no evangelho. Longe de ser um gesto de afirmação da morte a Quarta Feira de Cinzas, que antecede os 40 dias da quaresma, celebra o anúncio de uma experiência muito mais fundamental para a fé Crista: a ressurreição de Jesus e a nossa ressurreição. As cinzas, nesse sentido, se tornam o recordar de nossa finitude humana que, pela fé, é transfigurada na eternidade através da ressurreição. Ela nos coloca diante de nossa condição primordial terrena e divina, somos feitos de pó, mas também de céu...
Muitos povos, culturas e tradições humanas têm como orientação definitiva de sua experiência espiritual e teológica a ressurreição. O ser humano parece que nunca se contentou em considerar a morte como a última instância, a última palavra. O caminho da experiência humana não pode terminar com a morte... ou não seria tão perfeita assim a força criadora a qual se crê. Por isso, muitas dessas culturas criaram símbolos, mitologias ou teologias para tentar se aproximar desse profundo mistério que acompanha o ser humano desde que ele existe enquanto tal...
Na mitologia grega, por exemplo, Fênix (ϕοῖνιξ) é um pássaro que entrava em autocombustão ao terminar seu longo ciclo de vida. Do meio das cinzas que sobravam do seu ritual aparentemente suicida, o pássaro revivia - criança - para um novo ciclo de vida. De fato, para os gregos a essência do ser humano é a Alma. O corpo, por outro lado, como sugere o filósofo Sócrates/Platão, é uma espécie de prisão da alma. Portanto, a ressurreição, para os gregos, era uma experiência fundamentalmente da Alma. O corpo se torna pó e cinza, mas a alma continua. A fênix, apesar de ter morrido para seu antigo corpo, continua fênix, e renasce com um novo corpo.
O Cristianismo é mais radical quando se trata de ressurreição. Para o cristão a ressurreição não é uma experiência de separação entre Corpo e da Alma. O ser humano, segundo a teologia cristã, é uma unidade indivisível. Portanto, sua ressurreição é a transformação de sua totalidade e de sua unidade, formada por seu corpo e pela sua alma, inseparavelmente. A experiência humana mostra que quando se tenta separar uma coisa da outra, geralmente, se atribui um valor maior a uma delas enquanto se esvazia a importância da outra. A proposta da ressurreição cristã é profundamente humana porque valoriza o corpo e a alma, junta e inseparavelmente. O ser humano ressuscita por inteiro, corpo e alma. Mas isso nem sempre foi tão claro entre as correntes espiritualistas e teológicas no interior da cultura cristã. Também, foi motivo de escândalo para algumas culturas, como é o caso da cultura grega. Um ótimo exemplo é o belíssimo texto do livro dos Atos dos Apóstolos (At 17, 16-34), que narra o apóstolo Paulo pregando entre os Gregos de Atenas. No texto, em um primeiro momento, Paulo consegue uma boa aceitação, mas quando toca no assunto da ressurreição da carne, ao anunciar a experiência de Jesus e também de cada pessoa que nele crer, os Gregos desacreditaram, não entrava na cabeça deles. Por isso Paulo afirma que a ressurreição é escândalo.
E de fato é escândalo, sim. Como qualquer experiência espiritual, a ressurreição só é possível de ser experimentada e entendida absolutamente a partir da fé. Por isso, sabiamente, a liturgia cristã nos apresenta as cinzas. Ela é o sinal de que somos da mesma matéria do universo, mas também potencialmente divinizados pela ressurreição de Jesus como garantia da nossa ressurreição. Só que, para isso, é preciso uma vida de conversão. Etimologicamente, conversão é a transformação de uma coisa em outra. E isso já nos esclareceria tudo...

José Wilson Correa Garcia
Leia mais...

segunda-feira, 17 de outubro de 2016

ALEXANDRE E O TEMPO DAS ROSAS

O tempo da vida, passa. Mas o tempo do amor não é o mesmo. Quando você partiu, a memória de um passado guardado no coração era como um presente que nunca terminava. E assim continua sendo. Eu sei que você não gosta que soframos, mas é inevitável, pois o tempo da saudade também é diferente. Ele não passa, assim como a dor da sua partida que para nós é perda, aí no céu é conquista. Você sabe que a gente é meio paranoico pra essa questão do tempo. Lembra que você nunca gostava de se atrasar pra nada? Nem de se adiantar... Pois é. Fico imaginando você agoniado aí no céu, com vontade de correr atrás de uma bola pra lá e pra cá. Deve ser difícil se contentar em apenas voar... É estranho, quando a gente tá aqui na terra sonha em voar. Quando está aí no céu, como você, sonha em sentir o chão. Diga pra Deus dar um jeito nisso. Eu sei que podemos fazer daqui, mas prefiro que você faça daí, sem pressa, porque não há tempo com que se preocupar ou se perder.

Não sei se você lembra, mas a gente marca o tempo aqui na terra. Hoje faz 11 meses que você se transformou em anjo. O local onde te plantamos está verdinho, lindo de se ver. Celeste, mesmo escondido, sempre está por lá. Ela, assim como eu, estamos aprendendo a olhar praquele chão com cuidado e amor. Virgínia e papai, não foram ainda, talvez com medo, por causa da dor, de não conseguirem ver a vida que cresce. Mas sei que eles irão.

Como deve ter visto, Celeste levou mamãe. Ela sofreu, mesmo que a gente não consiga entender a extensão do sofrimento dela. No dia, ela se debruçou sobre o chão onde te plantamos e tentava falar contigo, como se fala com uma criança. Acho que, dentre todos nós, mamãe é a que mais, misteriosa e dolorosamente, vive o mistério da sua partida sem se apegar ao tempo. Para ela você continua sendo o bebezinho, o Xandinho dela. Espero que contar isso não te chateie ou te faça sofrer. Apesar de compreender que você sabe, uso como último recurso as palavras, porque sei que através delas você consegue sentir os pensamentos e compreender os sentimentos mais profundos de cada um que as lê, mesmo com nossos limites humanos. Por isso, acolha como um desabafo.

