segunda-feira, 21 de abril de 2014

O SILÊNCIO DO AMOR

"Sobre aquilo de que não se pode falar, deve-se calar." Wittgenstein.

Ultimamente tenho pensado muito no silêncio, talvez por tê-lo experimentado como algo constitutivo da minha personalidade ao longo da vida. Hoje, quando mais uma vez pensava nele, percebi que há silêncios que alimentam uma solidão sem sentido, vazia, opressora... e há silêncios que possibilitam uma solidão necessária e construtiva, exatamente porque nos abre um horizonte de sentido e amor... um silêncio libertador. A raiz desse último, na minha história, encontrei em minha família...

Em casa nunca fomos de falar de nossas intimidadas pessoais. O que parecia ser normal entre amigos, dentro da família era sempre tabu. Isso, porém, nos ensinou a amar de outras formas, através de nossos silêncios, daquilo que não era falado, mas era vivido e sentido...

Lembro da primeira grande decepção que tive na minha vida de jovem/adolescente (que agora não convém detalhar) e da dor que ela me causou. Estava recente e ainda não tinha aprendido a curar minhas dores com o choro (o choro também era um tabu em casa). Numa noite, quando não conseguia dormir porque o choro sufocado também sufocava a necessidade de falar, levantei da cama e fui ao quarto de minhas irmãs. Virgínia, a mais velha, estava dormindo. Quis acordá-la, dizer o que estava sentindo e como estava doendo e me fazendo sofrer aquela situação, mas não o fiz. Ao contrário, sentei ao lado da sua cama e ali simplesmente chorei. Foi o diálogo mais profundo que tive com ela (e tenho certeza que até hoje ela sequer sabe disso) porque no seu silêncio de sono me senti acolhido, entendido e amado. Ali ela me dizia tudo o que precisava ouvir, mesmo sem dizer uma só palavra, mas sendo o que simplesmente era: minha irmã, minha família.

Sábado de manhã era especialmente um terror. Lembro que sempre desejava ficar na cama até mais tarde, eu e meu irmão, mas mamãe e minhas irmãs sempre inventavam de arrumar a casa justamente o mais cedo possível naquele dia, início do final de semana. O piso de casa ainda era de madeira e as batidas da vassoura no rodapé eram terrivelmente perturbadoras, e acho que elas sabiam disso e usavam como método para nos acordar. Porém, aquela infernal seção de tortura do meu sono era amenizada pelo silêncio de mamãe, que nos seus afazeres ficava assoviando canções religiosas. Depois de algum tempo eu entendi que era uma das formas dela de nos educar na fé...

Os domingos em casa (não sei porque, mas especialmente os domingos) eram repletos de silêncios de simplicidade e felicidade. No almoço o cheiro do alho refogado na panela, sacralmente preparada por mamãe, falava de amor e cuidado. À noite, todos sentados ao redor da televisão e aquela vinheta terrível do programa anunciando a segunda feira, sentíamo-nos de muitas formas silenciosas mais próximos, mais unidos, mais família. Cada um de nós filhos, ao seu tempo, ia dormir dando boa noite a papai e mamãe como num ritual sagrado. E a última lembrança que tinha do domingo, já deitado na cama sonolento, era do beijo silencioso de meus pais...

José Wilson Correa Garcia

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1 Comentários

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  1. O OLHAR MOSTRA MAIS,É MAIS PROFUNDO,FAZ MAIS QUE MUITAS ATITUDES CORPORAIS QUE POSSAMOS FAZER.

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