sábado, 6 de setembro de 2014

ARTIGO - TECNOLOGIA E EDUCAÇÃO FILOSÓFICA NO ENSINO MÉDIO

RESUMO

O presente artigo que mostrar, de forma sucinta, a relação existente entre tecnologia e educação, particularmente na prática educativa do ensino da Filosofia na Educação Básica, voltada para o Ensino Médio. Estabelecerá uma distinção entre saber teórico/conceitual e saber prático da Filosofia e como ambos são influenciados pela tecnologia. Assim, apontará as contribuições e os desafios nesta relação de mútua influência entre educação e tecnologia. Ao final, concluirá como a tecnologia, no ensino da Filosofia, desponta como integradora das duas formas de saberes presentes na Filosofia.

Palavras–chave: Educação. Tecnologia. Filosofia. Ensino Médio. Saber Teórico/Conceitual. Saber prático.


ABSTRACT

This article show, briefly, the relationship between technology and education, particularly in the educational practice of teaching Philosophy in Primary Education, aimed at the high school. Establish a distinction between knowing theoretical / conceptual and practical knowledge of philosophy and how both are influenced by technology. Thus, appoint the contributions and challenges in this relationship of mutual influence between education and technology. At the end, conclude how technology, in teaching Philosophy, emerges as integrating the two forms of knowledge present in Philosophy.

Keywords: Education. Technology. Philosophy. Secondary school. Knowing Theoretical/Conceptual. Practical knowledge.



1 - INTRODUÇÃO

A filosofia, enquanto disciplina do conhecimento, retornou à grade curricular do ensino médio em 1996, através da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB), que coloca como exigência, ao final do ensino básico, que o educando seja capaz de demonstrar “domínio dos conhecimentos de Filosofia e de Sociologia necessários ao exercício da cidadania.”[1] Desde então uma série de publicações pedagógicas, tanto direcionadas a educandos quanto a educadores, inauguraram um debate, ainda em aberto, sobre a “função” do ensino da Filosofia, na educação básica (particularmente no Ensino Médio), em dois aspectos fundamentais para o seu processo de aprendizado: o teórico/conceitual e o prático.
Historicamente a Filosofia se revelou como uma área do conhecimento que tem uma exigência clara de interpretação e formação conceitual. Não é possível aprender, praticar e viver a Filosofia se não há uma postura rigorosa de assimilação conceitual a partir de leitura e sistematização teórica. Ao mesmo tempo, sem uma adaptação prática da sistematização teórica proporcionada pela Filosofia, corre-se o risco de transformar o estudo da Filosofia em mera especulação teórica, sem vinculações concretas com o contexto cultural, social e político que rodeia a vida do educando.
É neste contexto que se insere uma reflexão que tenta relacionar o uso da tecnologia na educação voltada para o ensino da Filosofia no âmbito proposto. É possível que a tecnologia ajude a suprir essas duas exigências, em muitos casos antagônicas, do ensino da Filosofia? A busca pela relação de contribuições e desafios que norteiam o uso da tecnologia no ensino da Filosofia é o objeto de investigação deste texto.


2. DESENVOLVIMENTO

A tecnologia tem possibilitado uma infinidade de práticas pedagógicas ao educador de hoje. Pierre Lévy tem afirmado com insistência que a técnica ocupa um lugar privilegiado no processo de assimilação e transformação do mundo pelo ser humano. Evidentemente, a educação como fator milenar da construção das subjetividades, não escapa à influência da técnica. Na verdade, a potencializa. Porém, nem sempre o uso dos recursos tecnológicos foi visto com tanta aceitação e simpatia por todos os educadores. No campo da educação filosófica não é diferente. Talvez seja exatamente nele que as oposições fiquem mais claras e evidentes.