Uma coisa me chamou atenção, as rosas que crescem lá estão lindas. Fiquei pensando que o tempo delas é determinado pelo tempo do sol, assim como seu tempo aí em cima é determinado pelo tempo de Deus. Elas estão lindas porque descobriram que a vida delas só tem sentido se se nutrem do chão onde estão plantadas da mesma forma como se abrem pra receber a luz que irradia do sol. É curioso como a gente também tem aprendido a conservar a memória do tempo que passamos juntos aqui no chão da nossa história como alimento pra vida, assim como sua chegada aí em cima se tornou motivo pra se nutrir com as coisas do céu. Seja aqui ou aí, você continua sendo alimento para todos nós.
 
Há rosas abertas e há rosas ainda escondidas dentro de um botão que, a seu tempo, se abrirá para contemplar o infinito mistério da vida. Seu tempo, meu irmão, se mistura ao tempo de cada uma dessas rosas, que somos nós. Você que está aí, mais perto de Deus do que nós, abrace-nos sempre com suas recordações e não se esqueça de que, aqui, continuamos nutrindo nossas vidas com o melhor que de ti ficou...
Leia mais...

quinta-feira, 27 de agosto de 2015

UM NOVO OLHAR PARA A PARÁBOLA DO FILHO PRÓDIGO

Não importa no que você acredita, mas como você vive, Cristo estava dizendo.


Fonte: DCM

Tolstói certa vez disse que “se queres ser universal, começa por pintar a tua aldeia”. Aqui, nossa aldeia se encontra na Palestina do Século I, no tempo das comunidades patriarcais.

Por questões de sobrevivência, era necessário assumir uma postura gregária, de proteção mútua. Em razão da escassez de alimento e da dificuldade de se proteger a propriedade, o isolamento era garantia de morte prematura.

As pessoas se encontravam, portanto, intimamente ligadas à terra. Do apascentamento dos rebanhos ao cultivo dos grãos, tudo era feito em conjunto pelo aldeões.

E o grande responsável pela manutenção dessa ordem era o patriarca, figura a quem se devia, portanto, grande respeito.

Sua influência se estendia para além do núcleo familiar, abrangendo também os seus empregados e suas respectivas famílias.

Diante desse cenário, e para um grupo de camponeses, Jesus narra uma parábola cuja incompreensão atravessa os séculos.

“Um homem tinha dois filhos. O mais novo disse ao seu pai: ‘Pai, quero a minha parte da herança’. Assim, ele repartiu sua propriedade entre eles. “Não muito tempo depois, o filho mais novo reuniu tudo o que tinha e foi para uma região distante; e lá desperdiçou os seus bens vivendo irresponsavelmente.

Depois de ter gasto tudo, houve uma grande fome em toda aquela região, e ele começou a passar necessidade. Por isso foi empregar-se com um dos cidadãos daquela região, que o mandou para o seu campo a fim de cuidar de porcos. Ele desejava encher o estômago com as vagens de alfarrobeira que os porcos comiam, mas ninguém lhe dava nada.
“Caindo em si, ele disse: ‘Quantos empregados de meu pai têm comida de sobra, e eu aqui, morrendo de fome! Eu me porei a caminho e voltarei para meu pai e lhe direi: Pai, pequei contra o céu e contra ti. Não sou mais digno de ser chamado teu filho; trata-me como um dos teus empregados’. A seguir, levantou-se e foi para seu pai.

“Estando ainda longe, seu pai o viu e, cheio de compaixão, correu para seu filho, e o abraçou e beijou.

“O filho lhe disse: ‘Pai, pequei contra o céu e contra ti. Não sou mais digno de ser chamado teu filho’. “Mas o pai disse aos seus servos: ‘Depressa! Tragam a melhor roupa e vistam nele. Coloquem um anel em seu dedo e calçados em seus pés. Tragam o novilho gordo e matem-no. Vamos fazer uma festa e alegrar-nos. Pois este meu filho estava morto e voltou à vida; estava perdido e foi achado’. E começaram a festejar o seu regresso.

“Enquanto isso, o filho mais velho estava no campo. Quando se aproximou da casa, ouviu a música e a dança. Então chamou um dos servos e perguntou-lhe o que estava acontecendo. Este lhe respondeu: ‘Seu irmão voltou, e seu pai matou o novilho gordo, porque o recebeu de volta são e salvo’.

“O filho mais velho encheu-se de ira e não quis entrar. Então seu pai saiu e insistiu com ele. Mas ele respondeu ao seu pai: ‘Olha! todos esses anos tenho trabalhado como um escravo ao teu serviço e nunca desobedeci às tuas ordens. Mas tu nunca me deste nem um cabrito para eu festejar com os meus amigos. Mas quando volta para casa esse teu filho, que esbanjou os teus bens com as prostitutas, matas o novilho gordo para ele!’

“Disse o pai: ‘Meu filho, você está sempre comigo, e tudo o que tenho é seu. Mas nós tínhamos que celebrar a volta deste seu irmão e alegrar-nos, porque ele estava morto e voltou à vida, estava perdido e foi achado’”.

Para se compreender essa parábola, é preciso viajar no tempo e deixar de lado algumas concepções sociológicas que nós, ocidentais do Século XXI, costumamos utilizar.

Jesus falava de acordo com o tempo e os lugares.

Assim, um gesto que pode passar despercebido, mas que é fundamental no contexto social do Oriente Próximo, onde a história se passa, é o problema causado pela questão da antecipação da herança. Para aquelas pessoas, esse pedido equivalia a desejar a morte do patriarca, uma falta tão grave que poderia ser punida com o apedrejamento.

Mesmo diante daquela humilhação, o patriarca concorda com a solicitação do filho.

Este, ciente da sua situação, rapidamente vende os bens herdados e parte uma terra distante. Lá, dilapida o patrimônio e se vê obrigado a cuidar de porcos, algo absolutamente degradante para a época. E em razão da fome que se abate na região, passa a tentar se alimentar da comida destinada a esses animais.

No auge do seu sofrimento, ele “cai em si”. E a dor, qual uma ferramenta pedagógica, faz sua consciência despertar. Arrependido, ele decide buscar o perdão do pai.

E precisamente no episódio do retorno à casa, a sutileza da sabedoria de Jesus impressiona: o patriarca, um homem de andar lento e solene, corre em direção ao filho, abraça-o e beija-o no rosto, na frente de todos. Aquela cena chocante contrariava todas as tradições do patriarcado.
Por amor ao filho, porém, o pai se humilha perante a aldeia naquele gesto público.

