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sábado, 8 de agosto de 2020

MEMÓRIA DE UMA MISSÃO: SÃO FÉLIX DO ARAGUAIA E DOM PEDRO CASALDÁLIGA

 

“VIDAS PELA VIDA. VIDAS PELO REINO!”

dom Pedro Casaldáliga

Bispo da prelazia de são Félix do Araguaia

Mato Grosso – BRASIL

  

Desde o primeiro momento que pisei nestas plagas mato-grossenses o espírito profético desse grande homem – Pedro Casaldáliga – se fez presença atuante e viva.

            Realmente as distâncias são imensas. A prelazia de São Félix do Araguaia é uma região localizada ao norte do Estado do Mato Grosso com 150.000 Km2. Só se tem noção destas distancias quando se percorre, mesmo que uma pequena parcela, deste imenso território de missão.

            Para chegar até o lugar onde passei as duas semanas de missão tive que sair de Goiânia, de onde me dirigi para Canarana, já no Mato Grosso. Desta cidade dirigi-me para Querência, uma cidadezinha ainda menor, formada por retirantes do Sul do País, que acolhia a 100 Km de sua sede os quatro assentamentos que se tornaram referência para mim.

            O sistema de transporte rodoviário, desde Canarana, se mostrou totalmente precário. Era difícil de acreditar que o ônibus naquele estado pudesse agüentar os 200 Km que ligavam Canarana a Querência. As estradas nem se falam. O que sobrava do asfalto se juntava aos buracos e à terra vermelha da região.

            No Caminho a realidade da região se descortinava. Eram camponeses que iam e vinham das diversas cidadelas. Famílias indígenas com suas mulheres carregando no colo sempre suas crianças que calavam o choro com a ordem do pai, sempre melhor vestido.

            Uma região exclusivamente agrária, onde a presença das grandes fazendas latifundiárias é tão marcante que chegam a configurar e interferir visivelmente na geografia.

            Me escandalizei ao percorrer duas horas de ônibus dentro de uma mesma fazenda. E, por incrível que pareça, um camponês falou que aquela fazenda não era tão grande em comparação a outras que existem na região. Milhares e milhares de hectares desmatados por causa das lavouras, geralmente de soja.

            Grande parte da fonte de renda se concentra em trabalhos nestas grandes fazendas latifundiárias, onde já foi detectada a presença da exploração de mão de obra escrava. Esses grandes latifúndios, na maioria das vezes, se revelam de forma oculta e silenciosa, como verdadeiros instrumentos de opressão e morte de tantos camponeses pela falta de opção, e de tantas nações indígenas que são cada vez mais espremidas e esmagadas pelo latifúndio.

            Graças ao trabalho da prelazia e a algumas instituições que ajudam a pensar soluções para esses problemas, muitas coisas já foram feitas, mesmo que a custa do sangue derramado de tantas e tantas vidas. Por causa de trabalhos como esses, nações indígenas hoje são olhadas com mais seriedade e responsabilidade; fazendas latifundiárias foram desapropriadas e distribuído terra a quem não tinha.

            Mas tudo o que já foi feito parece ser pouco diante da imensidão de problemas e desafios que esta região comporta.

             A distancia da sede de Querência até os quatro assentamentos que tive contato é de 100 Km. Esses assentamentos – Coutinho União, Brasil Novo, São Miguel e T65 – são desapropriações de terra do que já foi uma grande fazenda latifundiária. Cada família assentada recebe uma parcela de terra, estabelecida pelo INCRA, com média de 100 hectares.

            A aquisição dessas terras por parte das famílias e a forma de lidar com ela é um pouco complicada. Geralmente são terras nativas, cheias de árvores e animais silvestres. É comum encontrar nos assentamentos bichos como onça, sucuri, jacaré, capivara, veado, tatu, etc...

            Para o plantio é necessário que esta terra nativa seja tratada e preparada, por ser de uma qualidade “não muito boa”. E, para isso, são necessários recursos financeiros, de que nem sempre as famílias dispõem.

            Este é um grande desafio, pois já está mais que comprovado que não basta só distribuir terra se não se oferece o mínimo necessário para que o lavrador possa fazer esse pedaço de terra, que é seu, produzir.

            Aí entra um outro grande problema. O INCRA que é o órgão federal que deveria organizar a distribuição das terras de forma igualitária, bem como os recursos federais para o pequeno lavrador, age de forma descarada e corrupta, junto com as prefeituras, desviando grande parte dos recursos, que deveriam beneficiar os assentamentos, sabe-se lá para onde.

            Chego às vezes a pensar que esses recursos financeiros quando chegam nas mãos do lavrador não bastam, independentemente da quantia, por incrível que pareça.

            Muitos usam o dinheiro, que era para ser usado no trato da terra, de forma desordenada e irregular. Isso sem falar na necessidade cega de se plantar para se produzir cada vez mais, com mais concorrência, com mais ganância, mais e mais... com isso, cada vez mais, milhares e milhares de hectares de matas são queimadas e desmatadas, dando assim, continuidade ao sistema de fazendas, só que agora em parcelas menores.