2.1. Papel teórico/conceitual da filosofia na educação.

Há um consenso, mais ou menos generalizado entre os educadores da filosofia, de que esta disciplina, dentro de um processo educativo, tem características particulares em relação a outras disciplinas. E isso se dá pelo fato de que a Filosofia não é somente um corpo teórico de conteúdos, mas, antes de tudo, uma atitude, como foi sugerido por Platão em sua “Alegoria da Caverna”[2].
Nesse sentido, pode-se pensar a Filosofia não como algo que se aprende, mas com uma atitude ou como algo que se prática. Evidentemente, há uma estrutura teórica formal que, historicamente, foi sendo construída, desde seu surgimento, na Grécia antiga, se estendendo até os dias de hoje e que precisa se compartilhada com o educando. Esse aspecto puramente teórico da Filosofia é tão necessário quanto fundamental para o processo de seu aprendizado. O educando precisa conhecer o que determinado filósofo disse, de que forma ele disse e como chegou àquelas conclusões. Ora, nem sempre é fácil, em uma estrutura escolar massificada, como é a educação básica brasileira, exigir dos educandos a rigorosidade teórica que determinadas disciplinas pedem, entre elas a Filosofia. E, exatamente por isso, o desafio se amplia para a necessidade de uma prática didática e educativa que supra essa carência conceitual/teórica que ronda a educação básica brasileira.

"O problema da 'filosofia para todos', dentro de certos limites, não é unicamente teórico, mas um problema didático e educativo do nosso tempo: põe as instituições educativas e todos os professores de filosofia diante da questão de mediar a riqueza de uma tradição e de uma prática cultural de massa dos jovens alunos. Se o encontro da cultura com a massa na escola coloca problemas enormes, pois bem, esse é o 'destino que nos cabe', esses são os jovens que temos que nos haver."[3]


2.1.1. Contribuições da tecnologia no processo educativo de assimilação e elaboração teórico/conceitual filosófica.

Impressiona a quantidade de recursos tecnológicos que se mostram à disposição do educador de hoje, principalmente com o advento da revolução digital proporcionada pela computação gráfica e pela internet. A informação ou determinado conteúdo, por vezes difícil de ser encontrado, hoje é disponibilizado e acessado facilmente de forma digital. Além disso, recursos pedagógicos, até então restritos a um pequeno grupo de educadores, hoje pode ser acessado e compartilhado de forma massiva.
Olhe-se, como exemplo, a plataforma de vídeos conhecida como Youtube[4], de onde se pode tirar uma infinidade de opiniões e resumos esquemáticos de determinados conteúdos filosóficos, até então ocultos e inacessíveis ao público leigo massificado.
Outro recurso pedagógico facilitado pela tecnologia é a exposição do conteúdo, potencializado pela integração entre computador e projetor. Antes, um conteúdo que era transmitido de forma cansativa e enfadonha pelo professor, hoje pode ser exposto de forma dinâmica e até prazerosa para o educando. O fato é que, não só a tecnologia, mas suas rápidas transformações tem mudado radicalmente a forma como se compreende, se pratica e se vive o processo educativo. E no ambiente acadêmico filosófico, onde o conteúdo foi, por muito tempo, oferecido como privilégio de poucos, a simplificação e adaptação do conteúdo à realidade de quem aprende nem sempre foi aceita de forma hegemônica.


2.1.2. Desafios da tecnologia no processo educativo de assimilação e elaboração teórico/conceitual filosófico.

É evidente que nem todos os educadores olham com bons olhos para as transformações radicais que as tecnologias têm causado na educação. Há aqueles que se posicionam de forma critica e, por vezes, contrária. É claro que dentro do ambiente acadêmico e educativo da Filosofia isso não poderia ser diferente.
A exigência da filosofia por um saber rigoroso que se assente em bases teóricas pode ser comprometida pelo excesso e ausência de critérios na simplificação do conteúdo. Aqui, talvez, resida o seu maior desafio. Isto é, conciliar qualidade e profundidade de conteúdo com uma didática que facilite a compreensão sem que, para isso, precise-se ser menos qualitativo no aspecto teórico.

"Por acaso devemos nos envergonhar de traduzir em termos simples, para quem quer que queira aprender, os grandes problemas filosóficos da vida? Devemos por acaso nos envergonhar de oferecer aos nossos alunos o arsenal dos filósofos para discuti-los e elaborar estratégias de resolução de modo criativo, livre?"[5]


2.2. Papel prático da filosofia na educação.

Ao longo de sua história, particularmente em determinados momentos na Grécia antiga, a Filosofia surge e desponta com uma finalidade prática, radicalmente ligada à vida política e/ou pública.
A busca pelo conhecimento estava associada a uma vida melhor, comprometida com a coisa pública ou da cidade (Polis). Por isso, segundo Aristóteles o papel do filósofo é fundamentalmente o de ensinar a ser um bom cidadão. A Filosofia, já desde os seus primórdios, está associada à uma educação prática. Exatamente por isso, talvez, a nova Lei de Diretrizes e Bases da Educação Brasileira reconhece como função do aprendizado da disciplina Filosofia o exercício da cidadania.


