RESUMO
O
presente estudo trata de uma análise do binômio Educação e Sociedade, expondo
as características da sociedade ocidental construída, desde as suas raízes, sob
lógicas que culminarão no capitalismo. Dentre os elementos sociais da sociedade
capitalista abordar-se-á: a mudança na consciência de tempo; a questão do
consumo; e a determinação de relações de poder. Evidentemente, cada um desses
recortes sociais com um referencial teórico previamente escolhido. A partir
disso, em cada um desses elementos sociais, se mostrará como os mesmos
influenciam nas práticas pedagógicas e nos modelos de educação adotados,
concluindo com uma observação propositiva e emancipatória em que se tentará dar
uma resposta às conclusões desencadeadas pela análise feita.
Palavras–chave: Educação. Sociedade. Consumo. Poder.
1 - INTRODUÇÃO
Para os povos
ocidentais, pauta-os uma estrutura social marcada por constantes
transformações. Suas raízes mais primitivas são formadas pelo nomadismo. As
primeiras civilizações ocidentais são exemplos de uma formatação social que não
é cristalizada no tempo e no espaço. Assim aconteceu com a Grécia e com Roma,
as duas culturas que, mais radical e visivelmente, forjaram esta identidade
ocidental, a tal ponto de quase desaparecer as raízes locais ameríndias dos
povos latino-americanos, tão marcados pelas civilizações pré-colombianas,
problema que demandaria uma análise particular, esta que fugiria dos objetivos
deste presente texto. Em todo caso, o destino das chamadas sociedades ocidentais
foi bem outro...
O chamado ocidente é
radicalmente definido pelas complexas relações culturais, econômicos,
históricas que tem seu centro geográfico a Europa. Nela, impérios e monarquias foram
forjados e derrubados, cidades e países foram fundados, governos foram
inventados. Muitos eventos comprovam essa capacidade transformadora da
civilização ocidental europeia. Da revolução agrária até a revolução industrial
há um fio condutor capaz de mostrar traços essenciais desta cultura. Este fio
condutor, desde a antiguidade até os dias atuais, pode ser compreendido de
muitas formas, a partir de muitos enfoques epistemológicos ou leituras
sociológicas. Dentre elas, está leitura marxista. Karl Marx afirma:
A história de
toda sociedade existente até hoje tem sido a história das lutas de classes. Homem
livre e escravo, patrício e plebeu, senhor e servo, mestre de corporação
companheiro, numa palavra, o opressor e o oprimido permaneceram em constante
oposição um ao outro, levada a efeito numa guerra ininterrupta, ora disfarçada,
ora aberta, que terminou, cada vez, ou pela reconstituição revolucionária de
toda a sociedade ou pela destruição das classes em conflito.[1]
A luta de classes, portanto, é este fio
condutor que marca a cultura ocidental segundo a interpretação marxista.
Através dela o capitalismo, enquanto sistema social, se consolidará e marcará
radicalmente as sociedades europeias ocidentais e americanas. É o que está
cinematograficamente registrado nas obras “Germinal”[2] e
“Tempos
Modernos”[3].
A luta de classes define as relações, das mais elementares às mais complexas.
Desde o surgimento da propriedade privada, da configuração dos sistemas
comerciais, das primeiras formas de governo, que se podem encontrar nas raízes
das sociedades ocidentais, tudo está impregnado pela tensão dialética entre
duas classes que se confrontam mutuamente. No ambiente da fábrica, ampliado em
larga escala pela revolução industrial, a relação de forças entre patrão e
empregado é escancarada. Mais do que isso, extrapola os limites interior da
fábrica, questão muito bem abordada em ambos os filmes citados anteriormente. A
compressão dialética filosófica por traz do argumento de Marx, influenciado
pela Dialética do Senhor e do Escravo
de Hegel[4],
sugere que esse conflito dentro da relação entre senhor e servo se revela radicalmente
visível na fábrica, pois esta potencializou o que se passava, há muito tempo,
dentro do próprio espírito[5]
humano. Isto é, o capitalismo como potencializar das relações sociais criadas
no ambiente fabril extrapola os limites da fábrica para se estabelecer e
influenciar os diversos espaços e segmentos da sociedade moderna, inclusive os
espaços humanos, entre eles o espaço onde as relações educacionais acontecem,
particularmente no ambiente escolar.
2.