            Não! Acho que a reforma agrária não é isso. A reforma agrária é muito mais do que distribuição de terra e dinheiro. A reforma agrária é consciência comunitária, é consciência humana, ecológica e fraterna. Penso que é exatamente neste ponto que as vidas são doadas pela Vida, pelo Reino. É neste momento que posso falar e citar tantos homens e mulheres que doam suas vidas junto a essa realidade por uma causa que é maior que qualquer ideologia.

             O grupo de agentes de pastoral da prelazia de São Félix do Araguaia formados por religiosos, religiosas, ministros ordenados, leigos e leigas estão inseridos em todo território da prelazia e articulados por regionais e comunidades eclesiais de base (CEB’s). A articulação pastoral se dá por conselhos, que vão desde o conselho comunitário de base, passa pelo conselho regional, até o conselho geral da prelazia. Numa divisão dinâmica e discernida, todas as propostas de atividades e decisões passam respectivamente por esses conselhos; de baixo para cima, é claro.

            Mas a base de toda atividade pastoral da prelazia está no silêncio e no anonimato dos agentes inseridos nas realidades de cada comunidade, vila ou assentamento.

            Eu, nestas semanas de missão, tentei me inserir junto à realidade de três irmãs Capuchinhas Missionárias: Maria José, Núbia e Elismar; que vivem na fraternidade Margarida Alves no assentamento Coutinho União. Elas, juntas com alguns moradores dos assentamentos, prestam assistência no que for necessário a cada realidade particular.

            Junto ao trabalho e estilo de vida destas irmãs experimentei o que chamarei de “utopia da vida religiosa”. Nada mais próximo ou mais distante dos assentamentos. Assim vivem essas religiosas, e creio que a maioria dos agentes de pastoral da prelazia. Com um estilo de vida dinâmico e criativo, de acordo com cada necessidade, elas  vivem sua consagração e vida respeitando os limites de cada pessoa dos assentamentos, assumindo os desafios, dificuldades e alegrias como se fossem seus – o que na verdade são. Mas nem por isso deixam de ser uma presença que questiona, anima, trabalha e celebra.

 Em realidades como essas dos assentamentos é difícil de se encontrar uma estrutura já definida e formada de comunidade: com pastorais e grupos. Por isso, a necessidade de uma presença que saiba escutar, dialogar e respeitar o ritmo e a caminhada deste povo, sem esperar resultados imediatos e sem interferir, de forma brusca, no ritmo de vida já tão martirizado pelo trabalho duro ou mesmo pela falta dele.

Penso que nenhuma ação pastoral é mais eficaz que aquela capaz de se inserir concretamente na realidade local, dinamizando com maturidade e responsabilidade o testemunho, que se dá a partir da opção de vida própria do religioso e religiosa e seu carisma.

De forma lenta, anônima, mas sólida o agente de pastoral vai incutindo no meio da comunidade, vila ou assentamento o espírito evangélico dos libertados, marcado radicalmente pela acolhida e pelo Amor fraterno a todos e a todas, sem distinção de raça, cor ou credo.

As “casas das equipes”, como são chamadas as casas pertencentes à prelazia onde residem os agentes de pastoral, estão sempre abertas, prontas para acolher a qualquer hora, qualquer pessoa que chegue e peça ajuda, ou mesmo para uma visita ou conversa de fim de tarde.

Elas se refletem, de forma muito parecida, com a residência do bispo, na simplicidade na acolhida e na humildade, muito diferente do que estamos acostumados a ver pelo Brasil e pelo mundo afora.

Dom Pedro – faço questão de chamá-lo assim, apesar dele preferir somente Pedro – conserva uma serenidade impressionante. A lucidez de suas colocações e posições em relação à igreja e à sociedade são muito mais atuais que muitas posições caducas de hoje em dia. Me marcou profundamente sua acolhida e sua disponibilidade em servir a todos, de todas as formas possíveis. Um místico com um olhar penetrante e profundo, que me parece ir além das coisas visíveis.

Em sua casa, em sua presença tudo respira um ar de paz e profecia. Alias, esse foi o ar que respirei ao longo dessas semanas. Um ar que penetrou como testemunho, fé e serviço o seio de toda nossa igreja, particularmente da igreja latino-americana e brasileira. Um ar que ainda hoje, apesar das intenções contrarias pessoais e institucionais, continua e penetrar e a inundar os corações de tantos irmãos e irmãs fieis ao espírito de Jesus Cristo que se manifesta na presença questionadora dos pobres.

 

No coração permanece a lembrança e as cicatrizes dos corações de tantas pessoas, pelo peso da opressão e do descaso nesta bendita terra de missão, mas, sobretudo a certeza de que levo um pouco do fogo que ainda queima com força esses mesmos corações sedentos de Justiça, Dignidade e Paz.

