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segunda-feira, 20 de abril de 2020

NÃO BASTA SABER O QUE FOI O AI-5: É PRECISO CONHECER SEU CONTEXTO.


É inegável que o projeto político alimentado por jair bolsonaro, e seu respectivo governo, tenha trazido à tona, no cenário social brasileiro, sombras de um passado que achávamos que estava apagado, mas não esquecido.

Tornou-se comum o flerte com posturas autoritárias e antidemocráticas, sob a justificativa de instauração da ordem e do progresso da nação. Mais do que isso, a tendência a buscar justificativas que minimizam tais posturas ganhou espaço, não só nos discursos comuns, mas também na consciência de acadêmicos, professores e historiadores.

Atualmente, a sombra ressuscitada nesses discursos e consciências é o AI-5 (Ato Institucional nº 5), como justificativa autoritária para a resolução dos sérios problemas institucionais e políticos pelos quais passam o Brasil. De acordo com as intepretações que minimizam o debate, o AI-5 teria sido decretado dentro de uma constitucionalidade e legalidade, que colocou nas mãos do presidente da república, um poder acima de todos os outros poderes, inclusive da própria constituição. E, em certo sentido, isso não está absolutamente errado. O que está errado é não considerar o significado da constitucionalidade e legalidade na época em que o AI-5 foi decretado e seu respectivo contexto. O que está errado é não considerar que, para o AI-5 ser colocado em prática, foi preciso a preparação de um terreno, igualmente sombrio, que manchou (e quer voltar a manchar) a história democrática brasileira. Vamos ao contexto.

Tudo começou, no início da década de 60, com os antecedentes do golpe, que implantaria o governo militar ditatorial no Brasil. O pais estava polarizado, de um lado, por setores mais progressistas, representado pelos últimos dois presidentes anteriores ao regime (Jânio Quadros e João Goulart) e, do outro lado, por setores conservadores reacionários, representados pela elite econômica e política, com força significativa no legislativo. Tal polarização terminou com a vitória da ala conservadora e reacionária, que encontrou nas forças armadas o apoio necessário para a realização do golpe que destituiu o presidente do poder. Assim, em 1964, foi implantado através de um golpe, o primeiro governo ditatorial regido por militares, que duraria 21 anos.

Tal modelo de governo, obviamente, não surgiu do nada. Primeiramente, foi preciso uma base de apoio político e ideológico, fartamente disponível nos setores econômicos e políticos da elite brasileira. Segundo, foi preciso construir uma base jurídica e legal para a execução do golpe em termos práticos, o que levou o governo golpista a promulgação de Atos Institucionais, que foram decretos validados pelo poder executivo, sem a aprovação de nenhuma instituição legislativa ou judiciária. Foi a primeira mostra das feições ditatoriais do recente governo militar brasileiro. Ao todo, foram decretados 17 Atos Institucionais. E, apesar de o 5º ser o mais famoso, pelo fato de ter fechado o congresso nacional, bem como de ter dado ao presidente poderes quase que absolutos, é importante saber que os Atos Institucionais anteriores prepararam o terreno para a promulgação do AI-5, como a promulgação do período mais sombrio e autoritário da ditadura militar brasileira. Vamos conhecê-los.

Ao AI-1 coube modificar a Constituição no que diz respeito à eleição, ao mandato e aos poderes do Presidente da República. Também conferiu aos Comandantes-em-chefe das Forças Armadas o poder de suspender direitos políticos e cassar mandatos legislativos, sem nenhum tipo de apreciação judicial desses atos.

Ao AI-2 coube a continuação da manipulação da Constituição do Brasil, mas no que diz respeito ao processo legislativo, às eleições, aos poderes do Presidente da República, à organização dos três Poderes; Ele também suspendeu garantias de estabilidade de cidadãos que tinham cargos e funções públicas, bem como reafirmou a exclusão de qualquer tipo de apreciação judicial aos atos praticados de acordo com suas normas e Atos Complementares decorrentes.

