quinta-feira, 25 de setembro de 2014

EDUCAÇÃO E SOCIEDADE: Tempo, Consumo e Poder.

RESUMO

O presente estudo trata de uma análise do binômio Educação e Sociedade, expondo as características da sociedade ocidental construída, desde as suas raízes, sob lógicas que culminarão no capitalismo. Dentre os elementos sociais da sociedade capitalista abordar-se-á: a mudança na consciência de tempo; a questão do consumo; e a determinação de relações de poder. Evidentemente, cada um desses recortes sociais com um referencial teórico previamente escolhido. A partir disso, em cada um desses elementos sociais, se mostrará como os mesmos influenciam nas práticas pedagógicas e nos modelos de educação adotados, concluindo com uma observação propositiva e emancipatória em que se tentará dar uma resposta às conclusões desencadeadas pela análise feita.

Palavras–chave: Educação. Sociedade. Consumo. Poder.

 1 - INTRODUÇÃO

Para os povos ocidentais, pauta-os uma estrutura social marcada por constantes transformações. Suas raízes mais primitivas são formadas pelo nomadismo. As primeiras civilizações ocidentais são exemplos de uma formatação social que não é cristalizada no tempo e no espaço. Assim aconteceu com a Grécia e com Roma, as duas culturas que, mais radical e visivelmente, forjaram esta identidade ocidental, a tal ponto de quase desaparecer as raízes locais ameríndias dos povos latino-americanos, tão marcados pelas civilizações pré-colombianas, problema que demandaria uma análise particular, esta que fugiria dos objetivos deste presente texto. Em todo caso, o destino das chamadas sociedades ocidentais foi bem outro...
O chamado ocidente é radicalmente definido pelas complexas relações culturais, econômicos, históricas que tem seu centro geográfico a Europa. Nela, impérios e monarquias foram forjados e derrubados, cidades e países foram fundados, governos foram inventados. Muitos eventos comprovam essa capacidade transformadora da civilização ocidental europeia. Da revolução agrária até a revolução industrial há um fio condutor capaz de mostrar traços essenciais desta cultura. Este fio condutor, desde a antiguidade até os dias atuais, pode ser compreendido de muitas formas, a partir de muitos enfoques epistemológicos ou leituras sociológicas. Dentre elas, está leitura marxista. Karl Marx afirma:

A história de toda sociedade existente até hoje tem sido a história das lutas de classes. Homem livre e escravo, patrício e plebeu, senhor e servo, mestre de corporação companheiro, numa palavra, o opressor e o oprimido permaneceram em constante oposição um ao outro, levada a efeito numa guerra ininterrupta, ora disfarçada, ora aberta, que terminou, cada vez, ou pela reconstituição revolucionária de toda a sociedade ou pela destruição das classes em conflito.[1]

A luta de classes, portanto, é este fio condutor que marca a cultura ocidental segundo a interpretação marxista. Através dela o capitalismo, enquanto sistema social, se consolidará e marcará radicalmente as sociedades europeias ocidentais e americanas. É o que está cinematograficamente registrado nas obras “Germinal[2] e “Tempos Modernos[3]. A luta de classes define as relações, das mais elementares às mais complexas. Desde o surgimento da propriedade privada, da configuração dos sistemas comerciais, das primeiras formas de governo, que se podem encontrar nas raízes das sociedades ocidentais, tudo está impregnado pela tensão dialética entre duas classes que se confrontam mutuamente. No ambiente da fábrica, ampliado em larga escala pela revolução industrial, a relação de forças entre patrão e empregado é escancarada. Mais do que isso, extrapola os limites interior da fábrica, questão muito bem abordada em ambos os filmes citados anteriormente. A compressão dialética filosófica por traz do argumento de Marx, influenciado pela Dialética do Senhor e do Escravo de Hegel[4], sugere que esse conflito dentro da relação entre senhor e servo se revela radicalmente visível na fábrica, pois esta potencializou o que se passava, há muito tempo, dentro do próprio espírito[5] humano. Isto é, o capitalismo como potencializar das relações sociais criadas no ambiente fabril extrapola os limites da fábrica para se estabelecer e influenciar os diversos espaços e segmentos da sociedade moderna, inclusive os espaços humanos, entre eles o espaço onde as relações educacionais acontecem, particularmente no ambiente escolar.


