RESUMO
O
presente artigo que mostrar, de forma sucinta, a relação existente entre
tecnologia e educação, particularmente na prática educativa do ensino da
Filosofia na Educação Básica, voltada para o Ensino Médio. Estabelecerá uma
distinção entre saber teórico/conceitual e saber prático da Filosofia e como
ambos são influenciados pela tecnologia. Assim, apontará as contribuições e os
desafios nesta relação de mútua influência entre educação e tecnologia. Ao
final, concluirá como a tecnologia, no ensino da Filosofia, desponta como
integradora das duas formas de saberes presentes na Filosofia.
Palavras–chave: Educação. Tecnologia. Filosofia. Ensino
Médio. Saber Teórico/Conceitual. Saber prático.
ABSTRACT
This article
show, briefly, the relationship between technology and education, particularly
in the educational practice of teaching Philosophy in Primary Education, aimed
at the high school. Establish a distinction between knowing theoretical /
conceptual and practical knowledge of philosophy and how both are influenced by
technology. Thus, appoint the contributions and challenges in this relationship
of mutual influence between education and technology. At the end, conclude how
technology, in teaching Philosophy, emerges as integrating the two forms of
knowledge present in Philosophy.
Keywords: Education.
Technology. Philosophy. Secondary school. Knowing Theoretical/Conceptual. Practical knowledge.
1
- INTRODUÇÃO
A filosofia, enquanto
disciplina do conhecimento, retornou à grade curricular do ensino médio em 1996,
através da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB), que coloca
como exigência, ao final do ensino básico, que o educando seja capaz de
demonstrar “domínio dos conhecimentos de
Filosofia e de Sociologia necessários ao exercício da cidadania.”[1] Desde
então uma série de publicações pedagógicas, tanto direcionadas a educandos
quanto a educadores, inauguraram um debate, ainda em aberto, sobre a “função”
do ensino da Filosofia, na educação básica (particularmente no Ensino Médio),
em dois aspectos fundamentais para o seu processo de aprendizado: o teórico/conceitual
e o prático.
Historicamente a Filosofia
se revelou como uma área do conhecimento que tem uma exigência clara de
interpretação e formação conceitual. Não é possível aprender, praticar e viver
a Filosofia se não há uma postura rigorosa de assimilação conceitual a partir
de leitura e sistematização teórica. Ao mesmo tempo, sem uma adaptação prática
da sistematização teórica proporcionada pela Filosofia, corre-se o risco de
transformar o estudo da Filosofia em mera especulação teórica, sem vinculações
concretas com o contexto cultural, social e político que rodeia a vida do
educando.
É neste contexto que se
insere uma reflexão que tenta relacionar o uso da tecnologia na educação
voltada para o ensino da Filosofia no âmbito proposto. É possível que a
tecnologia ajude a suprir essas duas exigências, em muitos casos antagônicas,
do ensino da Filosofia? A busca pela relação de contribuições e desafios que
norteiam o uso da tecnologia no ensino da Filosofia é o objeto de investigação
deste texto.
2.
DESENVOLVIMENTO
A tecnologia tem
possibilitado uma infinidade de práticas pedagógicas ao educador de hoje.
Pierre Lévy tem afirmado com insistência que a técnica ocupa um lugar
privilegiado no processo de assimilação e transformação do mundo pelo ser
humano. Evidentemente, a educação como fator milenar da construção das
subjetividades, não escapa à influência da técnica. Na verdade, a potencializa.
Porém, nem sempre o uso dos recursos tecnológicos foi visto com tanta aceitação
e simpatia por todos os educadores. No campo da educação filosófica não é
diferente. Talvez seja exatamente nele que as oposições fiquem mais claras e
evidentes.
2.1. Papel teórico/conceitual da filosofia na
educação.
Há um consenso, mais ou
menos generalizado entre os educadores da filosofia, de que esta disciplina,
dentro de um processo educativo, tem características particulares em relação a
outras disciplinas. E isso se dá pelo fato de que a Filosofia não é somente um
corpo teórico de conteúdos, mas, antes de tudo, uma atitude, como foi sugerido
por Platão em sua “Alegoria da Caverna”[2].