Ao AI-3 coube dispor sobre eleições indiretas nacionais, estaduais e municipais; permitiu que Senadores e Deputados Federais ou Estaduais, com prévia licença, exercessem cargos de prefeitos de capitais de Estado. Também, mais uma vez, exclui da apreciação judicial atos praticados de acordo com suas normas e Atos Complementares decorrentes.

Ao AI-4 coube convocar o Congresso Nacional para discussão, votação e promulgação do Projeto de Constituição apresentado pelo Presidente da República.

Enfim, ao AI-5, como anteriormente citado, coube suspender a garantia de habeas corpus para determinados crimes; dispor sobre os poderes do Presidente da República de decretar: estado de sítio; intervenção federal, sem os limites constitucionais; suspensão de direitos políticos e restrição ao exercício de qualquer direito público ou privado, como a demissão de pessoas do serviço público; cassação de mandatos eletivos; fechamento do Congresso Nacional, das Assembleias Legislativas e das Câmaras de Vereadores e, como de costume, exclui toda possibilidade de apreciação judicial dos atos praticados de acordo com suas normas e Atos Complementares decorrentes.

Os Atos Institucionais do 6º ao 17º, menos conhecidos e explorados, couberam continuar manipulando mudanças na Constituição a respeito de matéria administrativa e eleitoral. Porém, também foram usados com o intuito de ampliar progressivamente os poderes do Executivo para praticar desapropriações, confiscos, banimento do território nacional e envio para a reserva de militares acusados de atentar contra às Forças Armadas.

É dessa forma que os Atos Institucionais se tornaram instrumentos de legitimação de quaisquer atos do poder Executivo, até mesmo aqueles que contrariavam a Constituição Federal e atentavam contra os direitos humanos, muitas vezes com requintes de crueldade, através de prisões ilegais e de práticas da torturas.
São estes símbolos, disfarçados de legalidade, que testificam a forma autoritária como o país foi comandado durante este período da ditadura militar. Quando se vê alguém minimiza-lo, é preciso considerar se a pessoa faz isso por ignorância, por má fé ou por pertencer aos mesmos setores que buscaram saciar seus privilégios e prazeres criminosos através de um regime autoritário. Para estes, falas como “Eu sou a constituição”, ditas pelo atual presidente jair bolsonaro, bem como de suas constantes participações e omissões em manifestações que pedem a volta do AI-5 e da ditadura, pode ser tudo, menos patriotismo, menos zelo pela democracia e, sobretudo, menos caráter.


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quarta-feira, 7 de agosto de 2019

O AMOR FAZ DO OUTRO SAGRADO


Antes que digam, sei que a história que vou contar a seguir não é verdadeira. Mas nunca uma história falsa foi tão verdadeira.

Disseram que esta criança da foto tinha perdido a mãe na guerra e, no pátio do orfanato, rabisca seu desenho e se deita na memória do aconchego do seu ventre, deixando de lado as sandálias em sinal de respeito, como é costume nas tradições orientais ao se entrar em um lugar sagrado.

Dizem que saudade só existe na língua portuguesa. Acho que depois dessa foto, a saudades pode ser compreendida em qualquer língua.

E isso me fez pensar que esta imagem representa bem o significado da espiritualidade. Espiritualidade é Saudade. Quando o coração deseja o aconchego da fonte de sua criação, faz porque tem sede de Deus. É o que deveria acontecer todas as vezes que vamos à Igreja. É o que deveria acontecer todas as vezes que encontramos aqueles a quem Jesus chama de próximo: as crianças, os leprosos, as prostitutas, os pecadores, os miseráveis, os pobres e excluídos... também os amigos. Entrar na sacralidade da vida dessas pessoas, como ventre, e de pés descalços.
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sábado, 5 de dezembro de 2015

ALEXANDRE: A MEMÓRIA DO CORAÇÃO.

Existem fatos da vida que não são possíveis de serem contidos nas palavras. Não cabem nelas, escapam delas, se perdem pra além delas, em um mistério quase impossível de ser entendido.

