sábado, 5 de dezembro de 2015

ALEXANDRE: A MEMÓRIA DO CORAÇÃO.

Existem fatos da vida que não são possíveis de serem contidos nas palavras. Não cabem nelas, escapam delas, se perdem pra além delas, em um mistério quase impossível de ser entendido.

A morte do meu irmão Alexandre foi/é um desses fatos. Eu nunca tinha vivido uma experiência de perda prematura e trágica com alguém tão íntimo e próximo a mim. Na verdade, ninguém na minha família. Acho que nos preparamos pra tudo, só nunca havíamos nos preparado pra uma perda desse tipo. Definitivamente, não...

Quando Gabi chegou na escola para me dar a notícia, minha primeira reação foi de continuar fazendo o que estava, sem acreditar. É aquele tipo de coisa que, simplesmente, a gente acha que nunca vai experimentar, que nunca vai acontecer com a gente. O sentido do que tinha realmente acontecido foi caindo no coração aos poucos, o chão foi desaparecendo sob pés aos poucos. Desapareceu completamente quando ouvi, ao telefone, a voz desesperada das minhas duas irmãs. Solucei no colo de Gabi, solucei no colo da minha sogra, mas confesso que, em um segundo momento, não consegui soluçar no colo de Deus. Com Deus eu briguei.

No caminho entre o Ceará e o Espírito Santo foi lutando com Ele, como Jacó para conquistar a bênção. Mas eu não queria bênção, queria começar a entender o que tinha acontecido. Queria entender o significado de tudo. Sim, queria entender o significado e não aceitar desígnios. Aliás, nunca acreditei na morte, de quem quer que seja, como designo divino. Deus não deseja a morte. Mas creio no sentido que pode estar escondido atrás e para além da morte ou que, a partir dela, pode ser transformado e pode transformar as pessoas e o mundo que as rodeia. Esse sentido que me custa entender... Porque? Pra que? Me perco no que não entendo...

Fico com as imagens daqueles dias gravadas na memória, um sofrimento quase que obrigatoriamente moral. Imagem do pranto de mamãe, de papai e de minhas duas irmãs. Imagem da dor de minha cunhada Fernanda. Imagem do silêncio inocente de meus sobrinhos, principalmente o de João Pedro, perguntando quando o pai chegaria e dizendo que ele estava trabalhando. Imagem de cada parente, amigo e amiga de infância. Imagem de Alexandre, estampado em cada um desses rotos.

Em casa, os dias que se sucederam foram de dor mesmo, intensa, daquelas que quando vem não se controla. A memória também faz sofrer. A presença de Alexandre era (e ainda é) como um vendaval que chega de repente, sem um critério definido. Apenas vem e, em resposta, a gente chora junto, como única reação de todo esse turbilhão de sentimentos. As vezes sentíamos necessidade de esconder e engolir o choro, não sei ao certo porque... As vezes desabávamos todos juntos de uma vez só. Penso que assim continuaremos, talvez por um tempo excepcionalmente longo, principalmente mamãe. Porém, a ampulheta da vida há de continuar girando...

Ah, o tempo! Me recordo que naqueles dias o tempo estava nublado. No dia seguinte ao velório e ao enterro do meu irmão, choveu muito. Saí pra rua, em frente ao Mar, como fazíamos quando éramos criança para jogar bola na praia e tomar banho de mar. Dessa vez eu estava sozinho. Mas pulei no mar assim mesmo... e ali, com a água da chuva caindo sobre a superfície, eu submerso, me escondi do mundo, me escondi de Deus. Mas não estava sozinho, Alexandre estava comigo. Foi então que eu entendi que mesmo sem compreender, existem coisas que somente o tempo é capaz de arrumar. Não somente o tempo passado ou o que há de vir, mas este mesmo aqui, agora, transformado por tudo aquilo que creio, mesmo brigando com Deus, quando todos os apoios humanos caem. A fé, dessa forma, aparece não só como consolo, mas, sobretudo, como resposta, como sentido. Alexandre, meu irmão, aos poucos, vai se transformando naquilo que ficará eternamente guardado na memória do coração, porque como diz Rubem Alves: “Aquilo que está escrito no coração não necessita de agendas porque a gente não esquece. O que a memória ama fica eterno”.
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quinta-feira, 27 de agosto de 2015

UM NOVO OLHAR PARA A PARÁBOLA DO FILHO PRÓDIGO

Não importa no que você acredita, mas como você vive, Cristo estava dizendo.


Fonte: DCM

Tolstói certa vez disse que “se queres ser universal, começa por pintar a tua aldeia”. Aqui, nossa aldeia se encontra na Palestina do Século I, no tempo das comunidades patriarcais.