2. DESENVOLVIMENTO

            Assim, o capitalismo, enquanto sistema econômico e social vai imprimindo muitas marcas nos diversos âmbitos das sociedades modernas ocidentais, mudando comportamentos, mudando as formas de relações entre as pessoas, entre as pessoas e as coisas, entre as pessoas e ambiente em que vivem. Dentre essas marcas destacar-se-á: primeiro, a mudança na consciência de tempo; segundo, as relações pautadas pelo consumo; e, terceiro, as relações de poder estabelecidas no contexto abordado. Ao mesmo tempo em que se buscará compreender como essas marcas influenciam no ambiente escolar. Essa influência parece estar tão evidente e comprometedora que fala-se, por causa dela, de um modelo de educação Tradicional e outro Moderno. Mas, até que ponto, a escola moderna carrega, em si, os valores positivos que a expressão “moderna” carrega em si? O filme Sociedade dos Poetas Mortos[6] mostra, de forma brilhante, essa relação de ambiguidade presente no ambiente escola, ou seja, em muitos casos se deposita uma expectativa, em relação à função da escola, que descaracteriza sua identidade emancipadora, pois tais expectativas estão permeadas daquelas marcas da sociedade capitalista, reduzindo a escola a uma mera instituição que apenas produz resultados e alimenta a competição desenfreada.


2.1. - MUDANÇA NA CONSCIÊNCIA DE TEMPO

É comum nas sociedades chamadas modernas ou pós-modernas se ouvir a impressão de que os dias, meses ou anos, cada vez mais, parecem se tornar menores ou mais rápidos, como se o tempo fosse uma realidade relativa. Mas será que o tempo é realmente quem muda? Obviamente que não, mas algo dentro das pessoas tem possibilitado essa impressão, então são elas que parecem mudar. Sim, não é o tempo que muda, mas a consciência dele que se altera. E se altera porque a quantidade de coisas que o ser humano fazia em um determinado espaço de tempo há dez anos, não é a mesma de hoje. As demandas sociais, as preocupações humanas, enfim, tudo aquilo que alimenta a consciência e a vida dos indivíduos hoje parece ser vivida de forma muito mais intensa. A lógica capitalista da produção possibilita isso. O importante é a quantidade de coisas que se produz, e quanto mais produzir “melhor”. Enquanto isso o sentido da vida humana vai sendo determinada pela quantidade de coisas que se faz e não mais pela qualidade do que se faz. Por isso o tempo parece mudar, enquanto na verdade quem muda é o próprio ser humano quando se estufa de coisas que deve ser feita na maior quantidade possível e no menor espaço de tempo provável. É o que alerta Bauman ao sugerir que a modernidade, motivada por uma série de fatores sociais, se torna líquida, o tempo mais volúvel e relativo. Em contrapartida, valores são invertidos, o que era importante se torna relativo, o que era relativo se torna absolto.

Em primeiro lugar, a passagem da fase “sólida” da modernidade para a “líquida” – ou seja, para uma condição em que as organizações sociais (estruturas que limitam as escolhas individuais, instituições que asseguram a repetição de rotinas, padrões de comportamento aceitável) não podem mais manter sua forma por muito tempo (nem se espera que o façam), pois se decompõem e se dissolvem mais rápido que o tempo que leva para moldá-las e, uma vez reorganizadas, para que se estabeleçam.[7]

No ambiente escolar, principalmente em determinados modelos de escola, essa lógica capitalista de mudança da consciência do tempo também parece estar presente de formas bem específicas. Observe-se a proposta curricular pedagógica que, em muitas ocasiões, somente tem a função de encher o educando de conteúdo, sem uma preocupação integral em relação à forma como aquele determinado conteúdo é transmitido. O educando, nesse modelo de educação, se converte em um espectador, passivo, determinado por aquilo que recebe porque sabe que quanto mais receber melhor será. Percebe-se uma lógica programada, dentro do processo educativo, onde a inversão de valores que, até então, eram fundamentais no processo educativo, é substituído pela necessidade de acúmulo, ou seja, de consumo.