DESENVOLVIMENTO
Assim,
o capitalismo, enquanto sistema econômico e social vai imprimindo muitas marcas
nos diversos âmbitos das sociedades modernas ocidentais, mudando
comportamentos, mudando as formas de relações entre as pessoas, entre as
pessoas e as coisas, entre as pessoas e ambiente em que vivem. Dentre essas
marcas destacar-se-á: primeiro, a mudança na consciência de tempo; segundo, as
relações pautadas pelo consumo; e, terceiro, as relações de poder estabelecidas
no contexto abordado. Ao mesmo tempo em que se buscará compreender como essas
marcas influenciam no ambiente escolar. Essa influência parece estar tão
evidente e comprometedora que fala-se, por causa dela, de um modelo de educação
Tradicional e outro Moderno. Mas, até que ponto, a escola moderna carrega, em
si, os valores positivos que a expressão “moderna” carrega em si? O filme Sociedade
dos Poetas Mortos[6]
mostra, de forma brilhante, essa relação de ambiguidade presente no ambiente
escola, ou seja, em muitos casos se deposita uma expectativa, em relação à função
da escola, que descaracteriza sua identidade emancipadora, pois tais
expectativas estão permeadas daquelas marcas da sociedade capitalista,
reduzindo a escola a uma mera instituição que apenas produz resultados e
alimenta a competição desenfreada.
2.1. - MUDANÇA NA CONSCIÊNCIA DE TEMPO
É comum nas sociedades
chamadas modernas ou pós-modernas se ouvir a impressão de que os dias, meses ou
anos, cada vez mais, parecem se tornar menores ou mais rápidos, como se o tempo
fosse uma realidade relativa. Mas será que o tempo é realmente quem muda?
Obviamente que não, mas algo dentro das pessoas tem possibilitado essa
impressão, então são elas que parecem mudar. Sim, não é o tempo que muda, mas a
consciência dele que se altera. E se altera porque a quantidade de coisas que o
ser humano fazia em um determinado espaço de tempo há dez anos, não é a mesma
de hoje. As demandas sociais, as preocupações humanas, enfim, tudo aquilo que
alimenta a consciência e a vida dos indivíduos hoje parece ser vivida de forma
muito mais intensa. A lógica capitalista da produção possibilita isso. O
importante é a quantidade de coisas que se produz, e quanto mais produzir
“melhor”. Enquanto isso o sentido da vida humana vai sendo determinada pela
quantidade de coisas que se faz e não mais pela qualidade do que se faz. Por
isso o tempo parece mudar, enquanto na verdade quem muda é o próprio ser humano
quando se estufa de coisas que deve ser feita na maior quantidade possível e no
menor espaço de tempo provável. É o que alerta Bauman ao sugerir que a
modernidade, motivada por uma série de fatores sociais, se torna líquida, o
tempo mais volúvel e relativo. Em contrapartida, valores são invertidos, o que
era importante se torna relativo, o que era relativo se torna absolto.
Em primeiro lugar,
a passagem da fase “sólida” da modernidade para a “líquida” – ou seja, para uma
condição em que as organizações sociais (estruturas que limitam as escolhas
individuais, instituições que asseguram a repetição de rotinas, padrões de
comportamento aceitável) não podem mais manter sua forma por muito tempo (nem
se espera que o façam), pois se decompõem e se dissolvem mais rápido que o
tempo que leva para moldá-las e, uma vez reorganizadas, para que se
estabeleçam.[7]
No ambiente escolar,
principalmente em determinados modelos de escola, essa lógica capitalista de
mudança da consciência do tempo também parece estar presente de formas bem
específicas. Observe-se a proposta curricular pedagógica que, em muitas
ocasiões, somente tem a função de encher o educando de conteúdo, sem uma
preocupação integral em relação à forma como aquele determinado conteúdo é
transmitido. O educando, nesse modelo de educação, se converte em um
espectador, passivo, determinado por aquilo que recebe porque sabe que quanto
mais receber melhor será. Percebe-se uma lógica programada, dentro do processo
educativo, onde a inversão de valores que, até então, eram fundamentais no
processo educativo, é substituído pela necessidade de acúmulo, ou seja, de
consumo.