Por questões de sobrevivência, era necessário assumir uma postura gregária, de proteção mútua. Em razão da escassez de alimento e da dificuldade de se proteger a propriedade, o isolamento era garantia de morte prematura.

As pessoas se encontravam, portanto, intimamente ligadas à terra. Do apascentamento dos rebanhos ao cultivo dos grãos, tudo era feito em conjunto pelo aldeões.

E o grande responsável pela manutenção dessa ordem era o patriarca, figura a quem se devia, portanto, grande respeito.

Sua influência se estendia para além do núcleo familiar, abrangendo também os seus empregados e suas respectivas famílias.

Diante desse cenário, e para um grupo de camponeses, Jesus narra uma parábola cuja incompreensão atravessa os séculos.

“Um homem tinha dois filhos. O mais novo disse ao seu pai: ‘Pai, quero a minha parte da herança’. Assim, ele repartiu sua propriedade entre eles. “Não muito tempo depois, o filho mais novo reuniu tudo o que tinha e foi para uma região distante; e lá desperdiçou os seus bens vivendo irresponsavelmente.

Depois de ter gasto tudo, houve uma grande fome em toda aquela região, e ele começou a passar necessidade. Por isso foi empregar-se com um dos cidadãos daquela região, que o mandou para o seu campo a fim de cuidar de porcos. Ele desejava encher o estômago com as vagens de alfarrobeira que os porcos comiam, mas ninguém lhe dava nada.
“Caindo em si, ele disse: ‘Quantos empregados de meu pai têm comida de sobra, e eu aqui, morrendo de fome! Eu me porei a caminho e voltarei para meu pai e lhe direi: Pai, pequei contra o céu e contra ti. Não sou mais digno de ser chamado teu filho; trata-me como um dos teus empregados’. A seguir, levantou-se e foi para seu pai.

“Estando ainda longe, seu pai o viu e, cheio de compaixão, correu para seu filho, e o abraçou e beijou.

“O filho lhe disse: ‘Pai, pequei contra o céu e contra ti. Não sou mais digno de ser chamado teu filho’. “Mas o pai disse aos seus servos: ‘Depressa! Tragam a melhor roupa e vistam nele. Coloquem um anel em seu dedo e calçados em seus pés. Tragam o novilho gordo e matem-no. Vamos fazer uma festa e alegrar-nos. Pois este meu filho estava morto e voltou à vida; estava perdido e foi achado’. E começaram a festejar o seu regresso.

“Enquanto isso, o filho mais velho estava no campo. Quando se aproximou da casa, ouviu a música e a dança. Então chamou um dos servos e perguntou-lhe o que estava acontecendo. Este lhe respondeu: ‘Seu irmão voltou, e seu pai matou o novilho gordo, porque o recebeu de volta são e salvo’.

“O filho mais velho encheu-se de ira e não quis entrar. Então seu pai saiu e insistiu com ele. Mas ele respondeu ao seu pai: ‘Olha! todos esses anos tenho trabalhado como um escravo ao teu serviço e nunca desobedeci às tuas ordens. Mas tu nunca me deste nem um cabrito para eu festejar com os meus amigos. Mas quando volta para casa esse teu filho, que esbanjou os teus bens com as prostitutas, matas o novilho gordo para ele!’

“Disse o pai: ‘Meu filho, você está sempre comigo, e tudo o que tenho é seu. Mas nós tínhamos que celebrar a volta deste seu irmão e alegrar-nos, porque ele estava morto e voltou à vida, estava perdido e foi achado’”.

Para se compreender essa parábola, é preciso viajar no tempo e deixar de lado algumas concepções sociológicas que nós, ocidentais do Século XXI, costumamos utilizar.

Jesus falava de acordo com o tempo e os lugares.

Assim, um gesto que pode passar despercebido, mas que é fundamental no contexto social do Oriente Próximo, onde a história se passa, é o problema causado pela questão da antecipação da herança. Para aquelas pessoas, esse pedido equivalia a desejar a morte do patriarca, uma falta tão grave que poderia ser punida com o apedrejamento.

Mesmo diante daquela humilhação, o patriarca concorda com a solicitação do filho.

Este, ciente da sua situação, rapidamente vende os bens herdados e parte uma terra distante. Lá, dilapida o patrimônio e se vê obrigado a cuidar de porcos, algo absolutamente degradante para a época. E em razão da fome que se abate na região, passa a tentar se alimentar da comida destinada a esses animais.

No auge do seu sofrimento, ele “cai em si”. E a dor, qual uma ferramenta pedagógica, faz sua consciência despertar. Arrependido, ele decide buscar o perdão do pai.

E precisamente no episódio do retorno à casa, a sutileza da sabedoria de Jesus impressiona: o patriarca, um homem de andar lento e solene, corre em direção ao filho, abraça-o e beija-o no rosto, na frente de todos. Aquela cena chocante contrariava todas as tradições do patriarcado.
Por amor ao filho, porém, o pai se humilha perante a aldeia naquele gesto público.