Aqui, um detalhe. Naquela região, até hoje, quando há um conflito, uma forma comum de resolução é a mediação, feita por uma pessoa de confiança dos litigantes. Se a questão for resolvida, o gesto que sela a paz é exatamente o beijo no rosto.

Porém, no caso da parábola, em que o problema envolvia pai e filho na divisão de bens, a mediação caberia ao representante legal do patriarca — pela lei, o filho mais velho.

Este, contudo, percebendo que poderia se beneficiar daquela discórdia, prefere se omitir, deixando entrever sua verdadeira personalidade.

Retomemos.

O pai então manda trazer para o filho egresso sandálias e um anel, objetos utilizados apenas por membros da família, jamais por empregados, sinalizando que a reconciliação era plena. Ele estava sendo aceito novamente como filho, e não como mero serviçal.

A melhor roupa e o novilho gordo significavam que todos na aldeia estavam convidados para aquela ocasião especialíssima, solucionando o problema entre o pródigo e a comunidade.

Ao perceber que as festividades se deviam ao retorno do irmão mais novo, o mais velho “se enche de ira”, e se recusa a entrar na casa e receber os convidados, como ordenava a tradição.

“Então o pai saiu e insistiu com ele”.

Nesse instante, o filho enfurecido altera o tom de voz e sequer o reconhece como pai — “olha!” é o tratamento que ele usa. Como não bastasse, em tom de desprezo, refere-se ao próprio irmão como “este teu filho”.

Considerando tratar-se do futuro patriarca, de quem se espera uma postura de liderança e justiça, aquelas eram faltas tão graves quanto o pedido de antecipação de herança.

Preguiçoso, o filho mais velho se queixa de ter trabalhado muito — nas terras que seriam suas; ingrato, ele reclama não ter recebido sequer um cabrito — que poderia ter tido quando bem entendesse; difamador, ele esbraveja publicamente que o irmão gastara o dinheiro com prostitutas — algo que não se encontra no texto, mas em sua imaginação.

“Meu filho, você está sempre comigo, e tudo o que tenho é seu”. Naquela sociedade, era impensável que um patriarca precisasse se justificar a um filho, sobretudo publicamente, em meio a um desrespeitoso arroubo de fúria.

Novamente por amor, o pai se humilha perante toda a comunidade em atenção ao filho mais velho.

Note que, de acordo com a narrativa, este estava no campo quando percebeu a movimentação. É alegórico o fato de ele não estar em casa. O seu comportamento indica que jamais esteve realmente na “casa do Pai”.

Por várias razões, somos levados a nos deter nos erros do filho pródigo, muito embora ambos os filhos estejam igualmente perdidos em seu egoísmo, cada um à sua maneira. O primeiro, por rejeitar a providência do pai e fragilizar as estruturas mais fundamentais da comunidade; o mais velho, pelo chauvinismo velado e pela postura farisaica.

O Pai, por sua vez, preocupa-se apenas com uma única regra, a do amor. Sem maniqueísmos nem preferências.

Regressemos novamente ao trecho em que o Pai avista o filho que retorna. Naquelas poucas palavras encontra-se uma das mais importantes lições do Cristianismo, tão sutil que quase se perdeu no tempo.

No momento em que o pai corre em direção ao filho, abraça-o e beija-o, a sabedoria do Cristo está querendo nos mostrar que o restabelecimento dos laços primordiais, a religação, a “religião” entre Deus e os homens é algo direto, imediato, sem interferências de qualquer natureza.

Com sua linguagem alegórica, voltada para homens simples de dois mil anos atrás, o Cristo desconstrói concepções religiosas vigentes até hoje: utilizando-se das próprias Escrituras, Ele indica serem dispensáveis as convenções sociais, os cultos exteriores, os dogmas.

Nada deve ser interpor na relação entre o Pai e seus filhos.

De forma sublime, o Cristo nos mostra que não importa no que você acredita, mas como você vive.

O que “estava morto e voltou à vida, estava perdido e foi achado”, em verdade, é o vigor de Seus ensinamentos.



Leia mais...

quarta-feira, 26 de agosto de 2015

QUAL A VANTAGEM DE SER JOVEM E CONSERVADOR?

Há uma tendência, mais ou menos generalizada, de uma parcela da juventude hoje se apegar a conjuntos de ideologias, crenças e visões de mundo marcadas por legalismos extremados e conservadores. Aqueles mesmos que oferecem sempre respostas prontas, à custa da supressão de uma liberdade conquista de forma tão cara... quando não se precisa pensar, desde que você pense de acordo com o que se diz para pensar ou  que aja da forma como se diz para agir. A ideia é suprimir toda incoerência que nasce da liberdade da pessoa para se estabelecer uma ordem social, moral, religiosamente pura, sem manchas, sem pecado. Em um mundo assim, não há lugar para o “pecado”, não há lugar para a humanidade, não há lugar para o erro... Suprime-se tudo que é humano, tudo que leva a pecar, o corpo, a carne, o coração, o erro... exalta-se tudo que é “divino”...

Nietzsche, que é um desses filósofos que viveram há alguns séculos atrás, porém, nunca morreu, pois seu pensamento continua soando aos ouvidos como um címbalo desconfortável, foi um dos primeiros a perceber e alertar para esse perigo: de que quando se tem muita necessidade de afirmar perfeições aparentes, é porque o que realmente importa já foi abandonado, esquecido, morto... Dizendo de outra forma, o homem moderno aprendeu a esquecer de Deus. Quis ser tão perfeito que sua perfeição não foi suportada nem pelo próprio Deus. Era o que Nietzsche chamava de Niilismo, isto é, o esvaziamento dos valores.

Esse é o perigo que vejo no coração e na mente de muitos jovens apegados, desordenadamente, a conservadorismos exacerbados, jogando fora aquilo que de mais sagrado tem, sua paixão, sua força vital de transformar, sua liberdade... Paradoxalmente, ao mesmo tempo em que perde sua liberdade, afirma-se o individualismo, o egocentrismo... Ser você, e só você, mas desde que dentro de uma fôrma. Essa é a proposta...

Por outro lado, eu até entendo o que se passa no coração de muitos desses jovens. Hoje, a falta de referências que testemunhem uma vida de sentido é um tapa na cara. Parece não haver mais referências sociais, políticas, religiosas... Nossos heróis já não existem mais ou, se existem, se tornaram humanos demais... Eu entendo isso.