2.2. - O CONSUMO COMO CRITÉRIO EDUCATIVO

Para Walter Benjamin[8], na sociedade capitalista, o consumo é visto como determinador do tempo. A lógica consumista devora o tempo, onde tudo deve ser feito no instante imediato, o mais rápido possível e na maior quantidade prevista. Em um contexto como esses, não se abre espaço para a memória, para o processo qualitativo das coisas e da vida e isso tem a ver com consumo na medida em que se percebe como o capitalismo produz uma infinidade enorme de mercadorias, de produtos, uma multiplicação de coisas que precisam ser consumidas. Mas essa multiplicação de produtos está subordinada à multiplicação de facilidades e benefícios. Por isso que os sujeitos são impulsionados a consumir vorazmente. Porém, nesse consumo, produz-se realmente uma anulação e uma destruição da experiência concreta, do instante, porque a relação que o sujeito estabelece com a realidade por meio do consumo está marcada por essa liquidez, por essa relativização, por essa transitoriedade, consequentemente, por uma falta de sentido que não parece ser preenchida com qualquer quantidade de bens e recursos que se consome.
A escola, evidentemente, é reflexo dessa lógica de consumo e suas consequências no processo educativo dos educandos, independentemente de qual classe social eles pertençam. Basta olhar, comparando com um passado não tão distante, para as motivações que rondam os afetos do educando para estarem na escola. É, em certa medida, generalizada a incapacidade do educando de perceber sentido (para não dizer interesse) na atividade educativa que envolve sua vida escolar. E essa realidade, em muitos modelos escolares, é o reflexo de uma proposta curricular pouco atraente para as necessidades existenciais do educando ou de uma proposta pedagógica funcionalista, reducionista e, exatamente por isso, corporativista. Não basta, nesse sentido, somente consumir informações para um futuro determinado exclusivamente para o mercado profissional, pois corre-se o risco de reproduzir no processo educativo a mesma lógica competitiva e reducionista de um mercado marcada por relações de poder...


2.3. - A LÓGICA DO PODER NA EDUCAÇÃO CORPORATIVISTA

Michel Foucault pode ser considerado um dos grandes mestres da contemporaneidade no que diz respeito à análise das instituições sociais e suas influências sobre o indivíduo, pois ele parte do princípio de que grande parte dos sinais, valores e instituições criadas, produzidas dentro do contexto cultural capitalista são construídas, a partir da lógica da imposição de relações de poder, com uma função muito bem determinada, às vezes mascarada de liberdade e progresso: "As luzes que descobriram as liberdades inventaram também as disciplinas"[9]. A disciplina, portanto, é o recurso de controle das chamadas Sociedades Disciplinares, entre elas os hospitais, os hospícios, as penitenciárias, as fábricas e, surpreendentemente de forma mais eficaz, a escola.
Segundo a abordagem foucaultiana, a escola moderna, motivada pelos “valores” capitalistas, construiu física e intelectualmente uma estrutura que tem como objetivo primordial disciplinar corpos e mentes através de mecanismos disciplinares, normas, regras, leis definidoras do que na sociedade passará a conhecer como “normal” e “anormal”. Por isso, no ambiente escolar o educando ou o educador que não se enquadrar nos limites propostos por esses mecanismos são considerados anormais ou incapazes. Constrói-se, assim, uma lógica competitiva determinada externamente pelo Estado ou pela instituição que gerencia ideológica e financeiramente determinado ambiente escolar, de acordo com interesses particularmente definidos, uma educação institucionalizada e corporativista.
Assim, o processo educativo se subordina à tendência social e econômica de determinado estado ou instituição. A própria proposta curricular, a postura do educador é definida e reduzida através de normas particularmente afinadas com a tendência corporativista da instituição, definindo metas, resultados pautados nessa mesma lógica que instrumentaliza as relações educativas. Se o educando (e evidentemente o educador) não alcança aquele resultado ele é carimbado com o estigma da anormalidade, da incapacidade intelectual. Por isso o recurso da competição como ultima saída encontrada pelo educando e pelo educador para corresponder às expectativas definidoras do mercado capitalista. Nessa perspectiva, pode-se pensar num cenário desolador onde a escola, enquanto instituição emancipadora e integral, chega a um limite muito próximo do seu fim. Mas será?!