Aqui, um detalhe. Naquela região, até hoje, quando há um conflito, uma forma comum de resolução é a mediação, feita por uma pessoa de confiança dos litigantes. Se a questão for resolvida, o gesto que sela a paz é exatamente o beijo no rosto.

Porém, no caso da parábola, em que o problema envolvia pai e filho na divisão de bens, a mediação caberia ao representante legal do patriarca — pela lei, o filho mais velho.

Este, contudo, percebendo que poderia se beneficiar daquela discórdia, prefere se omitir, deixando entrever sua verdadeira personalidade.

Retomemos.

O pai então manda trazer para o filho egresso sandálias e um anel, objetos utilizados apenas por membros da família, jamais por empregados, sinalizando que a reconciliação era plena. Ele estava sendo aceito novamente como filho, e não como mero serviçal.

A melhor roupa e o novilho gordo significavam que todos na aldeia estavam convidados para aquela ocasião especialíssima, solucionando o problema entre o pródigo e a comunidade.

Ao perceber que as festividades se deviam ao retorno do irmão mais novo, o mais velho “se enche de ira”, e se recusa a entrar na casa e receber os convidados, como ordenava a tradição.

“Então o pai saiu e insistiu com ele”.

Nesse instante, o filho enfurecido altera o tom de voz e sequer o reconhece como pai — “olha!” é o tratamento que ele usa. Como não bastasse, em tom de desprezo, refere-se ao próprio irmão como “este teu filho”.

Considerando tratar-se do futuro patriarca, de quem se espera uma postura de liderança e justiça, aquelas eram faltas tão graves quanto o pedido de antecipação de herança.

Preguiçoso, o filho mais velho se queixa de ter trabalhado muito — nas terras que seriam suas; ingrato, ele reclama não ter recebido sequer um cabrito — que poderia ter tido quando bem entendesse; difamador, ele esbraveja publicamente que o irmão gastara o dinheiro com prostitutas — algo que não se encontra no texto, mas em sua imaginação.

“Meu filho, você está sempre comigo, e tudo o que tenho é seu”. Naquela sociedade, era impensável que um patriarca precisasse se justificar a um filho, sobretudo publicamente, em meio a um desrespeitoso arroubo de fúria.

Novamente por amor, o pai se humilha perante toda a comunidade em atenção ao filho mais velho.

Note que, de acordo com a narrativa, este estava no campo quando percebeu a movimentação. É alegórico o fato de ele não estar em casa. O seu comportamento indica que jamais esteve realmente na “casa do Pai”.

Por várias razões, somos levados a nos deter nos erros do filho pródigo, muito embora ambos os filhos estejam igualmente perdidos em seu egoísmo, cada um à sua maneira. O primeiro, por rejeitar a providência do pai e fragilizar as estruturas mais fundamentais da comunidade; o mais velho, pelo chauvinismo velado e pela postura farisaica.

O Pai, por sua vez, preocupa-se apenas com uma única regra, a do amor. Sem maniqueísmos nem preferências.

Regressemos novamente ao trecho em que o Pai avista o filho que retorna. Naquelas poucas palavras encontra-se uma das mais importantes lições do Cristianismo, tão sutil que quase se perdeu no tempo.

No momento em que o pai corre em direção ao filho, abraça-o e beija-o, a sabedoria do Cristo está querendo nos mostrar que o restabelecimento dos laços primordiais, a religação, a “religião” entre Deus e os homens é algo direto, imediato, sem interferências de qualquer natureza.

Com sua linguagem alegórica, voltada para homens simples de dois mil anos atrás, o Cristo desconstrói concepções religiosas vigentes até hoje: utilizando-se das próprias Escrituras, Ele indica serem dispensáveis as convenções sociais, os cultos exteriores, os dogmas.

Nada deve ser interpor na relação entre o Pai e seus filhos.

De forma sublime, o Cristo nos mostra que não importa no que você acredita, mas como você vive.

O que “estava morto e voltou à vida, estava perdido e foi achado”, em verdade, é o vigor de Seus ensinamentos.



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quarta-feira, 26 de agosto de 2015

QUAL A VANTAGEM DE SER JOVEM E CONSERVADOR?