Com o braço e coração erguidos, não em sinal de despedida, mas de bênção ou talvez de até logo, está aquele grande homem na porta de sua simples casa. Ele que soube como ninguém doar sua vida pela Vida, sua vida pelo reino. É inevitável a lembrança do abraço apertado e fraterno de Dom Pedro, carregado de Paz e acolhida exclamando para mim: “Zé Wilson, seja fiel, aos pobres”.

  

José Wilson Correa Garcia

São Félix do Araguaia, 25 de Dezembro de 2004.


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domingo, 18 de junho de 2017

SOBRE A FELICIDADE

Hoje, na vinda de Flores pra Russas, me peguei pensando na Felicidade. Talvez tenha sido o cheiro de mato do caminho. Já explico porque.

O fato é que desejei uma coisa. E, ao longo do percurso, fiz um acordo com Deus, daqueles que a gente só faz quando é criança: daria 10 anos de minha vida em troca de um fim de semana em Camurugi.

Camurugi é um bairro bem distante da sede do município de Guarapari, cidade onde nasci. A família sempre revezava os encontros indo pra lá, passar o fim de semana na casa de Padrinho Ricardo. Era um lugar lindo, no meio do mato, ao lado do manguezal... distante de tudo, mas próximo do céu. A família toda reunida. A gente, ainda criança, tínhamos uma liberdade escandalosa. Subíamos nas árvores pra comer frutas silvestres. Lembro perfeitamente do gosto do araçá, da romã, do jambo. No caminho para o banho no mangue, através da trilha rasgando o meio do capinzal, sentíamos o cheio do mato e das ervas que só Deus sabe o nome.

Foi esse cheiro que senti hoje. Foi essa Felicidade que desejei trocar por 10 anos da minha vida. Não porque eu esteja infeliz com os 10 anos que desejei trocar, mas porque meu conceito de Felicidade não é ter grandes coisas: fortunas, bens, prazeres. Meu conceito de Felicidade é esse: recuperar as simples, pequenas e efêmeras coisas que guardamos na memória do coração. E só lembramos quando Deus nos visita em forma de cheiros...


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quarta-feira, 1 de março de 2017

AS CINZAS DA QUARTA FEIRA – O ANÚNCIO DA RESSURREIÇÃO

Na tradição Judaico-Cristã as cinzas se tratam de um símbolo de conversão. Há muitas narrativas bíblicas, principalmente do Antigo Testamento, que mostram as cinzas sendo usadas sobre a cabeça e/ou corpo em sinal e gesto de arrependimento. Na idade média, quando uma pessoa se aproximava do momento da morte, colocavam-na no chão deitada em cima de um saco com cinzas. O sacerdote ministrava o ritual, com água benta, proferindo as seguintes palavras: Lembra-te que és do pó e para o pó voltarás.
Segundo o calendário litúrgico cristão, na quarta feira de cinzas, após o carnaval, celebra-se esse mesmo gesto das cinzas, onde o ministro impõe sobre a cabeça dos fiéis um pouco de cinzas dizendo: Convertei-vos e credes no evangelho. Longe de ser um gesto de afirmação da morte a Quarta Feira de Cinzas, que antecede os 40 dias da quaresma, celebra o anúncio de uma experiência muito mais fundamental para a fé Crista: a ressurreição de Jesus e a nossa ressurreição. As cinzas, nesse sentido, se tornam o recordar de nossa finitude humana que, pela fé, é transfigurada na eternidade através da ressurreição. Ela nos coloca diante de nossa condição primordial terrena e divina, somos feitos de pó, mas também de céu...
Muitos povos, culturas e tradições humanas têm como orientação definitiva de sua experiência espiritual e teológica a ressurreição. O ser humano parece que nunca se contentou em considerar a morte como a última instância, a última palavra. O caminho da experiência humana não pode terminar com a morte... ou não seria tão perfeita assim a força criadora a qual se crê. Por isso, muitas dessas culturas criaram símbolos, mitologias ou teologias para tentar se aproximar desse profundo mistério que acompanha o ser humano desde que ele existe enquanto tal...
Na mitologia grega, por exemplo, Fênix (ϕοῖνιξ) é um pássaro que entrava em autocombustão ao terminar seu longo ciclo de vida. Do meio das cinzas que sobravam do seu ritual aparentemente suicida, o pássaro revivia - criança - para um novo ciclo de vida. De fato, para os gregos a essência do ser humano é a Alma. O corpo, por outro lado, como sugere o filósofo Sócrates/Platão, é uma espécie de prisão da alma. Portanto, a ressurreição, para os gregos, era uma experiência fundamentalmente da Alma. O corpo se torna pó e cinza, mas a alma continua. A fênix, apesar de ter morrido para seu antigo corpo, continua fênix, e renasce com um novo corpo.
O Cristianismo é mais radical quando se trata de ressurreição. Para o cristão a ressurreição não é uma experiência de separação entre Corpo e da Alma. O ser humano, segundo a teologia cristã, é uma unidade indivisível. Portanto, sua ressurreição é a transformação de sua totalidade e de sua unidade, formada por seu corpo e pela sua alma, inseparavelmente. A experiência humana mostra que quando se tenta separar uma coisa da outra, geralmente, se atribui um valor maior a uma delas enquanto se esvazia a importância da outra. A proposta da ressurreição cristã é profundamente humana porque valoriza o corpo e a alma, junta e inseparavelmente. O ser humano ressuscita por inteiro, corpo e alma. Mas isso nem sempre foi tão claro entre as correntes espiritualistas e teológicas no interior da cultura cristã. Também, foi motivo de escândalo para algumas culturas, como é o caso da cultura grega. Um ótimo exemplo é o belíssimo texto do livro dos Atos dos Apóstolos (At 17, 16-34), que narra o apóstolo Paulo pregando entre os Gregos de Atenas. No texto, em um primeiro momento, Paulo consegue uma boa aceitação, mas quando toca no assunto da ressurreição da carne, ao anunciar a experiência de Jesus e também de cada pessoa que nele crer, os Gregos desacreditaram, não entrava na cabeça deles. Por isso Paulo afirma que a ressurreição é escândalo.
E de fato é escândalo, sim. Como qualquer experiência espiritual, a ressurreição só é possível de ser experimentada e entendida absolutamente a partir da fé. Por isso, sabiamente, a liturgia cristã nos apresenta as cinzas. Ela é o sinal de que somos da mesma matéria do universo, mas também potencialmente divinizados pela ressurreição de Jesus como garantia da nossa ressurreição. Só que, para isso, é preciso uma vida de conversão. Etimologicamente, conversão é a transformação de uma coisa em outra. E isso já nos esclareceria tudo...