Porém, a falta de referenciais não é necessariamente falta, é distanciamento, esquecimento, como já alertava Nietzsche... Nesse mundo louco de informações contraditórias e híbridas, esquecemos e nos distanciamos do essencial. Nesse cenário é fácil ser pescado por qualquer proposta aparentemente mais fácil, rápida ou prazerosa. Ainda mais se acompanhada de alguém que saiba convencer pelo discurso... Para um jovem crítico, indignado, sedento por novidade, gente como Olavo de Carvalho, Silas Malafaia, Jair Bolsonoro, cai como uma luva. Eles, esses patifes da pós-modernidade, têm tudo o que esse jovem, aparentemente e por um tempo bem determinado, precisa: respostas prontas, cheias de ódio, preconceitos e falácias... Mas não as suportam por muito tempo... Ou seja, eles matam os deuses que criaram, pois não se sustentam mesmo, e logo em seguida se sentem perdidos... Há vazios que se preenchem, outros que permanecem vazios infinitamente...

Há, porém, aqueles que continuam afirmando sua vida, sem moralismos, sem subterfúgios conservadores, sem niilismos... Esses não buscam referenciais, pois suas referências nunca saíram de dentro deles... Esses, quando falam são ouvidos, quando apontam são seguidos, quando gritam são respeitados...

Leia mais...

quarta-feira, 4 de fevereiro de 2015

MEDITAÇÃO - Uma Experiência Espiritual

Meditar é simples. Com esse pequeno vídeo você poderá ser conduzido a uma Experiência Espiritual de Meditação, diante do computador, pelo celular ou tablet, em casa ou no trabalho. O importante é dedicar 10 minutos do seu dia ao mistério divino que te habita.






Leia mais...

sábado, 26 de julho de 2014

O CUIDADO COTIDIANO COM A VIDA

Estou construindo um canteiro em minha casa. Não que eu seja um experto em cultivo de qualquer planta que seja, mas tenho sentido necessidade de ter algumas aqui em casa... Há tanto cimento, que um pouco de verde, de flores tem feito falta. Parece que com a idade a gente vai entendendo que é preciso aprender a cuidar do mundo de uma forma mais concreta. Não estou falando das grandes causas ambientais, mas daquelas pequenas, cotidianas causas...

Dizem que tem gente que tem uma mão boa pra plantar, não sei se as minhas são boas pra isso, vamos ver... Mas tenho um amigo, Dedé, que é lindo de se ver como consegue produzir vida da terra com uma facilidade que encanta. As vezes fico o observando e percebo que o que faz as coisas da terra darem tanto fruto e ficarem tão lindas com ele é a regularidade cotidiana do cuidado que tem com suas plantinhas... É nos pequenos cuidados cotidianos que a vida nasce à sua volta.

Fiquei pensando que é assim também na vida. As vezes desejamos que tudo o que fazemos dê o fruto que queremos, na hora que queremos, da forma como queremos. Mas as regras da vida não necessariamente são as mesmas criadas pelos nossos critérios pessoais. Por isso a regularidade constante do cuidado cotidiano...

Na escola, por exemplo, não se pode esperar que o educando adquira o conhecimento que desejamos, como educadores, da forma e no tempo que esperamos... O processo de conhecimento se dá na regularidade cotidiana, não só a partir do conteúdo dentro de sala, mas também no exemplo e testemunho fora dela... Dizem que educamos mais pelo que fazemos do que pelo que falamos. E é a pura verdade! Também por isso a regularidade cotidiana do cuidado com que educamos...

Em uma relação a dois é a mesma coisa. Não se pode achar que se vai colher os melhores frutos de uma relação entre duas pessoas somente quando se celebra o dia do aniversário, o dia dos namorados, etc., enfim, aquelas datas que se comemoram uma vez por ano. Os melhores frutos de uma relação são colhidos nos pequenos cuidados cotidianos, dia a dia, sem pressas e expectativas desnecessárias. As vezes me pego recordando a vida de Gabi na minha vida e, por incrível que pareça, as lembranças e memórias mais lindas e que mais nos marcaram são aquelas repletas de simples e insignificantes cuidados cotidianos. São esses que frutificam a vida...

Com a fé é a mesma coisa. O tempo de Deus não é o mesmo que o nosso. Não posso achar que minhas orações e meus clamores serão atendidos se não sou capaz de cultivar o que desejo nos pequenos gestos de fé. Se desejo paz, que eu a construa todos os dias, nos pequenos gestos, nas pequenas coisas...

Isso tudo é um grande desafio, pois o tempo parece, cada vez mais, nos engolir com esse imediatismo opressor que marca nossas vidas neste mundo tão rápido e barulhento. Desejo que meu canteiro me ajude a ser um homem melhor, seja na escola, no lar ou na fé. Desejo que ele me lembre que é preciso ser paciente e cuidadoso com as pequenas e simples coisas da vida, ali onde a verdadeira felicidade é regada e colhida a seu tempo...

 

Por, José Wilson Correa Garcia.

 

Leia mais...

terça-feira, 8 de julho de 2014

Quando Jerusalém em 2014 faz lembrar Berlim em 1933

Os velhos jornais no Ocidente não terão coragem de publicar essa matéria. Críticas muito duras ao governo israelense vêm da própria imprensa liberal do país. Precisam ser conhecidas, para que setores interessados em paz e justiça no Oriente Médio saibam que podem encontrar apoio em importantes setores da sociedade israelense. Talvez estejam ainda apáticos, por se sentirem isolados em meio à manada que segue a propaganda oficial e a mídia, hegemonizada pelos setores mais sectários (o diário Haaretz, onde foi publicado o texto a seguir tem 10% dos leitores; os demais jornais são controlados por magnatas estrangeiros da mídia conservadora).

Jornalista israelense escreve: cenários não são iguais, mas surto de ódio antipalestino estimulado por Telaviv envergonha história judaica.

O artigo faz analogias entre o ambiente de histeria em Israel, estimulado de forma oportunista por políticos da direita, e o que a Alemanha respirou, nos estágios iniciais do nazista. A publicação de artigos como esse em Israel, embora chocantes, pode ser vista com esperança de que setores existentes na própria sociedade israelense poderão, um dia, virar o jogo. Mas isso só ocorrerá se houver também forte pressão internacional.