Há uma tendência, mais ou menos generalizada, de uma parcela da juventude hoje se apegar a conjuntos de ideologias, crenças e visões de mundo marcadas por legalismos extremados e conservadores. Aqueles mesmos que oferecem sempre respostas prontas, à custa da supressão de uma liberdade conquista de forma tão cara... quando não se precisa pensar, desde que você pense de acordo com o que se diz para pensar ou  que aja da forma como se diz para agir. A ideia é suprimir toda incoerência que nasce da liberdade da pessoa para se estabelecer uma ordem social, moral, religiosamente pura, sem manchas, sem pecado. Em um mundo assim, não há lugar para o “pecado”, não há lugar para a humanidade, não há lugar para o erro... Suprime-se tudo que é humano, tudo que leva a pecar, o corpo, a carne, o coração, o erro... exalta-se tudo que é “divino”...

Nietzsche, que é um desses filósofos que viveram há alguns séculos atrás, porém, nunca morreu, pois seu pensamento continua soando aos ouvidos como um címbalo desconfortável, foi um dos primeiros a perceber e alertar para esse perigo: de que quando se tem muita necessidade de afirmar perfeições aparentes, é porque o que realmente importa já foi abandonado, esquecido, morto... Dizendo de outra forma, o homem moderno aprendeu a esquecer de Deus. Quis ser tão perfeito que sua perfeição não foi suportada nem pelo próprio Deus. Era o que Nietzsche chamava de Niilismo, isto é, o esvaziamento dos valores.

Esse é o perigo que vejo no coração e na mente de muitos jovens apegados, desordenadamente, a conservadorismos exacerbados, jogando fora aquilo que de mais sagrado tem, sua paixão, sua força vital de transformar, sua liberdade... Paradoxalmente, ao mesmo tempo em que perde sua liberdade, afirma-se o individualismo, o egocentrismo... Ser você, e só você, mas desde que dentro de uma fôrma. Essa é a proposta...

Por outro lado, eu até entendo o que se passa no coração de muitos desses jovens. Hoje, a falta de referências que testemunhem uma vida de sentido é um tapa na cara. Parece não haver mais referências sociais, políticas, religiosas... Nossos heróis já não existem mais ou, se existem, se tornaram humanos demais... Eu entendo isso.

Porém, a falta de referenciais não é necessariamente falta, é distanciamento, esquecimento, como já alertava Nietzsche... Nesse mundo louco de informações contraditórias e híbridas, esquecemos e nos distanciamos do essencial. Nesse cenário é fácil ser pescado por qualquer proposta aparentemente mais fácil, rápida ou prazerosa. Ainda mais se acompanhada de alguém que saiba convencer pelo discurso... Para um jovem crítico, indignado, sedento por novidade, gente como Olavo de Carvalho, Silas Malafaia, Jair Bolsonoro, cai como uma luva. Eles, esses patifes da pós-modernidade, têm tudo o que esse jovem, aparentemente e por um tempo bem determinado, precisa: respostas prontas, cheias de ódio, preconceitos e falácias... Mas não as suportam por muito tempo... Ou seja, eles matam os deuses que criaram, pois não se sustentam mesmo, e logo em seguida se sentem perdidos... Há vazios que se preenchem, outros que permanecem vazios infinitamente...

Há, porém, aqueles que continuam afirmando sua vida, sem moralismos, sem subterfúgios conservadores, sem niilismos... Esses não buscam referenciais, pois suas referências nunca saíram de dentro deles... Esses, quando falam são ouvidos, quando apontam são seguidos, quando gritam são respeitados...

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quarta-feira, 19 de agosto de 2015

ANEL DE TUCUM - Sua história, seu significado.

Anel de tucum é um anel feito da semente de tucum, uma espécie de palmeira nativa da região amazônica. Geralmente é utilizado por fiéis cristãos como símbolo de um compromisso preferencial de fé com os pobres, inspirado na opção feita por Jesus nas fontes bíblicas do novo testamento.



O anel tem sua origem no Império do Brasil, quando jóias feitas de ouro e outros metais nobres eram utilizados em larga escala por membros da elite dominante para ostentarem sua riqueza e poder. Os negros e índios, não tendo acesso a tais metais, criaram o anel de tucum como um símbolo de pacto matrimonial, de amizade entre si e também de resistência na luta por libertação. Era um símbolo clandestino cuja linguagem somente eles compreendiam.
Mais recentemente, a utilização do anel de tucum foi resgatada por fiéis cristãos, com o objetivo de simbolizar a "opção preferencial pelos pobres", especialmente por fiéis católicos após as as conferências episcopais que, na década de 70 e 80 na América Látina e, particularmente no Brasil, proclamaram a necessidade de uma Igreja que se voltasse presencialmente para os pobres, ou seja, por todos aqueles e aquelas que vivem à margem e excluídos, de muitas formas, da sociedade.