José Wilson Correa Garcia
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quarta-feira, 9 de março de 2016

A NOITE ESCURA DA ALMA

Passei minha vida de criança, adolescente e jovem quase inteira na mesma casa, no mesmo bairro. E ainda hoje, depois de mais de 20 anos morando fora, me pego lembrando dos pequenos detalhes do meu bairro, de cada esquina, de cada detalhe de suas praças, de cada castanheira. Muito disso já não existem mais da forma como lembro, mas para mim é como se nunca tivesse deixado de existir. E o que me faz recordar todos esses pequenos e essenciais detalhes foram as brincadeiras de “pique esconde” de uma infância mística e pura. Entre os momentos de acharmo-nos e perdermo-nos uns dos outros conhecíamos aquilo que ficou eternamente gravado na memória do coração.

Hoje, quando escutava uma interpretação da poesia “A noite escura da alma” do místico espanhol São João da Cruz lembrei dessa experiência da nossa infância.

Toda experiência mística cristã, aquela de união profunda com Deus, acontece a partir de uma experiência de vazio e aridez, que São João da Cruz traduziu por “noite escura”. Outros grandes místicos como Teresa D´Ávila, Inácio de Loyola, Madre Teresa de Calcutá, etc. viveram esse tipo de experiência. Cada pessoa, em algum momento de sua vida, viveu ou viverá algo parecido com essa experiência. A “noite escura” é o silêncio de Deus, é a falta de sentido, é a ausência de respostas. Nela, Deus se esconde como uma criança e cada vez que estamos nos aproximando de encontrá-lo, Ele se esconde ainda mais. Madre Teresa de Calcutá viveu essa ausência solitária de Deus por mais de 60 anos, até o momento de sua morte. Seus escritos nos deixaram essa misteriosa verdade. E pra que? Eis a profundidade do mistério do encontro da Alma com Deus. O que a Alma mais procura é o que ela mais conhece, sem saber. Conhecerá definitivamente quando se unir definitivamente a Deus. Até lá, continuará brincando de “pique esconde”, conhecendo cada parte Daquele que se mostra e se esconde na nossa “noite escura”.



THE DARK NIGHT OF THE SOUL – A NOITE ESCURA DA ALMA
(Interpretação de Loreena McKennitt, no álbum “The Mask and Mirror”)

Em uma noite escura
A chama do amor queimava em meu peito
E, no clarão de uma lanterna
Fugi de casa enquanto todos dormiam
Encoberto pela noite
e pelo meu destino incerto rapidamente corria
O véu ocultava os meus olhos
Enquanto todos em casa repousavam como mortos.

Ó, noite, tu fostes o meu guia
Ó, noite, mais adorável que o nascer do sol
Ó, noite, que uniu o amante à amada
Transformando cada um deles um no outro. 

Adentro esta noite enevoada
Em segredo, para além daquela visão mortal
Sem um guia ou uma luz
Senão a que ardia tão profundamente em meu coração.
Esta chama que me guiava
Com brilho mais claro que o do sol do meio-dia
Para onde ele me esperava, imóvel 
Era um lugar onde ninguém mais podia chegar 

Ó, noite, tu fostes o meu guia
Ó, noite, mais adorável que o nascer do sol
Ó, noite, que uniu o amante à amada
Transformando cada um deles um no outro. 