3 - CONSIDERAÇÕES FINAIS

            Está claro que muitos modelos de educação, cooptado pela lógica capitalista, que muda a consciência do tempo e suas consequência, que força à uma tendência consumista e usa mecanismos de poder para determinar as tendências mercadológicas, ao invés de emancipar o educando o subtrai a um objeto, a um número ou a uma estatística, ou seja, determinados modelos de educação parecem coisificar o sujeito, roubando-lhes sua adolescência, sua juventude em troca de uma escolarização pautada em um futuro construído pelo mercado. Na verdade há, nestes modelos e propostas educativas, uma deturpação conceitual e prática do que realmente deve ser a educação.
            Em todo caso, a própria pedagogia, enquanto ciência da educação, pode apontar caminhos emancipatórios para o processo educativo, na medida em que pensa teorias e práticas pedagógicas que rompam com essa tendência coisificatória do sujeito do conhecimento, seja ele educador ou educando, a partir dos modelos deturpados ou dos mecanismos capitalistas apresentados neste trabalho. Há, todavia, a necessidade de uma análise que antecipe a prática pedagógica, ela que possibilitará a identificação das influencias sociais no modelo de educação adotado e que determinará o que precisa ser mudado ou criado, seja como prática ou proposta pedagógica, para uma educação socialmente emancipadora e humanamente libertadora.
           
           










REFERÊNCIAS


BENJAMIN, Walter. Passagens. Trad. de Irene Aron. Belo Horizonte: Editora da UFMG, 2006.


BAUMAN, Zygmunt. Tempos líquidos. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2007.


FOUCAULT, Michel. Vigiar e Punir. Rio de Janeiro: Editora Vozes, 1998.


GERMINAL. Direção de Claúde Berri. Estados Unidos: [S. n.], 1993. 160 min. Tema: baseado na obra homônima de ZOLA


HEGEL, G. W. F. Fenomenologia do Espírito. Tradução de Paulo Meneses. 3 ed. Petrópolis: Vozes, 2005.


MARX, Karl. e ENGELS, Fdriedrich. Manifesto do Partido Comunista. Instituto José Luiz e Rosa Sundermann. Edição Eletrônica. Disponível in.: http://www.pstu.org.br/sites/default/files/biblioteca/marx_engels_manifesto.pdf Acesso: 22/09/2014.


SOCIEDADE DOS POETAS MORTOS. Direção: Peter Weir. EUA, 1989. 1 DVD. (129 min), son., color.


TEMPOS MODERNOS (Modern Times). EUA 1936. Direção: Charles Chaplin. 87 min. preto e branco. Continental.




[1] MARX, Karl. e ENGELS, Friedrich. Manifesto do Partido Comunista. Pág. 26.
[2] Germinal é um filme produzido pela França, em 1993, do gênero épico baseado no romance homônimo de Émile Zola, e dirigido por Claude Berri. O filme aborda os movimentos grevistas de um grupo de mineiros no norte da França do século XIX contra a exploração de que são vítimas. Entretanto, ao se levantarem contra o sistema, passam serem alvos da repressão das autoridades.
[3] É um filme de 1936 dos Estados Unidos do cineasta Charles Chaplin, em que o seu famoso personagem "O Vagabundo" tenta sobreviver em meio ao mundo moderno e industrializado. É considerado uma forte crítica ao capitalismo, bem como uma crítica aos maus tratos que os empregados passaram a receber depois da Revolução Industrial. Nesse filme Chaplin quis passar uma mensagem social. Cada cena é trabalhada para que a mensagem chegue verdadeiramente tal qual seja. E nada parece escapar: máquina tomando o lugar dos homens, as facilidades que levam a criminalidade, a escravidão. O amor também surge, mas surge quase paternal: o de um vagabundo por uma menina de rua.
[4] A dialética do senhor e do escravo, é uma conhecida parábola encontrada no Início da obra “Fenomenologia do Espírito” de G. W. Friedrich Hegel (1770 – 1831) e mostra como na consciência-de-si se estabelece uma relação de servidão e senhorio da condição humana em suas diversas manifestações: sociais, religiosas, culturais, etc.
[5] Considere “Espírito” aqui na sua compreensão filosófica e não simplesmente espiritual.
[6] O filme retrata a história de um professor (Keating, interpretado por Robin Willians) de uma escola preparatória para jovens, na qual predominavam valores tradicionais e conservadores. Com o seu talento e sabedoria, Keating inspira os seus alunos a perseguir as suas paixões individuais e tornar as suas vidas extraordinárias. O filme mostra também que em certa altura da vida, as pessoas, em especial os jovens educandos, deveriam opor-se, contestar, gritar e sobretudo ser "livres pensadores", e não deixar que ninguém e nenhuma instituição condicionem a sua maneira de pensar.
[7] BAUMAN. Tempos líquidos. Pág. 07.
[8] BENJAMIN, Walter. Passagens.
[9] FOUCAULT, Michel. Vigiar e Punir. Pág. 183.

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