Nesse sentido, pode-se
pensar a Filosofia não como algo que se aprende, mas com uma atitude ou como
algo que se prática. Evidentemente, há uma estrutura teórica formal que,
historicamente, foi sendo construída, desde seu surgimento, na Grécia antiga,
se estendendo até os dias de hoje e que precisa se compartilhada com o
educando. Esse aspecto puramente teórico da Filosofia é tão necessário quanto
fundamental para o processo de seu aprendizado. O educando precisa conhecer o
que determinado filósofo disse, de que forma ele disse e como chegou àquelas
conclusões. Ora, nem sempre é fácil, em uma estrutura escolar massificada, como
é a educação básica brasileira, exigir dos educandos a rigorosidade teórica que
determinadas disciplinas pedem, entre elas a Filosofia. E, exatamente por isso,
o desafio se amplia para a necessidade de uma prática didática e educativa que
supra essa carência conceitual/teórica que ronda a educação básica brasileira.
"O problema da 'filosofia
para todos', dentro de certos limites, não é unicamente teórico, mas um problema
didático e educativo do nosso tempo: põe as instituições educativas e todos os
professores de filosofia diante da questão de mediar a riqueza de uma tradição
e de uma prática cultural de massa dos jovens alunos. Se o encontro da cultura
com a massa na escola coloca problemas enormes, pois bem, esse é o 'destino que
nos cabe', esses são os jovens que temos que nos haver."[3]
2.1.1. Contribuições
da tecnologia no processo educativo de assimilação e elaboração
teórico/conceitual filosófica.
Impressiona a quantidade
de recursos tecnológicos que se mostram à disposição do educador de hoje,
principalmente com o advento da revolução digital proporcionada pela computação
gráfica e pela internet. A informação ou determinado conteúdo, por vezes
difícil de ser encontrado, hoje é disponibilizado e acessado facilmente de
forma digital. Além disso, recursos pedagógicos, até então restritos a um
pequeno grupo de educadores, hoje pode ser acessado e compartilhado de forma
massiva.
Olhe-se, como exemplo,
a plataforma de vídeos conhecida como Youtube[4],
de onde se pode tirar uma infinidade de opiniões e resumos esquemáticos de
determinados conteúdos filosóficos, até então ocultos e inacessíveis ao público
leigo massificado.
Outro recurso
pedagógico facilitado pela tecnologia é a exposição do conteúdo, potencializado
pela integração entre computador e projetor. Antes, um conteúdo que era
transmitido de forma cansativa e enfadonha pelo professor, hoje pode ser
exposto de forma dinâmica e até prazerosa para o educando. O fato é que, não só
a tecnologia, mas suas rápidas transformações tem mudado radicalmente a forma
como se compreende, se pratica e se vive o processo educativo. E no ambiente
acadêmico filosófico, onde o conteúdo foi, por muito tempo, oferecido como
privilégio de poucos, a simplificação e adaptação do conteúdo à realidade de
quem aprende nem sempre foi aceita de forma hegemônica.
2.1.2. Desafios
da tecnologia no processo educativo de assimilação e elaboração
teórico/conceitual filosófico.
É evidente que nem
todos os educadores olham com bons olhos para as transformações radicais que as
tecnologias têm causado na educação. Há aqueles que se posicionam de forma
critica e, por vezes, contrária. É claro que dentro do ambiente acadêmico e
educativo da Filosofia isso não poderia ser diferente.
A exigência da
filosofia por um saber rigoroso que se assente em bases teóricas pode ser
comprometida pelo excesso e ausência de critérios na simplificação do conteúdo.
Aqui, talvez, resida o seu maior desafio. Isto é, conciliar qualidade e
profundidade de conteúdo com uma didática que facilite a compreensão sem que,
para isso, precise-se ser menos qualitativo no aspecto teórico.
"Por acaso
devemos nos envergonhar de traduzir em termos simples, para quem quer que
queira aprender, os grandes problemas filosóficos da vida? Devemos por acaso
nos envergonhar de oferecer aos nossos alunos o arsenal dos filósofos para
discuti-los e elaborar estratégias de resolução de modo criativo, livre?"[5]
2.2. Papel prático da filosofia na educação.
Ao longo de sua
história, particularmente em determinados momentos na Grécia antiga, a Filosofia
surge e desponta com uma finalidade prática, radicalmente ligada à vida
política e/ou pública.
A busca pelo
conhecimento estava associada a uma vida melhor, comprometida com a coisa
pública ou da cidade (Polis). Por
isso, segundo Aristóteles o papel do filósofo é fundamentalmente o de ensinar a
ser um bom cidadão. A Filosofia, já desde os seus primórdios, está associada à
uma educação prática. Exatamente por isso, talvez, a nova Lei de Diretrizes e
Bases da Educação Brasileira reconhece como função do aprendizado da disciplina
Filosofia o exercício da cidadania.
