Existem fatos da vida que não são possíveis de serem contidos nas palavras. Não cabem nelas, escapam delas, se perdem pra além delas, em um mistério quase impossível de ser entendido.
A morte do meu irmão Alexandre foi/é um desses fatos. Eu nunca tinha vivido uma experiência de perda prematura e trágica com alguém tão íntimo e próximo a mim. Na verdade, ninguém na minha família. Acho que nos preparamos pra tudo, só nunca havíamos nos preparado pra uma perda desse tipo. Definitivamente, não...
Quando Gabi chegou na escola para me dar a notícia, minha primeira reação foi de continuar fazendo o que estava, sem acreditar. É aquele tipo de coisa que, simplesmente, a gente acha que nunca vai experimentar, que nunca vai acontecer com a gente. O sentido do que tinha realmente acontecido foi caindo no coração aos poucos, o chão foi desaparecendo sob pés aos poucos. Desapareceu completamente quando ouvi, ao telefone, a voz desesperada das minhas duas irmãs. Solucei no colo de Gabi, solucei no colo da minha sogra, mas confesso que, em um segundo momento, não consegui soluçar no colo de Deus. Com Deus eu briguei.
No caminho entre o Ceará e o Espírito Santo foi lutando com Ele, como Jacó para conquistar a bênção. Mas eu não queria bênção, queria começar a entender o que tinha acontecido. Queria entender o significado de tudo. Sim, queria entender o significado e não aceitar desígnios. Aliás, nunca acreditei na morte, de quem quer que seja, como designo divino. Deus não deseja a morte. Mas creio no sentido que pode estar escondido atrás e para além da morte ou que, a partir dela, pode ser transformado e pode transformar as pessoas e o mundo que as rodeia. Esse sentido que me custa entender... Porque? Pra que? Me perco no que não entendo...
Fico com as imagens daqueles dias gravadas na memória, um sofrimento quase que obrigatoriamente moral. Imagem do pranto de mamãe, de papai e de minhas duas irmãs. Imagem da dor de minha cunhada Fernanda. Imagem do silêncio inocente de meus sobrinhos, principalmente o de João Pedro, perguntando quando o pai chegaria e dizendo que ele estava trabalhando. Imagem de cada parente, amigo e amiga de infância. Imagem de Alexandre, estampado em cada um desses rotos.
Em casa, os dias que se sucederam foram de dor mesmo, intensa, daquelas que quando vem não se controla. A memória também faz sofrer. A presença de Alexandre era (e ainda é) como um vendaval que chega de repente, sem um critério definido. Apenas vem e, em resposta, a gente chora junto, como única reação de todo esse turbilhão de sentimentos. As vezes sentíamos necessidade de esconder e engolir o choro, não sei ao certo porque... As vezes desabávamos todos juntos de uma vez só. Penso que assim continuaremos, talvez por um tempo excepcionalmente longo, principalmente mamãe. Porém, a ampulheta da vida há de continuar girando...
Ah, o tempo! Me recordo que naqueles dias o tempo estava nublado. No dia seguinte ao velório e ao enterro do meu irmão, choveu muito. Saí pra rua, em frente ao Mar, como fazíamos quando éramos criança para jogar bola na praia e tomar banho de mar. Dessa vez eu estava sozinho. Mas pulei no mar assim mesmo... e ali, com a água da chuva caindo sobre a superfície, eu submerso, me escondi do mundo, me escondi de Deus. Mas não estava sozinho, Alexandre estava comigo. Foi então que eu entendi que mesmo sem compreender, existem coisas que somente o tempo é capaz de arrumar. Não somente o tempo passado ou o que há de vir, mas este mesmo aqui, agora, transformado por tudo aquilo que creio, mesmo brigando com Deus, quando todos os apoios humanos caem. A fé, dessa forma, aparece não só como consolo, mas, sobretudo, como resposta, como sentido. Alexandre, meu irmão, aos poucos, vai se transformando naquilo que ficará eternamente guardado na memória do coração, porque como diz Rubem Alves: “Aquilo que está escrito no coração não necessita de agendas porque a gente não esquece. O que a memória ama fica eterno”.
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