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domingo, 12 de abril de 2020

CARREGADORES DE CAIXÃO DE GANA: UM OLHAR ANTROPOLÓGICO POR TRÁS DO MEME.

A morte, assim como qualquer outra experiência humana, é vivida de formas diferentes, de acordo com cada expressão cultural. Para nós brasileiros, marcados pela cultura judaico-cristã, a morte é cercada pelo sofrimento, pois é como se a vida terminasse com ela. Mas não ficamos no vazio do sofrimento. Esperamos e cremos em uma vida para além da morte. Por isso que, para nós, os serviços funerários existem com a finalidade de oferecer conforto para a dor da perda de um ente querido.

Em outras culturas, porém, a morte é uma experiência completamente diferente. Em alguns povos orientais, o defunto continua fazendo parte da família. Depois de morrer a pessoa é mumificada e continua sendo cuidada pela família.

Em outras culturas, por exemplo, como acontece em muitos povos africanos, a morte é um momento de júbilo, de alegria, de festa. Como se, na verdade, a vida começasse com ela.

É em uma dessas culturas africanas que um grupo funerário surgiu para inovar criativamente o momento da morte. Eles são de Gana, nação da África Ocidental, e oferecem serviços funerários de acordo com o pacote solicitado pela família. As performances dependem do pacote solicitado e pago, obviamente, porque independente da cultura, a necessidade de lucrar com a morte (seja ela alegre ou triste) perpassa as particularidades culturais. Mas foi por causa desse grupo de Gana que o meme viralizou na Internet. E é bem provável que tenha viralizado particularmente naquelas culturas que acharam a situação engraçada ou estranha, simplesmente porque é apenas diferente.

Talvez, para muitas culturas diferentes da nossa, um vídeo de um grupo de pessoas chorando em torno de um defunto num caixão seja igualmente engraçado ou estranho. O importante é não acharmos que somente a nossa expressão cultural é a correta.

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terça-feira, 24 de março de 2020

UM ANO DE SAUDADES DA BIA


Foi há exatamente um ano, dois dias depois do meu aniversário, que Deus te levou, Bia. Você sabe que naqueles dias tive sentimentos confusos. Não sabia se assumia a dor e o egoísmo por querê-la mais perto de nós. Ou se agradecia a Deus por ter nos dado um anjo especial. Talvez as duas coisas...

Em todo caso, sinto saudades e queria ter tido a oportunidade de olhar mais pra você. Observar melhor como devem ser os anjos aí no céu. De como eles têm dificuldade de andar por causa das asas. Voando sempre, devem se sentir solitários por não conseguirem estar sempre juntos dos demais. Talvez a vantagem de tudo isso seja o fato de eles poderem olhar melhor sempre do alto e, talvez, contemplar o todo, enquanto os outros só observam as partes.

Sinto saudades e queria ter tido mais uma oportunidade de abrir a porta da sala depois da aula, empurrado sua cadeira e sentado mais uma vez ao seu lado no recreio. Há um ano eu tive que dividir essa tarefa com os seus mais novos amigos, os arcanjos. Imagino que Gabriel e Rafael tiveram que trabalhar juntos, não só para te levar, mas também para construir as rampas entre as nuvens de algodão doce. É que aí no céu não é como aqui na terra, ninguém fica triste porque não consegue ir a algum lugar. Agora você deve estar em todos os lugares, Bia.

Nossa Senhora, que costuma observar sempre sentada como você, a movimentação no céu e aqui embaixo, deve sempre fazer companhia a você, nos momentos em que sentiu saudades de sua família e dos seus amigos. Imagino que essa saudade já se transformou em paz, que ainda não aprendemos aqui.

Eu, daqui debaixo, continuo me permito sentir um pouquinho de egoísmo por querê-la perto de nós. Mas também me permito olhar para o céu e ver os rastros brancos - como as nuvens - deixados por sua cadeira e por seu novo par de asas, olhando feliz pra nós que continuamos nos esbarrando desajeitados uns nos outros.

Saudades, Bia!

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terça-feira, 2 de julho de 2019

O ULTIMO ABRAÇO DE VALÉRIA EM SEU PAI

A família salvadorenha, como milhares de outras imigrantes, tentavam a travessia bloqueada pelo muro ideológico construído pelos EUA. O pai leva primeiro a filha, deixando-a na outra margem do rio, enquanto volta pra buscar a mãe. A filhinha, com menos de dois anos, ao ver o pai se afastar, se joga na água. O pai volta para socorrê-la. A mãe, desesperada, observa o marido e a filha sumirem nas águas do rio que separa o México dos EUA.
 
Depois de 12 horas, os corpos de Óscar Alberto e sua filhinha Valéria são encontrados. A foto, que deixa a alma vazia e o coração mudos, mostra o bracinho da criança sobre o pescoço do pai, como que abraçada gritando por socorro.
 
Enquanto isso, o governo trump continua sua política xenofóbica de endurecimento contra imigrantes de países subdesenvolvidos. O mesmo governo adorado pelo atual presidente do Brasil, que aparentemente compartilha das mesmas posturas ideológicas criminosas.
 