2.2. - O CONSUMO COMO CRITÉRIO EDUCATIVO
Para Walter Benjamin[8],
na sociedade capitalista, o consumo é visto como determinador do tempo. A
lógica consumista devora o tempo, onde tudo deve ser feito no instante
imediato, o mais rápido possível e na maior quantidade prevista. Em um contexto
como esses, não se abre espaço para a memória, para o processo qualitativo das
coisas e da vida e isso tem a ver com consumo na medida em que se percebe como
o capitalismo produz uma infinidade enorme de mercadorias, de produtos, uma multiplicação
de coisas que precisam ser consumidas. Mas essa multiplicação de produtos está subordinada
à multiplicação de facilidades e benefícios. Por isso que os sujeitos são
impulsionados a consumir vorazmente. Porém, nesse consumo, produz-se realmente
uma anulação e uma destruição da experiência concreta, do instante, porque a
relação que o sujeito estabelece com a realidade por meio do consumo está
marcada por essa liquidez, por essa relativização, por essa transitoriedade,
consequentemente, por uma falta de sentido que não parece ser preenchida com
qualquer quantidade de bens e recursos que se consome.
A escola,
evidentemente, é reflexo dessa lógica de consumo e suas consequências no
processo educativo dos educandos, independentemente de qual classe social eles
pertençam. Basta olhar, comparando com um passado não tão distante, para as
motivações que rondam os afetos do educando para estarem na escola. É, em certa
medida, generalizada a incapacidade do educando de perceber sentido (para não
dizer interesse) na atividade educativa que envolve sua vida escolar. E essa
realidade, em muitos modelos escolares, é o reflexo de uma proposta curricular
pouco atraente para as necessidades existenciais do educando ou de uma proposta
pedagógica funcionalista, reducionista e, exatamente por isso, corporativista.
Não basta, nesse sentido, somente consumir informações para um futuro
determinado exclusivamente para o mercado profissional, pois corre-se o risco
de reproduzir no processo educativo a mesma lógica competitiva e reducionista
de um mercado marcada por relações de poder...
2.3. - A LÓGICA DO PODER NA EDUCAÇÃO CORPORATIVISTA
Michel Foucault pode
ser considerado um dos grandes mestres da contemporaneidade no que diz respeito
à análise das instituições sociais e suas influências sobre o indivíduo, pois
ele parte do princípio de que grande parte dos sinais, valores e instituições
criadas, produzidas dentro do contexto cultural capitalista são construídas, a
partir da lógica da imposição de relações de poder, com uma função muito bem
determinada, às vezes mascarada de liberdade e progresso: "As luzes que descobriram as liberdades
inventaram também as disciplinas"[9].
A disciplina, portanto, é o recurso de controle das chamadas Sociedades
Disciplinares, entre elas os hospitais, os hospícios, as penitenciárias, as
fábricas e, surpreendentemente de forma mais eficaz, a escola.
Segundo a abordagem foucaultiana,
a escola moderna, motivada pelos “valores” capitalistas, construiu física e
intelectualmente uma estrutura que tem como objetivo primordial disciplinar
corpos e mentes através de mecanismos disciplinares, normas, regras, leis
definidoras do que na sociedade passará a conhecer como “normal” e “anormal”.
Por isso, no ambiente escolar o educando ou o educador que não se enquadrar nos
limites propostos por esses mecanismos são considerados anormais ou incapazes.
Constrói-se, assim, uma lógica competitiva determinada externamente pelo Estado
ou pela instituição que gerencia ideológica e financeiramente determinado
ambiente escolar, de acordo com interesses particularmente definidos, uma
educação institucionalizada e corporativista.
Assim, o processo
educativo se subordina à tendência social e econômica de determinado estado ou
instituição. A própria proposta curricular, a postura do educador é definida e
reduzida através de normas particularmente afinadas com a tendência
corporativista da instituição, definindo metas, resultados pautados nessa mesma
lógica que instrumentaliza as relações educativas. Se o educando (e
evidentemente o educador) não alcança aquele resultado ele é carimbado com o
estigma da anormalidade, da incapacidade intelectual. Por isso o recurso da competição
como ultima saída encontrada pelo educando e pelo educador para corresponder às
expectativas definidoras do mercado capitalista. Nessa perspectiva, pode-se
pensar num cenário desolador onde a escola, enquanto instituição emancipadora e
integral, chega a um limite muito próximo do seu fim. Mas será?!
3
- CONSIDERAÇÕES FINAIS
Está
claro que muitos modelos de educação, cooptado pela lógica capitalista, que
muda a consciência do tempo e suas consequência, que força à uma tendência
consumista e usa mecanismos de poder para determinar as tendências mercadológicas,
ao invés de emancipar o educando o subtrai a um objeto, a um número ou a uma
estatística, ou seja, determinados modelos de educação parecem coisificar o
sujeito, roubando-lhes sua adolescência, sua juventude em troca de uma
escolarização pautada em um futuro construído pelo mercado. Na verdade há,
nestes modelos e propostas educativas, uma deturpação conceitual e prática do
que realmente deve ser a educação.