Trata-se de salvar Israel do fascismo, do isolamento internacional, e de estabelecer entre este país e os palestinos bases para um futuro de paz e boa vizinhança, única forma de ambos escaparem da tragédia humanitária que avança no Oriente Médio. (Sérgio Storch)

Em 9 de março de 1933, os paramilitares camisas-marrons da SA nazista lançaram uma ofensiva. “Em diversas partes de Berlim, um grande número de pessoas, a maioria das quais aparentemente judias, foi atacado abertamente nas ruas e golpeado. Algumas foram feridas gravemente. A polícia pode apenas recolhê-las e levá-las ao hospital”, relatou o jornal londrino The Guardian. “Os judeus foram espancados pelos camisas-marrons até sangrar nas faces e cabeças”, prosseguiu o jornal. “Diante de meus olhos, paramilitares, babando como bestas histéricas, perseguiram um homem em plena luz do dia e o chicoteavam”, escreveu Walter Gyssling, no jornal.

Sei que você ultrajou-se antes mesmo de chegar ao final do parágrafo anterior. “Como ele ousa comparar incidentes isolados em Israel com a Alemanha nazista?”, você está pensando. “Isso é uma banalização ofensiva do Holocausto”.

É claro que você tem razão. Minha intenção não é traçar um paralelo. Meus pais perderam, ambos, suas famílias, durante a II Guerra Mundial. Não preciso ser convencido de que o Holocausto é um crime tão único que figura de modo destacado, mesmo nos anais de outros genocídios premeditados.

Mas sou um judeu e há cenas no Holocausto que estão gravadas indelevelmente em minha mente, ainda que não estivesse vivo à época. Quando assisti vídeos e vi imagens de gangues de judeus racistas de direita marchando pelas ruas de Jerusalém, cantando “Morte aos Árabes”, caçando árabes aleatoriamente, identificando-os por sua aparência ou sotaque, perseguindo-os em plena luz do dia, “babando como bestas histéricas” e golpeando-os antes que a polícia pudesse chegar, a associação histórica foi automática. Foi o que primeiro saltou à mente. Deveria ser, penso, a primeira coisa a saltar à mente de qualquer judeu.

Israelenses queimam a bandeira palestina e gritar slogans racistas durante um protesto anti-palestino em Gush Etzion.

Não é preciso dizer que Israel de 2014 não é “O Jardim das Bestas”, expressão que Erik Larson usou para descrever, em seu livro, a Alemanha de 1933. O governo de Telaviv não é tolerante com o vigilantismo ou os gângsters, como foram os nazistas por algum tempo, antes que os alemães começassem a se queixar de desordem nas ruas e dos danos à reputação internacional de Berlim. Não tenho duvidas de que a polícia fará todo o possível para prender os assassinos do garoto palestino cujo corpo calcinado foi encontrado numa floresta de Jerusalém. Até rezo para descobrirem que o assassinato não foi um crime de ódio [Em 6/7, a polícia israelense prendeu, de fato, pessoas – judeus ortodoxos de extrema-direita – que confessaram a autoria do crime, evidentemente motivado por ódio e racismo (Nota da Tradução)].

Mas não nos enganemos. As gangues de valentões judeus promovendo caçadas humanas não são uma aberração. Não foi um acesso incontrolável e único de raiva, que se seguiu à descoberta dos corpos de três estudantes sequestrados. Seu ódio inflamado não existe num vácuo. É uma presença marcante, que cresce a cada dia, engolfando setores cada vez mais amplos da sociedade israelense, alimentada num ambiente de ressentimento, isolamento e auto-vitimização, impulsionado por políticos e “especialistas” – alguns cínicos, outros sinceros – que se cansaram da democracia e suas brechas e que anseiam por ver a imagem de Israel associada a um único Estado, uma única nação e, em algum ponto desta espiral descendente, um único Líder.

Em apenas 24 horas, uma página do Facebook convocando “revanche” pelos assassinatos dos três garotos sequestrados recebeu dezenas de milhares de “curtidas”, e encheu-se de centenas de apelos explícitos para matar árabes, onde quer que estejam. Outra página, pedindo a execução de “extremistas de esquerda”, alcançou quase dez mil “likes”, em dois dias. Além disso, inúmeros textos na web e nas mídias sociais estão inundados de comentários dos leitores vomitando o pior tipo de bile racista e pedindo morte, destruição e genocídio.

Estes sentimentos foram ecoados nos últimos dias, ainda que em termos um pouco mais velados, por membros do Knesset [o Parlamento israelense], que citam versos da Torah sobre o Deus da Vingança e seu ordem de extermínio dos amalequitas. David Rubin, que descreve a si mesmo como ex-prefeito de Shiloh, foi mais explícito: em um artigo publicado no Israel Ntional News, ele escreveu: “Um inimigo é um inimigo e a única maneira de vencer esta guerra é destruir o inimigo, sem levar excessivamente em conta quem é soldado e quem é civil. Nós, judeus, atiraremos primeiro nossas bombas sobre alvos militares, mas não há, em absoluto, necessidade de nos sentirmos culpados por arruinarmos as vidas, matarmos ou ferirmos civis inimigos que são, quase sempre, apoiadores do Fatah ou do Hamas”.

Pairando sobre tudo isso estão o primeiro-ministro Benjamin Netanyahu e seu governo, que insistem em descrever o conflito com os palestinos em tons rudes de “preto e branco”, “bem contra o mal”; que descrevem os adversários de Israel como incorrigíveis e irredimíveis; que nunca demonstraram o mínimo sinal de empatia ou compreensão, diante das reivindicações de um povo que vive sob ocupação israelense por meio século; que fazem pronunciamentos voltados para desumanizar os palestinos aos olhos do público israelense; que perpetuam o sentimento público de isolamento e injustiça; e que, portanto, estão abrindo caminho para ondas de ódio homicida que começaram a emergir.

Algumas pessoas ensaiarão um paralelo entre a terrível violência de direita que varreu Israel depois dos Acordos de Oslo e a maré crescente de racismo. Em ambas, está implicado o premiê Netanyahu. De seus discursos virulentos na Praça Sion contra o governo da época ao assassinato de Yitzhak Rabin, à época; e de sua retórica antipalestina áspera à explosão horrível de racismo hoje.