Tania Vanessa, mãe e esposa, continua viva sem o direito de entrar nos EUA para tentar uma vida melhor... mas agora sem marido e sem filha.
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domingo, 24 de setembro de 2017

ADOLF EICHMANN, CARLOS ALBERTO BRILHANTE USTRA E A BANALIDADE DO MAL

Estava assistindo ao depoimento do Coronel Ustra (sim, aquele mesmo louvado pelo deputado Jair Bolsonaro) na comissão da verdade, para responder por crimes contra cidadãos brasileiros, torturados e mortos durante a ditadura militar, quando ele era comandante do Departamento de Ordem Política e Social (DOPS) de São Paulo. Em um momento do depoimento me chamou atenção essa argumentação de defesa que ele faz e que transcrevo literalmente (é de domínio público):

"...Portanto, quem deve estar aqui não é o coronel carlos alberto brilhante ustra. Quem tem que tá aqui é o exército brasileiro [...] que assumiu a ordem do presidente da república [...] e sob os quais eu cumpri todas as ordens..."

Me chamou atenção essa argumentação, pois me fez lembrar do comandante nazista Adolf Eichmann, um dos principais organizadores do assassinato de milhões de pessoas durante a 2ª grande guerra. O mesmo quando foi julgado e condenado pela corte internacional formada para julgar crimes contra a humanidade, durante o holocausto judeu, usou como argumentação a mesma estratégica presente no discurso de Ustra, ou seja, que estava apenas cumprindo ordens de seus superiores, isto é, era um burocrata do mal. Segundo ele, não foi contratado para pensar nas consequências dos seus atos, mas para executar ordens e, assim, assassinar milhões de judeus em campos de concentração durante o domínio da Alemanha Nazista.

Foi essa argumentação que fez a filósofa judia Hannah Arendt, enviada a Jerusalém para cobrir o julgamento de Eichman em 1961, cunhar o conceito de Banalidade do mal. Segundo ela, o mal banal é aquele feito por ignorância, quando o indivíduo se abstêm da inteligência e da capacidade de pensar nas consequências das próprias ações.

Eichmann e Ustra não foram tão diferentes. Pior, eles conseguem arrebanhar seguidores e defensores, ao escolherem a omissão e a perpetuação do mal banalizado por suas próprias ignorâncias...



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domingo, 17 de janeiro de 2016

A MORTE SEGUNDO MEUS SOBRINHOS

A perda do meu irmão Alexandre foi uma das experiências mais difíceis que eu já vivi. Não só eu, mas a família de uma forma geral. Não estávamos preparados para ela. Na verdade, nunca se está.

Os dias que passamos juntos foram intensos, envoltos em muitos sentimentos, questionamentos, silêncios. Entre nós, cada um a seu tempo e da sua maneira, a dor era vivida, experimentada e externada. Mas ficava observando meus sobrinhos e notava que, neles, era diferente...

A criança parece ter uma experiência completamente diferente de nós adultos da morte. Eles sentem, mas não entendem. Pelo menos não da forma como nós entendemos.
 
No dia seguinte ao enterro de Alexandre, saí com João Pedro pra frente da praia. Saí com medo, porque tinha certeza que ele falaria do pai e eu não teria força ou coragem pra responder. Ele já tinha começado a entender que algo tinha acontecido com o pai que machucava todo mundo, por isso não falava. Mas comigo ele falava, talvez pela aparência, não sei... Não deu outra. No meu colo sussurrou quase como um segredo sagrado: "Papai tá vindo?". Abracei ele forte, solucei... Depois de um tempo eu disse que o papai dele tinha ido morar com Papai do céu. Não sei se foi a melhor resposta, mas foi a que saiu do coração. Ele com uma certeza dolorosamente ingênua, termina: "papai tá trabalhando!". Me calei...

No coração de uma criança a morte não existe da forma como existe pra nós. Porque para eles a pessoa continua viva, mesmo que não fisicamente presente porque está distante, fazendo as coisas que sempre fez... Para eles a morte não é perda.

Algum tempo depois Pedro Henrique, meu sobrinho mais velho, compartilhava conosco que tinha sonhado com o tio. No sonho, experimentava a naturalidade das coisas que Alexandre sempre fez com ele. No sonho, saíram pra passear de barco, jogaram vídeo game, essas coisas simples da vida. Na volta pra casa, se despediram, o tio andando sobre a água (porque essas coisas são possíveis nos sonhos), Pedro perguntou se ele ia ficar bem. A resposta foi um sorriso afirmativo.

Curiosamente, também sonhei com ele. Não costumo sonhar com pessoas que já faleceram, mas com meu irmão foi um sonho diferente, porque foi um sonho de paz, tão real para o coração quanto para meus sobrinhos! Estava no quarto de mamãe, senti ele do meu lado, a gente conversava, aquelas coisas que só o coração sabe. Mamãe apareceu na porta, eu me calei, não queria machucá-la porque sabia que só eu estava vendo ele. Mesmo assim, acariciei seu braço e, no final, perguntei se ele estava bem. A resposta foi, também, um sorriso afirmativo.

Foi um sonho de criança. Um beijo consolado de esperança. Uma certeza estranha de que, mesmo com a morte, há vida. Meus sobrinhos sabem disso, porque vivem isso. Para eles o tio, de alguma forma, continua vivo, na memória do presente que só um coração de criança é capaz de viver plenamente. Hoje, depois de dois meses, a saudade do meu irmão é ainda vivida como perda, mesmo contra toda certeza que a fé me dá. Queria continuar sonhando com ele, mas os sonhos nem sempre acontecem da forma como desejamos. Por isso, tenho meus sobrinhos pra me recordar que a morte é uma parte estranha da vida, feita de memórias vivas de quem amamos...
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