O Anel de tucum foi tema de documentário ("Anel de Tucum) homônimo dirigido por Conrado Berning em 1994. No filme, o bispo católico Dom Pedro Casaldáliga, um dos entrevistados, explica da seguinte maneira a utilização do anel:

Outros grupos católicos, por sua vez, especialmente devido a forte ligação entre os usuários do anel de tucum, consideram que este "é um sinal de pobreza". Usar o anel, para demonstrar amor e carinho moromisso aos pobres. Se alguém é realmente pobre, deve praticar essa pobreza e o desprezo das riquezas, porque se não é pura vaidade e desejo de ser considerado pobre e bom.
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segunda-feira, 17 de agosto de 2015

A PASSEATA DE 16 DE AGOSTO É O FIM DE UM CICLO POLÍTICO

Hoje encerra-se oficialmente um ciclo político no país: o da intolerância. Multidões ainda sairão às ruas como renas amestradas. Baterão panelas atrás do impeachment e cabeças atrás de ideias. E não terão nem uma, nem outra.
Gradativamente a grande besta será recolhida de volta à jaula pela ação combinada de lideranças políticas efetivas de ambos os lados, grupos econômicos e grupos de mídia.

Em parte, devido à conclusão de que o petismo foi definitivamente derrotado. Se acabou ou não, o futuro dirá. Mas, neste momento, jogar mais lenha na fogueira seria passar o bastão para os piromaníacos e não se ter mais o controle da turba. O atentado contra o Instituto Lula é a prova definitiva da marcha da insensatez.

O comentário é de Luis Nassif, jornalista, publicado por GGN, 16-08-2015.

Em parte, devido ao fato de que o PSDB se derrotou, morreu enforcado nas tripas do PT.

Nesta data magna de 16 de agosto de 2015, o bipartidarismo que, desde a Constituição de 1988, dominou a vida pública do país, definitivamente se esgotou.

O PT tornou-se uma militância sem partido, atrás de uma nova utopia. O PSDB, o estuário de uma turba vociferante e anacrônica, deixando órfã a classe média esclarecida que um dia nele acreditou.

A dificuldade com a nova utopia

O que virá daqui para frente é uma incógnita.

Haverá enorme dificuldade em se criar uma nova utopia, em superar os paradoxos e as hipocrisias reveladas pela Lava Jato - pelo que ela mostrou, pelo que vazou e pelo que até agora escondeu.

A primeira hipocrisia é da suposta diferenciação entre os políticos.

São iguais, embora com agendas distintas.

FHC e Lula construíram uma imagem em cima de um projeto de país amparados, de lado a lado, por forças sociais ou econômicas expressivas. Essa imagem, os relacionamentos construídos no exercício do poder, no entanto, passaram a ser tratados como ativos individuais. FHC tornou-se o queridinho dos mercados; Lula, o campeão do Terceiro Mundo. Ambos transformaram essa influência em negócios lucrativos legais, tornando-se milionários.

Não se está aqui condenando-os ou pressupondo qualquer ilegalidade. Portaram-se como ex-presidentes dos EUA, ex-primeiros ministros do Reino Unido e da França. Está-se apenas mostrando o jogo político em um país de economia de mercado, o paradoxo do representante dos pobres e desassistidos comportando-se como um  empreendedor capitalista; e as publicações que mais enaltecem o mercado condenando-os, como se fossem defensoras do que elas chamam de pobrismo.

Perto do feito político de tirar 50 milhões de brasileiros da linha da miséria, é picuinha.

Mas qual o pedaço de Lula que mais encantou presidentes norte-americanos, de George Bush Jr. a Barack Obama? O mito do sujeito que saiu da extrema pobreza e venceu, a mítica do herói norte-americano, em contraposição à elite decadente europeia.

Lula é a encarnação do sonho norte-americano, como um Abraham Lincoln, não a utopia bolivariana, como José Mujica. Por motivos opostos, Bush Jr não escondia a antipatia por FHC, visto como o intelectual pedante que nunca teve que lutar pela sobrevivência pessoal ou política.

O balanço do estrago

No final da tarde, quando a passeata terminar e a besta, as panelas e o ódio forem recolhidos, começará o duro reencontro do país consigo mesmo.

Jornais e TVs deixarão de recriar o clima de fim de mundo. Ontem, aliás, após ajudar a desmontar setores com centenas de milhares de empregos, o Jornal Nacional resolveu recriar a esperança, em cima do micro-exemplo de uma micro-empreendedora que criou um negócio com um funcionário e agora já tem três.

É o milagre da hipocrisia de massa.
 
Com o ódio refluindo, a Lava Jato ainda terá tempo de provar se é um poder autônomo ou um poder autorizado pela mídia. A prova do pudim será José Serra.

A esquerda terá que se reinventar. Os que ainda alimentam a utopia de que a economia de mercado não é irreversível se abrigarão em partidos menores. O PT - e Lula - terão o enorme desafio de se reinventar, mais facilmente Lula, mais dificilmente o PT.