Mas é uma resposta fácil demais. Não basta culpar Netanyahu, sem questionar o resto de nós, Judeus em Israel ou na Diáspora, os que fecham os olhos e os que desviam o olhar, os que retrata os palestinos como monstros desumanos e os que veem qualquer autocrítica como um ato de traição judaica.

A comparação certamente é válida: a máxima de Edmund Burke – “Para o triunfo [do mal], basta que os homens bons nada façam” – era correta em Berlim no início dos anos 1930 e permanece verdadeira em Israel. Se nada for feito para reverter a maré, o mal certamente triunfará – e não será preciso esperar muito.

CHEMI SHALEV
ON 07/07/2014CATEGORIAS: CAPA, GEOPOLÍTICA, MUNDO

In.: OUTRAS PALAVRAS.

Chemi Shalev

Jornalista israelense, nascido em 1953. Atua como correspondente e editor, nos Estados Unidos, do jornal Haaretz -- tanto em hebreu quanto em inglês. Publica um blog em inglês intitulado West of Eden, que trata das relações entre EUA e Israel.

 

 

Leia mais...

domingo, 6 de julho de 2014

A memória sexual: base biológica da sexualidade humana.

Para compreendermos em profundidade a sexualidade humana, precisamos entender que ela não existe isolada, mas representa um momento de um processo maior: o biogênico.

A nova cosmologia nos habituou a considerar cada realidade singular dentro do todo que vem sendo urdido já há 13,7 bilhões de anos e a vida há 3,8 bilhões de anos. As realidades singulares (elementos físico-químicos, microorganismos, rochas, plantas, animais e seres humanos) não se juxtapõem mas se entrelaçam em redes interconectadas constituindo uma totalidade sistêmica, complexa e diversa.

Assim, a sexualidade emergiu há um bilhão de anos como um momento avançado da vida. Depois da decifração do código genético por Crick e Dawson nos anos 50 do século passado. sabemos hoje comprovadamente que vigora a unidade da cadeia da vida: bactérias, fungos, plantas, animais e humanos somos todos irmãos e irmãs porque descendemos de uma única forma originária de vida. Temos, por exemplo, 2.758 genes iguais aos da mosca e 2.031 idênticos aos do verme.

Esse dado se explica pelo fato de que todos, sem exceção, somos construídos a partir de 20 proteinas básicas combinadas com quatro ácidos nucleicos (adenina, timina, citosina e guanina). Todos descendemos de um antepassado ancestral comum, originando a ramificação progressiva da árvore da vida. Cada célula de nosso corpo, mesmo a mais epidérmica, contém a informação básica de toda vida que conhecemos. Há, pois, uma memória biológica inscrita no código genético de todo organismo vivo.

Assim como existe a memória genética, existe também a memória sexual que se faz presente na nossa sexualidade humana. Consideremos alguns passos desse complexo processo. O antepassado comum de todos os seres vivos foi, muito provavelmente, uma bactéria, tecnicamente chamada de procarionte que significa um organismo unicelular, sem núcleo e com uma organização interna rudimentar. Ao se multiplicar rapidamente por divisão celular (denominada mitose: uma célula-mãe se divide em duas células-filhas idênticas) surgiram colônias de bactérias. Reinaram, sozinhas, durante quase dois bilhões de anos. Teoricamente a reprodução por mitose confere imortalidade às células, pois seus descendentes são idênticos, sem mutações genéticas.

Por volta de dois bilhões de anos atrás, ocorreu um importante fenômeno para a posterior evolução, somente suplantado pelo surgimento da própria vida: a irrupção de uma célula com membrana e dois núcleos. Dentro deles se encontram os cromossomos (material genético) nos quais o DNA se combina com proteinas especiais. Tecnicamente é chamada de eucarionte ou também célula diplóide, isto é, célula com núcleo duplo.

A importância desta célula binucleada reside no fato de nela se encontrar a origem do sexo. Em sua forma mais primitiva, o sexo significava a troca de núcleos inteiros entre células binucleadas, chegando a fusão em um único núcleo diplóide, contendo todos os cromossomos em pares. Até aqui as células se multiplicavam sozinhas por mitose (divisão) perpetuando o mesmo genoma. A forma eucariota de sexo, que se dá pelo encontro de duas células diferentes, permite uma troca fantástica de informações contidas nos respectivos núcleos. Isso origina uma enorme biodiversidade.

Surge, pois, um novo ser vivo, a célula que se reproduz sexualmente a partir do encontro com outra célula. Tal fato já aponta para o sentido profundo de toda sexualidade: a troca que enriquece e a fusão que cria pradoxalmente a diversidade. Esse proceso envolve imperfeições, inexistente na mitose. Mas favorece mutações, adaptações e novas formas de vida.

A sexualidade revela a presença da simbiose (composição de diferentes elementos) que, junto com a seleção natural, representa a força mais importante da evolução.

Tal fato vem carregado de consequências filosóficas. A vida é tecida de cooperação, de trocas, de simbioses, muito mais do que de luta competitiva pela sobrevivência. A evolução chegou até o estágio atual graças à essa lógica cooperativa entre todos.

Deixando de lado muitos outros dados fundamentais e indo diretamente à sexualidade humana devemos reconhecer que ela está embasada num bilhão de anos de sexogênese. Mas possui algo singular: o instinto se transforma em liberdade, a sexualidade desabrocha no amor. A sexualidade humana não está sujeita ao ritmo biológico da reprodução. O ser humano se encontra sempre disponível para a relação sexual, porque esta não se ordena apenas à reprodução da espécie mas também e principalmente à manifestação do afeto entre os parceiros. O amor reorienta a lógica natural da sexualidade como instinto de reprodução; o amor faz com que a sexualidade se descentre de si para se concentrar no outro. O amor torna os parceiros preciosos uns para os outros, únicos no universo, fonte de admiração, de enamoramento e de paixão. É por causa dessa aura que o amor se revela como o âmbito da suprema realização e felicidade humana ou, no seu fracasso, da infelicidade e da guerra dos sexos.

O ser humano precisa aprender a combinr instinto e amor. Sente em si, necessidade de amar e de ser amado. Não por imposição, mas por liberdade e espontaneidade. Sem essa liberdade de quem dá e de quem recebe, não existe amor. É a liberdade e a capacidade de amorização que constroem as formas de amor que humanizam o ser humano e lhe abrem perspectivas espirituais ultrapassando em muito as demandas do instinto.