2.2.1 Contribuições
da tecnologia no processo educativo de assimilação e exercício prático da
Filosofia.
A tecnologia nasce da
cultura, da vida do próprio ser humano. É incoerente pensá-la de forma
estritamente objetiva, neutra e alheia ao mundo, à cultura habitada e
transformada pela experiência dinâmica e transformadora do saber humano.
"Se tomarmos como referência
os três tempos do espírito propostos por Pierre Levy no livro As tecnologias da
inteligência, os impressos encontram-se no segundo tempo, ocupando um lugar simultâneo
com a escrita. É graças à escrita que se rompe o tempo circular do mundo da
oralidade e se estabelece o tempo linear, histórico, em que as proposições não
precisam mais ser periodicamente retomadas, encenadas, mitificadas, para chegar
às novas gerações, incorporando-se à cultura."[6]
Não é de se admirar que
as maiores transformações sociais de nosso tempo tiveram a tecnologia como
potencializadora das mesmas. Olhem-se recentemente as grandes manifestações que
aconteceram em diversos países do mundo, incluindo o Brasil, seja protestando
contra governos ou exigindo novas formas de governabilidade. A grande maioria
delas nasceu por causa de uma nova consciência social adquirida não mais
através das formas tradicionais de conhecimento e informação, mas agora através
das novas mídias digitais, como as chamadas Redes Sociais. É inevitável que as
grandes transformações tecnológicas não interfiram nos processos culturais e
sociais deste tempo.
“Na época atual, a técnica é uma
das dimensões fundamentais onde está em joga a transformação do mundo humano
por ele mesmo. A incidência cada vez mais pregnante das realidades
tecnoeconômicas sobre todos os aspectos da vida social, e também os deslocamentos
menos visíveis que ocorrem na esfera intelectual obrigam-nos a reconhecer a
técnica como um dos mais importantes temas filosóficos e políticos de nosso
tempo. Ora, somos forcados a constatar o distanciamento alucinante entre a
natureza dos problemas colocados à coletividade humana pela situação mundial da
evolução técnica e o estado do debate ‘coletivo’ sobre o assunto, ou antes do
debate mediático.”[7] Pág. 4.
Como aponta,
corretamente, Lévy, as grandes transformações tecnicistas estão
indiscutivelmente influenciadas pela cultura e sociedade a qual ela está
inserida, e vice-versa, produzindo uma cadeia de transformações que tem o ser
humano como protagonista principal, ao mesmo tempo em que também participante
desse processo de transformação pela própria consciência humana, através da
educação.
No limiar deste
processo incerto e revolucionário de transformações sociais, onde a quantidade
de mudanças se assemelha à rapidez com elas acontecem, a Filosofia possibilita
um saber diferenciado, quando outras formas de saberes não oferecem. O saber
prático possibilitado pela Filosofia não deve e pode ser superficial, ele deve
possibilitar ao educando e ao educador olhar com a mesma rigorosidade teórica
para a prática onde as coisas da vida acontecem. Deve ser capaz de integrar
síntese e reflexão do mundo oferecido pela tecnologia, em uma relação de
interpretação onde o conhecimento acontece.
2.2.2 Desafios
da tecnologia na assimilação prática do estudo da filosofia.
Há desafios, porém, que precisam ser superados quando se
trata da relação de influência da tecnologia nos processos educacionais
oferecidos pela prática filosófica. Um deles é a massificação das informações
possibilitada pelas (novas) tecnologias. A massificação em si não é
problemática, porém ela causa uma superficialização de posturas, muitas vezes
incoerente com a realidade, devido à gigantesca quantidade de opiniões, muitas
delas sem uma reflexão prévia séria. Nesse sentido, na prática docente do ensino
da filosofia, quando se reflete sobre um assunto da realidade da vida do
educando, corre-se o risco de as opiniões ficarem no nível da postura
superficial, motivada pela caótica teia de informações oferecidas pelos meios
de comunicações tecnológicos.
Particularmente, as redes sociais, ao mesmo tempo em que se
revelam ferramentas impressionantes de comunicação e partilha de conteúdo, pode
também superficializar a absorção de determinados conteúdos, principalmente os
mais socialmente polêmicos, como política e religião. Esse desafio compromete o
processo educativo, tanto de quem está na posição de educador, quanto de quem é
educando.
3
- CONSIDERAÇÕES FINAIS
3.1 A tecnologia como fator de integração das
exigências teórico/conceitual e prática.