Em 2018 é mais provável ter-se um Lulismo - na forma de frente ampla - substituindo o PT, cuja expressão final é a cara insípida, inodora e sem emoção de seu presidente Rui Falcão. Os movimentos sociais, que amam e continuarão amando Lula, encontrarão abrigo nessa frente ampla, social-democrata. Os que ainda acreditam na utopia socialista, irão para partidos menores.
No outro extremo, o ódio da direita será a última herança de Aécio Neves. Aécio é tão tolo e despreparado que ainda não entendeu que o que acreditava ser a tomada da Bastilha era apenas a última passeata da Ilha Fiscal. Terminará recluso em algum castelo encantado de Linchenstein, cercado por um convescote de sábios, dentre os quais de destacarão Ronaldo Caiado, Aloyzio Nunes, Carlos Sampaio, e no qual as ideias serão proibidas de entrar (coloquei Nunes de sacanagem: ele, como um pitbull esperto, está tão louco para pular do barco que até conseguiu conter a fala raivosa).

Daqui até 2018 Dilma Rousseff terá tempo para governar.

Obviamente, esse romance foi escrito em cima dos personagens atuais. Há muita água e lama a rolar até 2018. Tentar adivinhar é um desafio que nenhuma ficção ousará enfrentar.

Fonte: IHU.
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quarta-feira, 8 de julho de 2015

“Nossa fé é revolucionária”, afirma Papa Francisco.

O papa Francisco aproveitou a celebração de sua segunda missa no Equador no parque do Bicentenário – construído sobre o antigo aeroporto de Quito – para unir o velho grito de independência com o da evangelização, que, “com a mesma urgência” a Igreja precisa empreender.

Segundo Jorge Mario Bergoglio, os cristãos não podem se fazer de “distraídos” em meio a “um mundo dilacerado pelas guerras e a violência”. Diante de mais de um milhão de pessoas, o papa clamou: “Evangelizar é nossa revolução. Nossa fé sempre é revolucionária. Esse é o nosso mais profundo e constante grito”.

A reportagem é de Pablo Ordaz, publicada por El País, 07-07-2015.

Tão logo iniciou a homilia, Francisco pronunciou uma frase que entusiasmou os presentes, entre os quais estava o presidente do Equador, Rafael Correa: “Este [o da independência] foi um grito nascido da consciência da falta de liberdades, de estar sendo espremidos e saqueados, submetidos a conveniências circunstanciais dos poderosos de turno”. A partir daí, Bergoglio articulou um discurso que incluiu o principal ingrediente da casa: estender ao restante da humanidade sua mensagem aos cristãos.

O Papa, que na segunda-feira celebrou a missa em Guayaquil e depois visitou Correa à tarde no palácio do Governo e saudou os fiéis congregados diante da catedral de Quito, construiu uma hábil homilia que, sem sair do canônico, também era um chamado à revolução pacífica. “A aquele grito de liberdade proferido há pouco mais de 200 anos”, disse Bergoglio”, “não faltou convicção nem força, mas a história nos conta que só foi contundente quando deixou de lado os personalismos, o afã de lideranças únicas, a falta de compreensão de outros processos libertários com características distintas, mas nem por isso antagônicos”.

Foto: AciDigital

O uso por Francisco de conceitos como revolução e utopia provocam urticária nos setores mais conservadores da Igreja, que engolem sua frustração por um subversivo vestido de Papa diante do qual se mostram os mais poderosos da Terra.

Discurso subversivo

E talvez por isso mesmo – pela força que chega a ele dos milhões de pessoas que já reuniu no primeiro dos três países latino-americanos que visitará até domingo –, Bergoglio insiste na ideia de um cristianismo que não se mova pelo medo do inferno, mas pela alegria de compartilhar os ensinamentos de Cristo ao restante da população.

“Nós também”, explica”, “constatamos todos os dias que vivemos em um mundo dilacerado pelas guerras e a violência. Seria superficial pensar que a divisão e o ódio afetam somente as tensões entre os países e os grupos sociais”. Segundo o Papa, eles são a consequência de um “individualismo difuso” provocado pela ausência de Deus. Como voltou a repetir em Quito, sua receita de evangelização não é excludente: “A imensa riqueza do que é variado, do múltiplo que a unidade alcança cada vez que trazemos à memória aquela quinta-feira santa, nos distancia da tentação de propostas mais próximas a ditaduras, ideologias ou sectarismos. Não é tampouco um arranjo feito à nossa medida, no qual nós impomos as condições, escolhemos os integrantes e excluímos os demais”.

Fonte: IHU.

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sexta-feira, 3 de julho de 2015

Social-democracia é a única via para a política brasileira. Entrevista especial com Luiz Werneck Vianna

“Eu vislumbro aprofundamento e consolidação da democracia brasileira. Vislumbro possibilidades novas da emergência das novas gerações, movimentos sociais de novo tipo. Sou otimista e não jogo contra; torço a favor”, afirma o sociólogo.
 