Dentro do meu palpitante coração
Que se guardou inteiramente para ele
Ele mergulhou no seu sono
Debaixo do cedros, todo o meu amor eu lhe dei
E, pelos muros da fortaleza
O vento roçava seus cabelos contra a sua testa.
E com sua mão macia
Acariciava todos os meus sentidos possíveis

Ó, noite, tu fostes o meu guia
Ó, noite, mais adorável que o nascer do sol
Ó, noite, que uniu o amante à amada
Transformando cada um deles um no outro. 

Eu me entreguei a ele 
E repousei minha face nos seios do meu amor
A inquietação e a tristeza tornaram-se escuras
Como uma enevoada manhã que se transforma em luz
E lá elas dissiparam-se por entre os belos lírios.
E lá elas dissiparam-se por entre os belos lírios.
E lá elas dissiparam-se por entre os belos lírios.



CANÇÃO DA ALMA (Poema original de São João da Cruz)

1. Em uma noite escura,
De amor em vivas ânsias inflamada
Oh! ditosa ventura!
Saí sem ser notada,
Já minha casa estando sossegada.

2. Na escuridão, segura,
Pela secreta escada, disfarçada,
Oh! ditosa ventura!
Na escuridão, velada,
Já minha casa estando sossegada.

3. Em noite tão ditosa,
E num segredo em que ninguém me via,
Nem eu olhava coisa, Sem outra luz nem guia
Além da que no coração me ardia.

4. Essa luz me guiava,
Com mais clareza que a do meio-dia
Aonde me esperava
Quem eu bem conhecia,
Em sítio onde ninguém aparecia.

5. Oh! noite que me guiaste,
Oh! noite mais amável que a alvorada
Oh! noite que juntaste
Amado com amada,
Amada já no Amado transformada!

6. Em meu peito florido
Que, inteiro, para Ele só guardava
Quedou-se adormecido,
E eu, terna, O regalava,
E dos cedros o leque O refrescava.

7. Da ameia a brisa amena,
Quando eu os seus cabelos afagava
Com sua mão serena
Em meu colo soprava,
E meus sentidos todos transportava.

8. Esquecida, quedei-me,
O rosto reclinado sobre o Amado;
Tudo cessou. Deixei-me,
Largando meu cuidado
Por entre as açucenas olvidado.



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sábado, 5 de dezembro de 2015

ALEXANDRE: A MEMÓRIA DO CORAÇÃO.

Existem fatos da vida que não são possíveis de serem contidos nas palavras. Não cabem nelas, escapam delas, se perdem pra além delas, em um mistério quase impossível de ser entendido.

A morte do meu irmão Alexandre foi/é um desses fatos. Eu nunca tinha vivido uma experiência de perda prematura e trágica com alguém tão íntimo e próximo a mim. Na verdade, ninguém na minha família. Acho que nos preparamos pra tudo, só nunca havíamos nos preparado pra uma perda desse tipo. Definitivamente, não...

Quando Gabi chegou na escola para me dar a notícia, minha primeira reação foi de continuar fazendo o que estava, sem acreditar. É aquele tipo de coisa que, simplesmente, a gente acha que nunca vai experimentar, que nunca vai acontecer com a gente. O sentido do que tinha realmente acontecido foi caindo no coração aos poucos, o chão foi desaparecendo sob pés aos poucos. Desapareceu completamente quando ouvi, ao telefone, a voz desesperada das minhas duas irmãs. Solucei no colo de Gabi, solucei no colo da minha sogra, mas confesso que, em um segundo momento, não consegui soluçar no colo de Deus. Com Deus eu briguei.

No caminho entre o Ceará e o Espírito Santo foi lutando com Ele, como Jacó para conquistar a bênção. Mas eu não queria bênção, queria começar a entender o que tinha acontecido. Queria entender o significado de tudo. Sim, queria entender o significado e não aceitar desígnios. Aliás, nunca acreditei na morte, de quem quer que seja, como designo divino. Deus não deseja a morte. Mas creio no sentido que pode estar escondido atrás e para além da morte ou que, a partir dela, pode ser transformado e pode transformar as pessoas e o mundo que as rodeia. Esse sentido que me custa entender... Porque? Pra que? Me perco no que não entendo...

Fico com as imagens daqueles dias gravadas na memória, um sofrimento quase que obrigatoriamente moral. Imagem do pranto de mamãe, de papai e de minhas duas irmãs. Imagem da dor de minha cunhada Fernanda. Imagem do silêncio inocente de meus sobrinhos, principalmente o de João Pedro, perguntando quando o pai chegaria e dizendo que ele estava trabalhando. Imagem de cada parente, amigo e amiga de infância. Imagem de Alexandre, estampado em cada um desses rotos.

Em casa, os dias que se sucederam foram de dor mesmo, intensa, daquelas que quando vem não se controla. A memória também faz sofrer. A presença de Alexandre era (e ainda é) como um vendaval que chega de repente, sem um critério definido. Apenas vem e, em resposta, a gente chora junto, como única reação de todo esse turbilhão de sentimentos. As vezes sentíamos necessidade de esconder e engolir o choro, não sei ao certo porque... As vezes desabávamos todos juntos de uma vez só. Penso que assim continuaremos, talvez por um tempo excepcionalmente longo, principalmente mamãe. Porém, a ampulheta da vida há de continuar girando...

