É inegável que o projeto político
alimentado por jair bolsonaro, e seu respectivo governo, tenha trazido à tona,
no cenário social brasileiro, sombras de um passado que achávamos que estava
apagado, mas não esquecido.
Tornou-se comum o flerte com posturas
autoritárias e antidemocráticas, sob a justificativa de instauração da ordem e
do progresso da nação. Mais do que isso, a tendência a buscar justificativas
que minimizam tais posturas ganhou espaço, não só nos discursos comuns, mas
também na consciência de acadêmicos, professores e historiadores.
Atualmente, a sombra ressuscitada
nesses discursos e consciências é o AI-5 (Ato Institucional nº 5), como
justificativa autoritária para a resolução dos sérios problemas institucionais
e políticos pelos quais passam o Brasil. De acordo com as intepretações que
minimizam o debate, o AI-5 teria sido decretado dentro de uma constitucionalidade
e legalidade, que colocou nas mãos do presidente da república, um poder acima
de todos os outros poderes, inclusive da própria constituição. E, em certo
sentido, isso não está absolutamente errado. O que está errado é não considerar
o significado da constitucionalidade e legalidade na época em que o AI-5 foi
decretado e seu respectivo contexto. O que está errado é não considerar que,
para o AI-5 ser colocado em prática, foi preciso a preparação de um terreno,
igualmente sombrio, que manchou (e quer voltar a manchar) a história democrática
brasileira. Vamos ao contexto.
Tudo começou, no início da década de
60, com os antecedentes do golpe, que implantaria o governo militar ditatorial no
Brasil. O pais estava polarizado, de um lado, por setores mais progressistas,
representado pelos últimos dois presidentes anteriores ao regime (Jânio Quadros
e João Goulart) e, do outro lado, por setores conservadores reacionários,
representados pela elite econômica e política, com força significativa no
legislativo. Tal polarização terminou com a vitória da ala conservadora e
reacionária, que encontrou nas forças armadas o apoio necessário para a
realização do golpe que destituiu o presidente do poder. Assim, em 1964, foi
implantado através de um golpe, o primeiro governo ditatorial regido por
militares, que duraria 21 anos.
Tal modelo de governo, obviamente, não
surgiu do nada. Primeiramente, foi preciso uma base de apoio político e ideológico,
fartamente disponível nos setores econômicos e políticos da elite brasileira.
Segundo, foi preciso construir uma base jurídica e legal para a execução do
golpe em termos práticos, o que levou o governo golpista a promulgação de Atos
Institucionais, que foram decretos validados pelo poder executivo, sem a
aprovação de nenhuma instituição legislativa ou judiciária. Foi a primeira
mostra das feições ditatoriais do recente governo militar brasileiro. Ao todo,
foram decretados 17 Atos Institucionais. E, apesar de o 5º ser o mais famoso, pelo
fato de ter fechado o congresso nacional, bem como de ter dado ao presidente
poderes quase que absolutos, é importante saber que os Atos Institucionais anteriores
prepararam o terreno para a promulgação do AI-5, como a promulgação do período
mais sombrio e autoritário da ditadura militar brasileira. Vamos conhecê-los.
Ao AI-1 coube modificar a Constituição
no que diz respeito à eleição, ao mandato e aos poderes do Presidente da
República. Também conferiu aos Comandantes-em-chefe das Forças Armadas o poder
de suspender direitos políticos e cassar mandatos legislativos, sem nenhum tipo
de apreciação judicial desses atos.
Ao AI-2 coube a continuação da
manipulação da Constituição do Brasil, mas no que diz respeito ao processo
legislativo, às eleições, aos poderes do Presidente da República, à organização
dos três Poderes; Ele também suspendeu garantias de estabilidade de cidadãos
que tinham cargos e funções públicas, bem como reafirmou a exclusão de qualquer
tipo de apreciação judicial aos atos praticados de acordo com suas normas e
Atos Complementares decorrentes.
Ao AI-3 coube dispor sobre eleições
indiretas nacionais, estaduais e municipais; permitiu que Senadores e Deputados
Federais ou Estaduais, com prévia licença, exercessem cargos de prefeitos de
capitais de Estado. Também, mais uma vez, exclui da apreciação judicial atos
praticados de acordo com suas normas e Atos Complementares decorrentes.
Ao AI-4 coube convocar o Congresso
Nacional para discussão, votação e promulgação do Projeto de Constituição
apresentado pelo Presidente da República.
Enfim, ao AI-5, como anteriormente
citado, coube suspender a garantia de habeas corpus para determinados
crimes; dispor sobre os poderes do Presidente da República de decretar: estado
de sítio; intervenção federal, sem os limites constitucionais; suspensão de
direitos políticos e restrição ao exercício de qualquer direito público ou
privado, como a demissão de pessoas do serviço público; cassação de mandatos
eletivos; fechamento do Congresso Nacional, das Assembleias Legislativas e das
Câmaras de Vereadores e, como de costume, exclui toda possibilidade de
apreciação judicial dos atos praticados de acordo com suas normas e Atos
Complementares decorrentes.
Os Atos Institucionais do 6º ao 17º, menos
conhecidos e explorados, couberam continuar manipulando mudanças na
Constituição a respeito de matéria administrativa e eleitoral. Porém, também
foram usados com o intuito de ampliar progressivamente os poderes do Executivo
para praticar desapropriações, confiscos, banimento do território nacional e
envio para a reserva de militares acusados de atentar contra às Forças Armadas.
É dessa forma que os Atos Institucionais
se tornaram instrumentos de legitimação de quaisquer atos do poder Executivo,
até mesmo aqueles que contrariavam a Constituição Federal e atentavam contra os
direitos humanos, muitas vezes com requintes de crueldade, através de prisões
ilegais e de práticas da torturas.
São estes símbolos, disfarçados de
legalidade, que testificam a forma autoritária como o país foi comandado durante
este período da ditadura militar. Quando se vê alguém minimiza-lo, é preciso
considerar se a pessoa faz isso por ignorância, por má fé ou por pertencer aos
mesmos setores que buscaram saciar seus privilégios e prazeres criminosos
através de um regime autoritário. Para estes, falas como “Eu sou a constituição”,
ditas pelo atual presidente jair bolsonaro, bem como de suas constantes
participações e omissões em manifestações que pedem a volta do AI-5 e da
ditadura, pode ser tudo, menos patriotismo, menos zelo pela democracia e, sobretudo,
menos caráter.
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Parabéns pelo texto!
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