O ambiente educacional é um espaço de vivência de saberes
entre pessoas e, como tal, possibilita também vivência de desafios e
potencialidades. Em muitos casos os desafios são considerados como retrocesso
no processo educativo. Outros vivem a experiência que desafia, como uma
possibilidade de crescimento, ou seja, o desafio potencializa o conhecimento.
Exatamente isso que parece acontecer com os desafios apresentados, até aqui, na
prática educativa do ensino da Filosofia na educação básica do Ensino Médio. As
potencialidades possibilitadas pelos desafios se apresentam, na verdade, como
uma forma de integração das duas exigências próprias da disciplina filosófica.
O desafio de fazer com que a exigência conceitual/teórica da
Filosofia seja garantida no processo educativo com qualidade se torna
potencializado pela tecnologia na medida em que o educador consegue conciliar
profundidade teórica/conceitual com simplicidade e prazer. Pode-se ser profundo
teoricamente ao mesmo tempo em que pode-se ser simples e leve na exposição e
assimilação do conteúdo através do uso de uma ferramenta pedagógica tecnológica.
O desafio de fazer com que a exigência prática da filosofia
também não seja perdida pela superficialização de análise da realidade estudada,
pode ser potencializado a partir do momento em que o educador consegue
conciliar e integrar as diversas posições possibilitadas pela tecnologia,
fazendo com que elas sejam objeto da própria reflexão que construirá
conhecimento.
Entretanto, há de se reconhecer que essa integração, na
prática, nem sempre é fácil. O processo de inclusão da tecnologia no processo educativo,
em qualquer área do conhecimento que seja, ainda é um desafio a ser superado no
sistema brasileiro de educação. Não se pode pensar que a tecnologia, em si,
contém todo o aparato necessário para a transformação que a educação precisa.
Por trás da tecnologia ainda está a pessoa, o ser humano, educando e educador
como principais protagonistas de um processo educativo de qualidade e
verdadeiramente transformador.
“Uma coisa é
certa: vivemos hoje em uma destas épocas limítrofes na qual toda a antiga ordem
das representações e dos saberes oscila para dar lugar a imaginários, modos de
conhecimento e estilos de regulação social ainda pouco estabilizados. Vivemos
um destes raros momentos em que, a partir de uma nova configuração técnica,
quer dizer, de uma nova relação com o cosmos, um novo estilo de humanidade é
inventado.”[8]
REFERÊNCIAS
BRASIL,
Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996. Lei
de Diretrizes e Bases da Educação Nacional. Brasília,20 de dezembro de
1996.
LÉVY,
Pierre. As tecnologias da Inteligência.
Disponível em: <http://copyfight.me/Acervo/livros/LE%CC%81VY,%20Pierre.%20As%20Tecnologias%20da%20Intelige%CC%82ncia.pdf> Acessado
em: 05 de set. de 2014.
PLATÃO.
A república. Trad. de Enrico
Corvisieri. São Paulo: Nova Cultural, 1997.
RODRIGO,
Lidia Maria. Filosofia em sala de aula:
teoria e prática para o ensino médio. Campinas, SP: Autores Associados,
2009.
VIDAL,
Org. Heloísa Maia. Introdução a EAD,
Especialização. UAB/UECE. Fortaleza, CE.
[1] BRASIL, Lei nº 9.394, de 20 de
dezembro de 1996. Lei de Diretrizes e
Bases da Educação Nacional. p. 14.
[2] O Mito da Caverna, também
conhecido como “Alegoria da Caverna” é uma passagem do livro “A República” do
filósofo grego Platão. É mais uma alegoria do que propriamente um mito. É
considerada uma das mais importantes alegorias da história da Filosofia.
Através desta metáfora é possível conhecer uma importante teoria platônica:
como, através do conhecimento ou da atitude filosófica, é possível libertar-se
das amarras que prendem os seres humanos nas sombras dos seus pré-conceitos e
conhecer a verdade.
[3] Pasquale. In. RODRIGO, Lidia
Maria. Filosofia em sala de aula: teoria
e prática para o ensino médio. Campinas, SP: Autores Associados, 2009. Pág.
07.
[5]
Pasquale. In. RODRIGO,
Lidia Maria. Filosofia em sala de aula:
teoria e prática para o ensino médio. Campinas, SP: Autores Associados,
2009. Pág. 14-15.
[6] VIDAL, Org. Introdução a EAD, Especialização.
UAB/UECE. Fortaleza, CE.Pag. 33.
[7] LÉVY, Pierre. As tecnologias da Inteligência. Pág. 4.
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