A morte do meu irmão Alexandre foi/é um desses fatos. Eu nunca tinha vivido uma experiência de perda prematura e trágica com alguém tão íntimo e próximo a mim. Na verdade, ninguém na minha família. Acho que nos preparamos pra tudo, só nunca havíamos nos preparado pra uma perda desse tipo. Definitivamente, não...

Quando Gabi chegou na escola para me dar a notícia, minha primeira reação foi de continuar fazendo o que estava, sem acreditar. É aquele tipo de coisa que, simplesmente, a gente acha que nunca vai experimentar, que nunca vai acontecer com a gente. O sentido do que tinha realmente acontecido foi caindo no coração aos poucos, o chão foi desaparecendo sob pés aos poucos. Desapareceu completamente quando ouvi, ao telefone, a voz desesperada das minhas duas irmãs. Solucei no colo de Gabi, solucei no colo da minha sogra, mas confesso que, em um segundo momento, não consegui soluçar no colo de Deus. Com Deus eu briguei.

No caminho entre o Ceará e o Espírito Santo foi lutando com Ele, como Jacó para conquistar a bênção. Mas eu não queria bênção, queria começar a entender o que tinha acontecido. Queria entender o significado de tudo. Sim, queria entender o significado e não aceitar desígnios. Aliás, nunca acreditei na morte, de quem quer que seja, como designo divino. Deus não deseja a morte. Mas creio no sentido que pode estar escondido atrás e para além da morte ou que, a partir dela, pode ser transformado e pode transformar as pessoas e o mundo que as rodeia. Esse sentido que me custa entender... Porque? Pra que? Me perco no que não entendo...

Fico com as imagens daqueles dias gravadas na memória, um sofrimento quase que obrigatoriamente moral. Imagem do pranto de mamãe, de papai e de minhas duas irmãs. Imagem da dor de minha cunhada Fernanda. Imagem do silêncio inocente de meus sobrinhos, principalmente o de João Pedro, perguntando quando o pai chegaria e dizendo que ele estava trabalhando. Imagem de cada parente, amigo e amiga de infância. Imagem de Alexandre, estampado em cada um desses rotos.

Em casa, os dias que se sucederam foram de dor mesmo, intensa, daquelas que quando vem não se controla. A memória também faz sofrer. A presença de Alexandre era (e ainda é) como um vendaval que chega de repente, sem um critério definido. Apenas vem e, em resposta, a gente chora junto, como única reação de todo esse turbilhão de sentimentos. As vezes sentíamos necessidade de esconder e engolir o choro, não sei ao certo porque... As vezes desabávamos todos juntos de uma vez só. Penso que assim continuaremos, talvez por um tempo excepcionalmente longo, principalmente mamãe. Porém, a ampulheta da vida há de continuar girando...

Ah, o tempo! Me recordo que naqueles dias o tempo estava nublado. No dia seguinte ao velório e ao enterro do meu irmão, choveu muito. Saí pra rua, em frente ao Mar, como fazíamos quando éramos criança para jogar bola na praia e tomar banho de mar. Dessa vez eu estava sozinho. Mas pulei no mar assim mesmo... e ali, com a água da chuva caindo sobre a superfície, eu submerso, me escondi do mundo, me escondi de Deus. Mas não estava sozinho, Alexandre estava comigo. Foi então que eu entendi que mesmo sem compreender, existem coisas que somente o tempo é capaz de arrumar. Não somente o tempo passado ou o que há de vir, mas este mesmo aqui, agora, transformado por tudo aquilo que creio, mesmo brigando com Deus, quando todos os apoios humanos caem. A fé, dessa forma, aparece não só como consolo, mas, sobretudo, como resposta, como sentido. Alexandre, meu irmão, aos poucos, vai se transformando naquilo que ficará eternamente guardado na memória do coração, porque como diz Rubem Alves: “Aquilo que está escrito no coração não necessita de agendas porque a gente não esquece. O que a memória ama fica eterno”.
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