2.2.1 Contribuições da tecnologia no processo educativo de assimilação e exercício prático da Filosofia.

A tecnologia nasce da cultura, da vida do próprio ser humano. É incoerente pensá-la de forma estritamente objetiva, neutra e alheia ao mundo, à cultura habitada e transformada pela experiência dinâmica e transformadora do saber humano.

"Se tomarmos como referência os três tempos do espírito propostos por Pierre Levy no livro As tecnologias da inteligência, os impressos encontram-se no segundo tempo, ocupando um lugar simultâneo com a escrita. É graças à escrita que se rompe o tempo circular do mundo da oralidade e se estabelece o tempo linear, histórico, em que as proposições não precisam mais ser periodicamente retomadas, encenadas, mitificadas, para chegar às novas gerações, incorporando-se à cultura."[6]

Não é de se admirar que as maiores transformações sociais de nosso tempo tiveram a tecnologia como potencializadora das mesmas. Olhem-se recentemente as grandes manifestações que aconteceram em diversos países do mundo, incluindo o Brasil, seja protestando contra governos ou exigindo novas formas de governabilidade. A grande maioria delas nasceu por causa de uma nova consciência social adquirida não mais através das formas tradicionais de conhecimento e informação, mas agora através das novas mídias digitais, como as chamadas Redes Sociais. É inevitável que as grandes transformações tecnológicas não interfiram nos processos culturais e sociais deste tempo.

“Na época atual, a técnica é uma das dimensões fundamentais onde está em joga a transformação do mundo humano por ele mesmo. A incidência cada vez mais pregnante das realidades tecnoeconômicas sobre todos os aspectos da vida social, e também os deslocamentos menos visíveis que ocorrem na esfera intelectual obrigam-nos a reconhecer a técnica como um dos mais importantes temas filosóficos e políticos de nosso tempo. Ora, somos forcados a constatar o distanciamento alucinante entre a natureza dos problemas colocados à coletividade humana pela situação mundial da evolução técnica e o estado do debate ‘coletivo’ sobre o assunto, ou antes do debate mediático.”[7] Pág. 4.

Como aponta, corretamente, Lévy, as grandes transformações tecnicistas estão indiscutivelmente influenciadas pela cultura e sociedade a qual ela está inserida, e vice-versa, produzindo uma cadeia de transformações que tem o ser humano como protagonista principal, ao mesmo tempo em que também participante desse processo de transformação pela própria consciência humana, através da educação.
No limiar deste processo incerto e revolucionário de transformações sociais, onde a quantidade de mudanças se assemelha à rapidez com elas acontecem, a Filosofia possibilita um saber diferenciado, quando outras formas de saberes não oferecem. O saber prático possibilitado pela Filosofia não deve e pode ser superficial, ele deve possibilitar ao educando e ao educador olhar com a mesma rigorosidade teórica para a prática onde as coisas da vida acontecem. Deve ser capaz de integrar síntese e reflexão do mundo oferecido pela tecnologia, em uma relação de interpretação onde o conhecimento acontece.
  

2.2.2 Desafios da tecnologia na assimilação prática do estudo da filosofia.

Há desafios, porém, que precisam ser superados quando se trata da relação de influência da tecnologia nos processos educacionais oferecidos pela prática filosófica. Um deles é a massificação das informações possibilitada pelas (novas) tecnologias. A massificação em si não é problemática, porém ela causa uma superficialização de posturas, muitas vezes incoerente com a realidade, devido à gigantesca quantidade de opiniões, muitas delas sem uma reflexão prévia séria. Nesse sentido, na prática docente do ensino da filosofia, quando se reflete sobre um assunto da realidade da vida do educando, corre-se o risco de as opiniões ficarem no nível da postura superficial, motivada pela caótica teia de informações oferecidas pelos meios de comunicações tecnológicos.
Particularmente, as redes sociais, ao mesmo tempo em que se revelam ferramentas impressionantes de comunicação e partilha de conteúdo, pode também superficializar a absorção de determinados conteúdos, principalmente os mais socialmente polêmicos, como política e religião. Esse desafio compromete o processo educativo, tanto de quem está na posição de educador, quanto de quem é educando.