Ah, o tempo! Me recordo que naqueles dias o tempo estava nublado. No dia seguinte ao velório e ao enterro do meu irmão, choveu muito. Saí pra rua, em frente ao Mar, como fazíamos quando éramos criança para jogar bola na praia e tomar banho de mar. Dessa vez eu estava sozinho. Mas pulei no mar assim mesmo... e ali, com a água da chuva caindo sobre a superfície, eu submerso, me escondi do mundo, me escondi de Deus. Mas não estava sozinho, Alexandre estava comigo. Foi então que eu entendi que mesmo sem compreender, existem coisas que somente o tempo é capaz de arrumar. Não somente o tempo passado ou o que há de vir, mas este mesmo aqui, agora, transformado por tudo aquilo que creio, mesmo brigando com Deus, quando todos os apoios humanos caem. A fé, dessa forma, aparece não só como consolo, mas, sobretudo, como resposta, como sentido. Alexandre, meu irmão, aos poucos, vai se transformando naquilo que ficará eternamente guardado na memória do coração, porque como diz Rubem Alves: “Aquilo que está escrito no coração não necessita de agendas porque a gente não esquece. O que a memória ama fica eterno”.
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sábado, 26 de julho de 2014

O CUIDADO COTIDIANO COM A VIDA

Estou construindo um canteiro em minha casa. Não que eu seja um experto em cultivo de qualquer planta que seja, mas tenho sentido necessidade de ter algumas aqui em casa... Há tanto cimento, que um pouco de verde, de flores tem feito falta. Parece que com a idade a gente vai entendendo que é preciso aprender a cuidar do mundo de uma forma mais concreta. Não estou falando das grandes causas ambientais, mas daquelas pequenas, cotidianas causas...

Dizem que tem gente que tem uma mão boa pra plantar, não sei se as minhas são boas pra isso, vamos ver... Mas tenho um amigo, Dedé, que é lindo de se ver como consegue produzir vida da terra com uma facilidade que encanta. As vezes fico o observando e percebo que o que faz as coisas da terra darem tanto fruto e ficarem tão lindas com ele é a regularidade cotidiana do cuidado que tem com suas plantinhas... É nos pequenos cuidados cotidianos que a vida nasce à sua volta.

Fiquei pensando que é assim também na vida. As vezes desejamos que tudo o que fazemos dê o fruto que queremos, na hora que queremos, da forma como queremos. Mas as regras da vida não necessariamente são as mesmas criadas pelos nossos critérios pessoais. Por isso a regularidade constante do cuidado cotidiano...

Na escola, por exemplo, não se pode esperar que o educando adquira o conhecimento que desejamos, como educadores, da forma e no tempo que esperamos... O processo de conhecimento se dá na regularidade cotidiana, não só a partir do conteúdo dentro de sala, mas também no exemplo e testemunho fora dela... Dizem que educamos mais pelo que fazemos do que pelo que falamos. E é a pura verdade! Também por isso a regularidade cotidiana do cuidado com que educamos...

Em uma relação a dois é a mesma coisa. Não se pode achar que se vai colher os melhores frutos de uma relação entre duas pessoas somente quando se celebra o dia do aniversário, o dia dos namorados, etc., enfim, aquelas datas que se comemoram uma vez por ano. Os melhores frutos de uma relação são colhidos nos pequenos cuidados cotidianos, dia a dia, sem pressas e expectativas desnecessárias. As vezes me pego recordando a vida de Gabi na minha vida e, por incrível que pareça, as lembranças e memórias mais lindas e que mais nos marcaram são aquelas repletas de simples e insignificantes cuidados cotidianos. São esses que frutificam a vida...

Com a fé é a mesma coisa. O tempo de Deus não é o mesmo que o nosso. Não posso achar que minhas orações e meus clamores serão atendidos se não sou capaz de cultivar o que desejo nos pequenos gestos de fé. Se desejo paz, que eu a construa todos os dias, nos pequenos gestos, nas pequenas coisas...

Isso tudo é um grande desafio, pois o tempo parece, cada vez mais, nos engolir com esse imediatismo opressor que marca nossas vidas neste mundo tão rápido e barulhento. Desejo que meu canteiro me ajude a ser um homem melhor, seja na escola, no lar ou na fé. Desejo que ele me lembre que é preciso ser paciente e cuidadoso com as pequenas e simples coisas da vida, ali onde a verdadeira felicidade é regada e colhida a seu tempo...

 

Por, José Wilson Correa Garcia.