Leonardo Boff escreveu com Rose Marie Muraro, recém falecida, Feminino-masculino: um novo paradigma para uma nova relação, Record 2010. Esse artigo é pensandoem sua homenagem pois com ela trabalhei mais de vinte anos.

In.: Leonardo Boff

 

Leia mais...

segunda-feira, 5 de maio de 2014

KAIRÓS: O TEMPO NOSSO DE CADA DIA

Diário remanso: encontros, acontecimentos, leituras... Intuições.
O clarão de uma anedota. Uma angústia, uma esperança.
Não à crônica; sua decantação. Vinho descansado.
Ou o instante de uma borboleta. Ou um latido.
Ou Deus passando como uma ventania, como uma brisa.
Nossa história em suas horas: o Kairós que alguém detecta.
O círculo concêntrico do remanso.
E o borbulhar do manancial.
(Pedro Casaldáliga)

Um dia desses, quando o coração parece estar mais propenso a entender algumas verdades que passam despercebidas aos sentidos, ouvi um comentário que ficou ressoando no coração como uma dúvida que não pode ser respondida imediatamente e como poesia que precisa ser apenas ruminada, decantada. Ouvia que, ultimamente, o tempo tem passado mais rápido que o normal, que os anos e meses parecem estar mais curtos... E, de fato, depois de abrir um bate papo sobre o assunto na sala de aula, comentávamos e compartilhava-mos essa mesma impressão. O tempo está mais rápido, se tornou relativo, parece ter perdido seu caráter absoluto.


Porém, no silêncio daqueles mistérios que só são possíveis na solidão, fiquei me perguntando: será mesmo que é o tempo que está diminuindo ou somos nós que estamos ficando maiores, com o coração maior, com a mente maior? Aliás, mais cheios de tudo. Antes, quando era mais criança e, por isso mesmo, dava mais atenção ao essencial, lembro que conseguia parar mais tempo para fazer certas coisas simples... coisas que parecem ter deixado de ser simples. Hoje, não consigo mais sentar, uma hora se quer do nosso dia, para uma boa conversa, ou para simplesmente contemplar aquelas coisas simples e lindas – e por isso mesmo essenciais – que passam despercebidas como um suspiro de saudade... Hoje não consigo mais escutar Deus como quando era criança, ou deitar em seu colo materno-paterno para simplesmente lembrar quem sou, de onde vim e para onde vou...


Há pouco tempo atrás nosso coração e nossa mente não precisava de assimilar tantas coisas e tanta informação ao mesmo tempo. Fazíamos poucas coisas, mas sentíamos que o pouco que fazíamos deveria ser bem feito. Hoje, tudo é colocado diante da gente ao mesmo tempo, tudo precisa ser feito no mínimo de tempo possível e o máximo possível. Será que ao aprender a quantificar as coisas não esquecemos também de qualificá-las? Ou mais sério ainda: será que, nessa mesma sociedade, não aprendemos a agir com as pessoas da mesma forma que agimos com as coisas? Estamos coisificando as pessoas? Estamos nos tornando mais cegos, surdos e mudos, pois perdemos a capacidade de enxergar o essencial, de ouvir o essencial, de falar o essencial... Perdemos a noção do tempo.


Sim, o tempo diminuiu. Aquele tempo que aprendemos na escola, o linear, o histórico, aquele sucessivo punhados de fatos que acumulamos na memória. Esqueceram de nos ensinar que o tempo é, sobretudo, cíclico, Kairós, tempo favorável, tempo de graça... Instante presente, aquele onde o essencial da vida se escancara diante de nós, ora como mistério, ora como graça. Mais cegos, mais surdos e mais mudos, as coisas passam mais rápido, assim como os anos, os meses, os dias e, talvez, assim como as pessoas... Porém, quando assumimos a grandiosidade do mistério que nos rodeia como tempo favorável e tempo de graça, onde o presente infinito e eterno é o único tempo que vale a pena de se viver, os anos, meses, dias e as pessoas não passam, simplesmente ficam... São eternizadas, na memória e no coração.

José Wilson Correa Garcia, em algum tempo desses...
Leia mais...

sábado, 23 de novembro de 2013

EU MAIOR

Dentro de cada um de nós se encontra, mais ou menos escondido, um desejo de infinito, um desejo de compreensão daquilo que nos parece estar para além da banalidade e superficialidade de tudo. Há momentos em que experimentamos algo que parece nos levar para além. É quando sentimos que as amarras que nos prendem a esse mundo contingente se desprendem e o mistério se escancara nos jogando para uma busca irresistível e inevitável de algo, seja a felicidade, seja a transcendência, seja a justiça, seja a verdade... Encontramos os meios, uns na Arte, outros na Filosofia, outros na Ciência e outros ainda na Religião...
No mundo em que nós vivemos hoje, nunca foi tão propício a busca pelo infinito de sentido, há muitas mensagens, há muitas propostas, há muitos caminhos, há muitas verdades... Mas qual é a certa?  Qual é a verdadeira? Todos e, ao mesmo tempo, nenhum... E isso pode parece um pensamento relativista, mas não é. Todos porque cada uma tenta oferecer, mais ou menos e da sua forma, as respostas necessárias. Nenhum porque apesar da tentativa, no fim das contas, estaremos sempre a mercê de um anseio que não pode ser preenchido com qualquer resposta que achemos aqui... Não constitui isso a suprema angústia do homem/mulher modernos?! Em todo caso, podemos conhecer melhor as muitas opções, os muitos pontos de vistas, as muitas verdades...

“EU MAIOR” é um filme longa metragem, produzido em formato de documentário, que pode ajudar, pois traz uma reflexão atual e contemporânea sobre autoconhecimento e busca da felicidade, através de entrevistas com personagens que são expoentes de diferentes áreas, incluindo líderes espirituais (como a Monja Coen e o Teólogo Leonardo Boof), intelectuais (como Rubem Alves), artistas (como a Letícia Sabatella) e esportistas (como Waldemar Niclevicz, primeiro brasileiro a escalar o Monte Everest). Com perfis bem distintos, os entrevistados têm em comum a disposição de compartilhar perguntas, respostas, e experiências de vida que ampliaram suas percepções de si e do mundo. Vale a pena ser assistido, vale a pena ser experimentado...