Imagem: blog.opovo.com.br
Diante do “desencanto” e da “descrença” que toma parte do sentimento da população brasileira em relação aos rumos da política no país, das incertezas geradas pela crise econômica, com uma perspectiva de baixo crescimento para os próximos anos, e dos rumos das investigações da Operação Lava Jato, temos de nos fazer uma pergunta central, afirma Werneck Vianna à IHU On-Line. “Isso compromete a democracia brasileira?” A resposta é dada sem rodeios: “A meu ver, não. Esse é um processo amplo, duro, sofrido, em que a sociedade brasileira se democratiza”.
Apesar do caos e das incertezas quanto aos rumos políticos, econômicos e sociais do país, otimista, o professor destaca que “a vida republicana brasileira está funcionando, aliás, como poucas vezes funcionou, através do Poder Judiciário, da Polícia Federal, dos Tribunais de Conta da União. Várias instituições republicanas estão exercendo os seus papéis. A novidade é esta: elas deixaram de ser nominais, elas não figuram apenas no papel, estão encontrando formas de existência. O Ministério Público que aí está, é uma grande novidade republicana”.

Na entrevista a seguir, concedida à IHU On-Line por telefone, numa conversa de uma hora, Werneck Vianna analisa e comenta a atual conjuntura política brasileira, e chama atenção para o fato de que “o presidencialismo que conhecemos significou uma supremacia sem freios do Executivo sobre o Legislativo e do Executivo sobre toda a sociedade”, com seu “imenso poder decisionista”. O sociólogo também critica a “oligarquização dos partidos políticos brasileiros, que não se rejuvenescem e que têm lideranças que se reproduzem, com terceiro mandato, quarto mandato”, desenvolvendo políticas que são “uma ilha, com seu escritório, com seus serviços sociais”.

Independente dos rumos que se possa esperar, pontua, “o que se pode dizer, e isso eu digo, é que o nosso caminho é o da social-democracia, com uma inclinação mais à direita ou mais à esquerda, é por aí que gravita e vai gravitar, até onde a nossa vista alcançar, a política brasileira”. O que precisa ser feito diante das crises econômicas e da financeirização do capitalismo, assinala, “é democratizar o capitalismo, porque estamos nesse único horizonte”. Isso significa que não devemos manter um “apelo a uma história original”, como alguns políticos sugerem, mas ver a realidade “a partir das suas racionalidades. O que a sociedade agora está querendo? Está querendo partidos e uma política que se empenhem em mudanças e que não questionem esse sentimento de mudanças”, conclui.

Luiz Werneck Vianna (foto abaixo) é professor-pesquisador na Pontifícia Universidade Católica - PUC-Rio. Doutor em Sociologia pela Universidade de São Paulo, é autor de, entre outras obras, A revolução passiva: iberismo e americanismo no Brasil (Rio de Janeiro: Revan, 1997); A judicialização da política e das relações sociais no Brasil (Rio de Janeiro: Revan, 1999); e Democracia e os três poderes no Brasil (Belo Horizonte: UFMG, 2002). Sobre seu pensamento, leia a obra Uma sociologia indignada. Diálogos com Luiz Werneck Vianna, organizada por Rubem Barboza Filho e Fernando Perlatto (Juiz de Fora: Ed. UFJF, 2012).

Confira a entrevista. 


                 Foto: matheuszz.blogspot.com
 


IHU On-Line - O que está acontecendo na política brasileira? Como chegamos a este momento em que parece haver uma descrença com os rumos da política no país?
Luiz Werneck Vianna – É o fim de um ciclo. Agora temos de começar outro. Na verdade já tarda o começo de um ciclo, porque estamos suspensos.

IHU On-Line – Vislumbra de onde pode iniciar esse novo ciclo?
Luiz Werneck Vianna – Uma boa posição seria ter serenidade e esperar as coisas decantarem. Por exemplo, o impeachment está rondando a nossa vida desde o começo do segundo mandato da presidente Dilma. Ele poderá vir caso uma nova “testemunha bomba” se manifeste, ou não. O fato é que não pode ser fabricado, tem de ser um processo natural de maturação, porque a sociedade está com a respiração presa, na expectativa de como esse processo criminal irá continuar seu curso. Ele tem seus efeitos limitados ao que já se viu, ou ele pode escalar.

IHU On-Line – O senhor está se referindo às investigações da Operação Lava Jato, dadas as últimas acusações que mencionaram doações às campanhas da presidente Dilma e do ex-presidente Lula?
Luiz Werneck Vianna – Isso.