 

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segunda-feira, 5 de maio de 2014

KAIRÓS: O TEMPO NOSSO DE CADA DIA

Diário remanso: encontros, acontecimentos, leituras... Intuições.
O clarão de uma anedota. Uma angústia, uma esperança.
Não à crônica; sua decantação. Vinho descansado.
Ou o instante de uma borboleta. Ou um latido.
Ou Deus passando como uma ventania, como uma brisa.
Nossa história em suas horas: o Kairós que alguém detecta.
O círculo concêntrico do remanso.
E o borbulhar do manancial.
(Pedro Casaldáliga)

Um dia desses, quando o coração parece estar mais propenso a entender algumas verdades que passam despercebidas aos sentidos, ouvi um comentário que ficou ressoando no coração como uma dúvida que não pode ser respondida imediatamente e como poesia que precisa ser apenas ruminada, decantada. Ouvia que, ultimamente, o tempo tem passado mais rápido que o normal, que os anos e meses parecem estar mais curtos... E, de fato, depois de abrir um bate papo sobre o assunto na sala de aula, comentávamos e compartilhava-mos essa mesma impressão. O tempo está mais rápido, se tornou relativo, parece ter perdido seu caráter absoluto.


Porém, no silêncio daqueles mistérios que só são possíveis na solidão, fiquei me perguntando: será mesmo que é o tempo que está diminuindo ou somos nós que estamos ficando maiores, com o coração maior, com a mente maior? Aliás, mais cheios de tudo. Antes, quando era mais criança e, por isso mesmo, dava mais atenção ao essencial, lembro que conseguia parar mais tempo para fazer certas coisas simples... coisas que parecem ter deixado de ser simples. Hoje, não consigo mais sentar, uma hora se quer do nosso dia, para uma boa conversa, ou para simplesmente contemplar aquelas coisas simples e lindas – e por isso mesmo essenciais – que passam despercebidas como um suspiro de saudade... Hoje não consigo mais escutar Deus como quando era criança, ou deitar em seu colo materno-paterno para simplesmente lembrar quem sou, de onde vim e para onde vou...


Há pouco tempo atrás nosso coração e nossa mente não precisava de assimilar tantas coisas e tanta informação ao mesmo tempo. Fazíamos poucas coisas, mas sentíamos que o pouco que fazíamos deveria ser bem feito. Hoje, tudo é colocado diante da gente ao mesmo tempo, tudo precisa ser feito no mínimo de tempo possível e o máximo possível. Será que ao aprender a quantificar as coisas não esquecemos também de qualificá-las? Ou mais sério ainda: será que, nessa mesma sociedade, não aprendemos a agir com as pessoas da mesma forma que agimos com as coisas? Estamos coisificando as pessoas? Estamos nos tornando mais cegos, surdos e mudos, pois perdemos a capacidade de enxergar o essencial, de ouvir o essencial, de falar o essencial... Perdemos a noção do tempo.


Sim, o tempo diminuiu. Aquele tempo que aprendemos na escola, o linear, o histórico, aquele sucessivo punhados de fatos que acumulamos na memória. Esqueceram de nos ensinar que o tempo é, sobretudo, cíclico, Kairós, tempo favorável, tempo de graça... Instante presente, aquele onde o essencial da vida se escancara diante de nós, ora como mistério, ora como graça. Mais cegos, mais surdos e mais mudos, as coisas passam mais rápido, assim como os anos, os meses, os dias e, talvez, assim como as pessoas... Porém, quando assumimos a grandiosidade do mistério que nos rodeia como tempo favorável e tempo de graça, onde o presente infinito e eterno é o único tempo que vale a pena de se viver, os anos, meses, dias e as pessoas não passam, simplesmente ficam... São eternizadas, na memória e no coração.

José Wilson Correa Garcia, em algum tempo desses...
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domingo, 27 de abril de 2014

NÓS...

Como seria tão fácil não ser humano, meu Deus!
Não ter que sentir a dor da distância e da saudade.
Como seria fácil amar sem limites,
pensar que poderíamos fazer do tempo e do espaço
a possibilidade de ser mais intensos e imortais.
Não ter que buscar palavras
impossíveis de expressar o essencial
sem ao menos, submeter-se ao medo,
à vergonha...
Como seria fácil ser fraco
para sentir-se dentro de tudo.
Não ter que se esconder – do confronto –
para não dizer que se é vulnerável...

Devo estar – há muito tempo – longe do Mar.
Sinto falta do seu cheiro,
de pisar suas ondas que,
eternamente, vão e vem...
Saudades do desenho – imagem – da lua
que, na noite, dança extasiada por suas águas...
Ali, onde a liberdade parece consumir o mundo,
sem que ninguém nada perceba...
Ali onde a verdade de cada coisa
parece se escancarar...

Pensar em ti, ó Mar,
é reconhecer que tú precisas de mim...
é reconhecer que eu preciso de ti...
E nessa humana dependência
dou razão de ser à tuas ondas.
E elas, a meus pés que caminham descalços
entre tantas verdades sentidas...

Não posso renunciar a essa dependência
que me faz assemelhar-me a ti.
Não posso desejar o que não é parte de mim,
sob o perigo de perder-me
no esquecimento da tua solidão...

