quinta-feira, 3 de abril de 2014

TOLERÂNCIA: sustentando as diferenças


"Na minha escola tem uma menina que eu não tolero ela de jeito nenhum. Ela é chata, feia, pobre... Quero é distância dela!"

Eu ouvi isso de "Diferença", uma aluna. Ela estava falando de "Tolerância", uma colega sua de escola, também minha aluna. Falar algo desse tipo já é muito sério. Mais sério ainda é falar algo desse tipo com as próprias ações. Sim, "Diferença" não estava falando literalmente, mas estava falando com suas práticas e ações dentro da escola.


"Tolerância" é uma jovem linda, inteligente, faladeira. Acolhedora com os colegas e professores, sempre está disponível a tudo e a todos. Na sala de aula ela sempre está perguntando, questionando, inquieta... E suas posições são coerentes com sua simplicidade de vida e a simplicidade de vida da sua família. Ela me ajuda muito com isso, é lindo de se ver! Lembro que no dia da Consciência Negra pedimos a "Tolerância" para fazer uma dança. Ela, com sua negritude e seus cabelos crespos lindos, dançou que era uma beleza. Enfim, "Tolerância" tem tudo o que a maioria de seus colegas não tem na escola e isso se torna um estigma sem sentido para ela.


Uma vez no recreio, eu estava em uma roda conversando e brincando com um grupinho de alunos. "Tolerância" chegou, me deu um abraço apertado, ficou do meu lado, participando da conversa, brincando, sorrindo. Aos poucos, os outros foram silenciando, fechando a cara, e simplesmente saindo de mansinho, num silêncio desconcertante e opressor. Não sei se "Tolerância" percebeu, mas eu percebi... Fiquei me perguntando: como uma pessoa com tantas qualidades e belezas pode ser rejeitada dessa forma? Quem não daria tudo pela presença agradabilíssima da "Tolerância"? Ela me ajudou a perceber que "Diferença" estava influenciando negativamente os outros colegas e que casos como aquele se repetiam dia a dia na escola, como se fosse absurdamente anormal ser diferente.




"Tolerância" também era inteligente. Lembro que um dia ela me disse que a origem do seu nome vinha da palavra latina tolerare e significava duas coisas: suportar e sustentar. O primeiro significado ela não gostava muito e eu concordava com ela. Suportar alguma coisa ou alguém parece soar estranhamente opressor. Se alguém suporta algo ou alguém é porque o faz como peso, mas "Tolerância" não conseguia olhar para as pessoas como se fossem um peso ou fardo. Diferentemente ela entendia que o significado "sustentar" parecia mais apropriado para sua vida, pois sustentar não significa o mesmo que suportar. Sustentar quer dizer ser base, ser alicerce, ser o fundamento de algo ou de alguém. Uma construção sem fundamento desmorona no primeiro vendaval, dizia-me "Tolerância". E isso tudo me pareceu muito verdadeiro e cheio de sentido...


No dia seguinte, na sala de aula, discutíamos sobre a importância da bíblia como Palavra de Deus na vida de um cristão. Sim, pois a bíblia pode ser outras coisas não muito legais, além de Palavra de Deus... As opiniões eram diversas e "Diferença", tomando a palavra, quis afirmar e impor sua opinião como única e exclusivamente verdadeira. A maior parte da turma silenciou, talvez com medo ou vergonha, mas "Tolerância", tomando a palavra, leu um trecho do Evangelho de Mateus (Mt 7, 24-25) que diz assim: "Portanto, quem ouve essas minhas palavras e as põe em prática, é como o homem prudente que construiu sua casa sobre a rocha. Caiu a chuva, vieram as enxurradas, os ventos sopraram com força contra a casa, mas a casa não caiu, porque fora construída sobre a rocha". E conclui dizendo que a "Diferença", mesmo sendo motivo de dor e sofrimento para ela, ensinou que para ser "Tolerância" é preciso ser e ter fundamento para sustentar que a "Diferença" não deve ser motivo de divisões e pré-conceitos entre a gente. A turma silenciou e desde aquele dia "Diferença" mudou, assim como eu...


Se eu tenho fundamento e sustento no que sou e creio, então eu consigo olhar para as nossas diferenças como algo que me enriquece e me faz crescer, me faz ser melhor do que sou, ou seja, sou tolerante. Caso contrário, a intolerância revela minha falta de fundamento e, por isso mesmo, minha falta de conteúdo, pois não consigo olhar para as pessoas para além de suas diferenças em relação a mim... É nesse sentido que a tolerância deve sustentar as diferenças, não suportá-las... É quando a Tolerância se torna um valor...



José Wilson Correa Garcia
Professor de Ensino Religioso, Filosofia e Sociologia.

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