Leia mais...

domingo, 16 de junho de 2013

O PARAÍSO - Rubem Alves

Dizem os fundamentalistas... Ah! Você não sabe quem são eles. Vou explicar. Fundamentalistas são pessoas muito religiosas (se católicas, protestantes, muçulmanas ou judias pouco importa, pois todas pensam do mesmo jeito). Elas pensam que Deus é dono de um jornal. Não só dono como também redator-chefe, repórter e linotipista. Nesse jornal, que se chama O Correio Divino, tudo sai diretamente da pena de Deus, os editoriais, as reportagens, os artigos, os obituários, com a devida autenticação dos carimbos do cartório dos anjos. Por essa razão, tudo o que é ali publicado tem de ser acreditado tintim por tintim, nos seus mínimos detalhes: Deus não espalha boatos falsos, só para aumentar a venda. O Correio Divino publica só o que aconteceu de verdade, não importa quão fantástico possa parecer; para Deus tudo é possível, como o portento de Josué, que fez parar o Sol no meio do céu, e o do profeta Jonas, engolido e vomitado por um peixe, depois de gozar de sua hospitalidade visceral por três dias.
Pois eles, baseados no tal jornal, afirmam que Deus plantou um jardim maravilhoso há muito tempo, quase 6 mil anos, muito longe, lá pelas bandas do Iraque. Por um desentendimento entre Deus, o casal de jardineiros e uma cobra, Deus expulsou os dois de lá e fechou a porta do Paraíso, que nunca mais foi achado. Por lá, hoje, só se acha areia, guerra e petróleo, e dizem os entendidos que foi isso que restou do jardim de Deus, transformado em óleo preto por artes do Demo.
Acho um desperdício. Se o que Deus queria era só plantar um paraisinho, por que gastar tempo e energia fazendo um mundo tão grande, tão bonito, o Rio Amazonas, o Himalaia, o mar, as praias com coqueiros, os riachinhos nas montanhas, o Pantanal e o Lago de Como, que é onde estou agora? Teria sido muito mais lógico fazer um mundo do tamanho do jardim, seria mais fácil tomar conta, e assim tudo caberia num asteróide, como aquele onde morava o Pequeno Príncipe.
Claro que isso tudo que falei é brincadeira, pois não acredito em nada disso. Eu leio os textos sagrados como quem lê poesia e não como quem lê jornal. Prefiro pensar que Deus é poeta a imaginá-lo como dono de um jornal. Existirá ofensa maior para um poeta que perguntar se o seu poema é reportagem?
Sendo esse o caso, posso bem sonhar que Deus não fez um Paraíso só, ele fez muitos, tantos quantas são as suas criaturas, para cada uma delas um Paraíso diferente, e os espalhou pelo mundo inteiro. Em volta de cada pessoa existe um Paraíso diferente do seu, como se fosse uma bolha transparente. Você já viu?
Não. Você nunca viu. Sugiro consultar um oculista, alguma coisa deve estar errada com os seus olhos, você não está vendo direito. Diagnóstico sugerido pelos mesmos poemas sagrados, que atestam que o primeiro dano do pecado foi estragar nossa visão. Com o que concorda Alberto Caeiro, oftalmologista de renome, que diz que não é bastante não ser cego para ver as árvores e as flores. O mundo está cheio de cegos com vista perfeita.
Quem oferece colírios curativos para olhos cegos (muito embora só sejam cegos para o belo, tendo vista muito boa para o feio!) é um místico medieval, Ângelo Silésio, que escreveu num dos seus poemas: Quem, dentro de si mesmo, um Paraíso não for capaz de encontrar, não será capaz também de, um dia, nele entrar...
Não quero fazer inveja a ninguém, mas eu estou no Paraíso, aqui na Itália, num castelo, às margens do Lago de Como, cercado de montanhas, que eu vejo agora através da janela do meu quarto enquanto escrevo. São três e meia da tarde, o Sol brilha forte, o castelo está circundado de parques, mais de dez quilômetros de caminhos pelos bosques de coníferas altíssimas, ninféias, fontes com repuxos, o cheiro da resina dos pinheiros vai até o fundo da alma, o silêncio só é quebrado pelo apito dos barcos lá longe e pelo repicar do sino da igreja que acabou de bater. Bateu também dentro de mim uma saudade não sei de quê, eu sou uma saudade imensa cercada de carne por todos os lados...
Fiquei imaginando Deus, andando pelos caminhos onde eu andei, no vento fresco da tarde, do jeitinho como diz o texto sagrado. Ele deve ter sentido a mesma coisa que eu senti: quanto maior era a beleza, maior também era a tristeza. A beleza, em solidão, é sempre triste. Beleza solitária dá vontade de chorar. Para ser boa, a beleza exige, pelo menos, dois pares de olhos tranqüilos se olhando, dois pares de mãos amigas brincando, e bocas de voz mansa sussurrando...
Acho que foi naquele momento, quando Deus sentiu tristeza ao ver a beleza, que ele entendeu por que Adão estava tão deprimido: deuses e homens são muito parecidos... E foi então que ele aprendeu – pois Deus também aprende – que não é bom que o homem fique só. Fez dormir Adão, e ordenou que aquilo que ele sonhasse, aquilo mesmo acontecesse. E ele sonhou com dois olhos tranqüilos, duas mãos brincalhonas, e uma voz mansa... E assim nasceu a mulher, o sonho mais belo do homem, para trazer alegria ao Paraíso...
Fico mesmo é com dó de Deus. Os entendidos, que privam de sua vida íntima, teólogos, clérigos, papas e cardeais, dizem que não devo me preocupar, pois Ele está sempre em boa companhia, tem mãe puríssima, que nasceu sem pecado. É um filho obedientíssimo, que sempre faz o que lhe é mandado. Dizem que isso basta para a felicidade de Deus.
Discordo. Sem o olhar dos olhos apaixonados, sem o toque das mãos brincalhonas, sem o som da voz mansa, nem Deus pode se sentir feliz.
Essa é uma felicidade possível aos homens. Mas, e Deus? Andando sozinho pelo jardim. Coitado! Tanta beleza. Tanta tristeza...
Leia mais...