Preciso voltar a ser criança
para desejar sempre pisar
o infinito desconhecido desta vida...
Sem medos,
Sem vergonhas,
Sem facilidades...
Preciso renunciar ao que me tornei
para ser apenas o que sou...



José Wilson Correa Garcia
Belo horizonte. Primeira noite de Outubro, 2006.
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quinta-feira, 3 de abril de 2014

TOLERÂNCIA: sustentando as diferenças


"Na minha escola tem uma menina que eu não tolero ela de jeito nenhum. Ela é chata, feia, pobre... Quero é distância dela!"

Eu ouvi isso de "Diferença", uma aluna. Ela estava falando de "Tolerância", uma colega sua de escola, também minha aluna. Falar algo desse tipo já é muito sério. Mais sério ainda é falar algo desse tipo com as próprias ações. Sim, "Diferença" não estava falando literalmente, mas estava falando com suas práticas e ações dentro da escola.


"Tolerância" é uma jovem linda, inteligente, faladeira. Acolhedora com os colegas e professores, sempre está disponível a tudo e a todos. Na sala de aula ela sempre está perguntando, questionando, inquieta... E suas posições são coerentes com sua simplicidade de vida e a simplicidade de vida da sua família. Ela me ajuda muito com isso, é lindo de se ver! Lembro que no dia da Consciência Negra pedimos a "Tolerância" para fazer uma dança. Ela, com sua negritude e seus cabelos crespos lindos, dançou que era uma beleza. Enfim, "Tolerância" tem tudo o que a maioria de seus colegas não tem na escola e isso se torna um estigma sem sentido para ela.


Uma vez no recreio, eu estava em uma roda conversando e brincando com um grupinho de alunos. "Tolerância" chegou, me deu um abraço apertado, ficou do meu lado, participando da conversa, brincando, sorrindo. Aos poucos, os outros foram silenciando, fechando a cara, e simplesmente saindo de mansinho, num silêncio desconcertante e opressor. Não sei se "Tolerância" percebeu, mas eu percebi... Fiquei me perguntando: como uma pessoa com tantas qualidades e belezas pode ser rejeitada dessa forma? Quem não daria tudo pela presença agradabilíssima da "Tolerância"? Ela me ajudou a perceber que "Diferença" estava influenciando negativamente os outros colegas e que casos como aquele se repetiam dia a dia na escola, como se fosse absurdamente anormal ser diferente.




"Tolerância" também era inteligente. Lembro que um dia ela me disse que a origem do seu nome vinha da palavra latina tolerare e significava duas coisas: suportar e sustentar. O primeiro significado ela não gostava muito e eu concordava com ela. Suportar alguma coisa ou alguém parece soar estranhamente opressor. Se alguém suporta algo ou alguém é porque o faz como peso, mas "Tolerância" não conseguia olhar para as pessoas como se fossem um peso ou fardo. Diferentemente ela entendia que o significado "sustentar" parecia mais apropriado para sua vida, pois sustentar não significa o mesmo que suportar. Sustentar quer dizer ser base, ser alicerce, ser o fundamento de algo ou de alguém. Uma construção sem fundamento desmorona no primeiro vendaval, dizia-me "Tolerância". E isso tudo me pareceu muito verdadeiro e cheio de sentido...


No dia seguinte, na sala de aula, discutíamos sobre a importância da bíblia como Palavra de Deus na vida de um cristão. Sim, pois a bíblia pode ser outras coisas não muito legais, além de Palavra de Deus... As opiniões eram diversas e "Diferença", tomando a palavra, quis afirmar e impor sua opinião como única e exclusivamente verdadeira. A maior parte da turma silenciou, talvez com medo ou vergonha, mas "Tolerância", tomando a palavra, leu um trecho do Evangelho de Mateus (Mt 7, 24-25) que diz assim: "Portanto, quem ouve essas minhas palavras e as põe em prática, é como o homem prudente que construiu sua casa sobre a rocha. Caiu a chuva, vieram as enxurradas, os ventos sopraram com força contra a casa, mas a casa não caiu, porque fora construída sobre a rocha". E conclui dizendo que a "Diferença", mesmo sendo motivo de dor e sofrimento para ela, ensinou que para ser "Tolerância" é preciso ser e ter fundamento para sustentar que a "Diferença" não deve ser motivo de divisões e pré-conceitos entre a gente. A turma silenciou e desde aquele dia "Diferença" mudou, assim como eu...


Se eu tenho fundamento e sustento no que sou e creio, então eu consigo olhar para as nossas diferenças como algo que me enriquece e me faz crescer, me faz ser melhor do que sou, ou seja, sou tolerante. Caso contrário, a intolerância revela minha falta de fundamento e, por isso mesmo, minha falta de conteúdo, pois não consigo olhar para as pessoas para além de suas diferenças em relação a mim... É nesse sentido que a tolerância deve sustentar as diferenças, não suportá-las... É quando a Tolerância se torna um valor...



José Wilson Correa Garcia
Professor de Ensino Religioso, Filosofia e Sociologia.
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