Em
todo caso, a própria pedagogia, enquanto ciência da educação, pode apontar
caminhos emancipatórios para o processo educativo, na medida em que pensa
teorias e práticas pedagógicas que rompam com essa tendência coisificatória do sujeito do
conhecimento, seja ele educador ou educando, a partir dos modelos deturpados ou
dos mecanismos capitalistas apresentados neste trabalho. Há, todavia, a
necessidade de uma análise que antecipe a prática pedagógica, ela que
possibilitará a identificação das influencias sociais no modelo de educação
adotado e que determinará o que precisa ser mudado ou criado, seja como prática
ou proposta pedagógica, para uma educação socialmente emancipadora e humanamente
libertadora.
REFERÊNCIAS
BENJAMIN,
Walter. Passagens. Trad. de Irene Aron. Belo Horizonte: Editora da UFMG, 2006.
BAUMAN,
Zygmunt. Tempos líquidos. Rio de
Janeiro: Jorge Zahar, 2007.
FOUCAULT,
Michel. Vigiar e Punir. Rio de
Janeiro: Editora Vozes, 1998.
GERMINAL.
Direção de Claúde Berri. Estados Unidos:
[S. n.], 1993. 160 min. Tema: baseado na obra homônima de ZOLA
HEGEL,
G. W. F. Fenomenologia do Espírito. Tradução
de Paulo Meneses. 3 ed. Petrópolis: Vozes, 2005.
MARX,
Karl. e ENGELS, Fdriedrich. Manifesto do
Partido Comunista. Instituto José Luiz e Rosa Sundermann. Edição
Eletrônica. Disponível in.: http://www.pstu.org.br/sites/default/files/biblioteca/marx_engels_manifesto.pdf Acesso:
22/09/2014.
SOCIEDADE
DOS POETAS MORTOS. Direção: Peter Weir. EUA, 1989. 1 DVD. (129 min), son., color.
TEMPOS
MODERNOS (Modern Times). EUA 1936. Direção: Charles Chaplin. 87 min. preto e branco. Continental.
[2] Germinal é um filme produzido
pela França, em 1993, do gênero épico baseado no romance homônimo de Émile
Zola, e dirigido por Claude Berri. O filme aborda os movimentos grevistas de um
grupo de mineiros no norte da França do século XIX contra a exploração de que
são vítimas. Entretanto, ao se levantarem contra o sistema, passam serem alvos
da repressão das autoridades.
[3] É um filme de 1936 dos Estados
Unidos do cineasta Charles Chaplin, em que o seu famoso personagem "O
Vagabundo" tenta sobreviver em meio ao mundo moderno e industrializado. É
considerado uma forte crítica ao capitalismo, bem como uma crítica aos maus
tratos que os empregados passaram a receber depois da Revolução Industrial.
Nesse filme Chaplin quis passar uma mensagem social. Cada cena é trabalhada
para que a mensagem chegue verdadeiramente tal qual seja. E nada parece
escapar: máquina tomando o lugar dos homens, as facilidades que levam a
criminalidade, a escravidão. O amor também surge, mas surge quase paternal: o
de um vagabundo por uma menina de rua.
[4] A dialética do senhor e do
escravo, é uma conhecida parábola encontrada no Início da obra “Fenomenologia
do Espírito” de G. W. Friedrich Hegel (1770 – 1831) e mostra como na
consciência-de-si se estabelece uma relação de servidão e senhorio da condição
humana em suas diversas manifestações: sociais, religiosas, culturais, etc.
[5] Considere “Espírito” aqui na sua
compreensão filosófica e não simplesmente espiritual.
[6] O filme retrata a história de um
professor (Keating, interpretado por Robin Willians) de uma escola preparatória
para jovens, na qual predominavam valores tradicionais e conservadores. Com o
seu talento e sabedoria, Keating inspira os seus alunos a perseguir as suas
paixões individuais e tornar as suas vidas extraordinárias. O filme mostra
também que em certa altura da vida, as pessoas, em especial os jovens educandos,
deveriam opor-se, contestar, gritar e sobretudo ser "livres
pensadores", e não deixar que ninguém e nenhuma instituição condicionem a sua
maneira de pensar.
[7] BAUMAN. Tempos líquidos. Pág. 07.
[8] BENJAMIN, Walter. Passagens.
[9] FOUCAULT, Michel. Vigiar e Punir. Pág. 183.