3 - CONSIDERAÇÕES FINAIS


3.1 A tecnologia como fator de integração das exigências teórico/conceitual e prática.

O ambiente educacional é um espaço de vivência de saberes entre pessoas e, como tal, possibilita também vivência de desafios e potencialidades. Em muitos casos os desafios são considerados como retrocesso no processo educativo. Outros vivem a experiência que desafia, como uma possibilidade de crescimento, ou seja, o desafio potencializa o conhecimento. Exatamente isso que parece acontecer com os desafios apresentados, até aqui, na prática educativa do ensino da Filosofia na educação básica do Ensino Médio. As potencialidades possibilitadas pelos desafios se apresentam, na verdade, como uma forma de integração das duas exigências próprias da disciplina filosófica.
O desafio de fazer com que a exigência conceitual/teórica da Filosofia seja garantida no processo educativo com qualidade se torna potencializado pela tecnologia na medida em que o educador consegue conciliar profundidade teórica/conceitual com simplicidade e prazer. Pode-se ser profundo teoricamente ao mesmo tempo em que pode-se ser simples e leve na exposição e assimilação do conteúdo através do uso de uma ferramenta pedagógica tecnológica.
O desafio de fazer com que a exigência prática da filosofia também não seja perdida pela superficialização de análise da realidade estudada, pode ser potencializado a partir do momento em que o educador consegue conciliar e integrar as diversas posições possibilitadas pela tecnologia, fazendo com que elas sejam objeto da própria reflexão que construirá conhecimento.
Entretanto, há de se reconhecer que essa integração, na prática, nem sempre é fácil. O processo de inclusão da tecnologia no processo educativo, em qualquer área do conhecimento que seja, ainda é um desafio a ser superado no sistema brasileiro de educação. Não se pode pensar que a tecnologia, em si, contém todo o aparato necessário para a transformação que a educação precisa. Por trás da tecnologia ainda está a pessoa, o ser humano, educando e educador como principais protagonistas de um processo educativo de qualidade e verdadeiramente transformador.

“Uma coisa é certa: vivemos hoje em uma destas épocas limítrofes na qual toda a antiga ordem das representações e dos saberes oscila para dar lugar a imaginários, modos de conhecimento e estilos de regulação social ainda pouco estabilizados. Vivemos um destes raros momentos em que, a partir de uma nova configuração técnica, quer dizer, de uma nova relação com o cosmos, um novo estilo de humanidade é inventado.”[8]


 REFERÊNCIAS


BRASIL, Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996. Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional. Brasília,20 de dezembro de 1996.


LÉVY, Pierre. As tecnologias da Inteligência. Disponível em: <http://copyfight.me/Acervo/livros/LE%CC%81VY,%20Pierre.%20As%20Tecnologias%20da%20Intelige%CC%82ncia.pdf> Acessado em: 05 de set. de 2014.


PLATÃO. A república. Trad. de Enrico Corvisieri. São Paulo: Nova Cultural, 1997.


RODRIGO, Lidia Maria. Filosofia em sala de aula: teoria e prática para o ensino médio. Campinas, SP: Autores Associados, 2009.


VIDAL, Org. Heloísa Maia. Introdução a EAD, Especialização. UAB/UECE. Fortaleza, CE.




[1] BRASIL, Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996. Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional. p. 14.
[2] O Mito da Caverna, também conhecido como “Alegoria da Caverna” é uma passagem do livro “A República” do filósofo grego Platão. É mais uma alegoria do que propriamente um mito. É considerada uma das mais importantes alegorias da história da Filosofia. Através desta metáfora é possível conhecer uma importante teoria platônica: como, através do conhecimento ou da atitude filosófica, é possível libertar-se das amarras que prendem os seres humanos nas sombras dos seus pré-conceitos e conhecer a verdade.
[3] Pasquale. In. RODRIGO, Lidia Maria. Filosofia em sala de aula: teoria e prática para o ensino médio. Campinas, SP: Autores Associados, 2009. Pág. 07.
[4] www.youtube.com          
[5] Pasquale. In. RODRIGO, Lidia Maria. Filosofia em sala de aula: teoria e prática para o ensino médio. Campinas, SP: Autores Associados, 2009. Pág. 14-15.
[6] VIDAL, Org. Introdução a EAD, Especialização. UAB/UECE. Fortaleza, CE.Pag. 33.
[7] LÉVY, Pierre. As tecnologias da Inteligência. Pág. 4.
[8] LÉVY, Pierre. As tecnologias da Inteligência. Pág. 10.

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