IHU On-Line - Como está avaliando as investigações da Operação Lava Jato? Qual é o significado político da Operação?
Luiz Werneck Vianna – É imenso, porque ela põe a nu a maneira como se vinha fazendo política no país, com uma relação inteiramente incestuosa entre política e economia, com financiamentos de campanhas milionários extraídos de recursos estatais. Antes, com o mensalão, havia dinheiro do Banco do Brasil, agora, com o petrolão, tem dinheiro da Petrobras.

IHU On-Line – O debate sobre a Operação Lava Jato está bastante polarizado entre os que argumentam que se trata apenas de mais uma investigação sobre corrupção no país e os que fazem duras críticas ao envolvimento do PT nestes casos de corrupção. Como interpreta essas visões polarizadas?
Luiz Werneck Vianna – Não se pode falar da Operação Lava Jato sem se falar do governo e dos partidos do governo, porque foram eles que abriram as torneiras para que os operadores dos partidos e das empresas pudessem trabalhar. A política brasileira vem correndo nesses trilhos malévolos há muito tempo e o fato é que isso chegou ao limite. Parecia que o limite tinha sido o mensalão, mas não foi. O petrolão aponta um descalabro ainda mais significativo.
A política no Brasil tem que mudar, aliás, ela está mudando e não vai passar indene desse processo que a sociedade toda está acompanhando através da imprensa, das apurações cada vez mais profundas e severas a respeito do que é, de natureza criminal, a política brasileira. Há várias reações quanto a isso: a Lei da Ficha Limpa foi uma reação importante, mas ainda há muita coisa a ser investigada.    
Agora, isso compromete a democracia brasileira? Essa que é a questão. A meu ver, não. Esse é um processo amplo, duro, sofrido, em que a sociedade brasileira se democratiza, ou seja, democratiza a democracia brasileira.

IHU On-Line – Em que aspectos o senhor já vê uma mudança na política brasileira? Investigações a exemplo da Operação Lava Jato vão conseguir por fim à corrupção que existe no país?  
Luiz Werneck Vianna – Fim, não, porque parece que a corrupção faz parte de uma das possibilidades presentes na natureza humana. Não se trata de erradicá-la para sempre, porque o mal existe, vai continuar aí, mas não pode comandar a nossa vida; tem de se encontrar um limite para ele. A sociedade, através das suas instituições, está impondo esses limites.
A vida republicana brasileira está funcionando, aliás, como poucas vezes funcionou, através do Poder Judiciário, da Polícia Federal, dos Tribunais de Conta da União. Várias instituições republicanas estão exercendo os seus papéis. A novidade é essa: elas deixaram de ser nominais, não figuram apenas no papel, estão encontrando formas de existência. O Ministério Público que aí está, é uma grande novidade republicana.

"A política brasileira vem correndo nesses trilhos malévolos há muito tempo e o fato é que isso chegou ao limite"

 
IHU On-Line – A que atribui o fato de a vida republicana estar funcionando melhor em meio ao caos político?
Luiz Werneck Vianna – O bom funcionamento das instituições republicanas é uma condição indispensável para que a vida democrática encontre formas vivazes de manifestações, que ela não se deixe dominar por práticas de oligarquias, como vem ocorrendo entre nós.
Não é que estejamos refazendo a história do Brasil — não vamos ter diante de nós uma página branca, um momento novo, inaugural. Nós estamos tentando aperfeiçoar aquilo que dissemos que deveria ser na Carta de 88, uma vontade política expressa livremente pela sociedade na Constituinte de 1986, a qual levou à criação da Carta de 88, que hoje está exercendo uma nova jurisdição sobre a sociedade e a política. Então, isso está ocorrendo sem traumas até agora. A Justiça ainda opera, a sociedade está sobressaltada, desconfiada, mas não está descrente do papel exercido pelas instituições.
A expectativa é que possamos sair disso numa situação melhor do que antes, embora no curto prazo, olhando a política na sua vida imediata, estejamos diante de uma situação de imprevisibilidade: haverá impeachment? Essa é uma questão. O impeachment tem um objetivo desejável? Não creio. Mas pode ser que ocorram condições que façam com que ele seja imperativo. Até agora isso não aconteceu.
Tem de se calcular muito, porque um impeachment movido por ressentimento não leva a nada. No dia seguinte, vai ser o que do país? O que precisamos é seguir avante num processo de aperfeiçoamento das instituições. Não há nada de espetacular à vista e o impeachment não resolve a crise do país.  

IHU On-Line - O senhor sempre foi um crítico do presidencialismo de coalizão. A crise dos partidos é consequência desse modelo de presidencialismo?
Luiz Werneck Vianna – A hora final desse modelo está chegando. Esse modelo está sendo abandonado, porque foi uma experiência extremamente negativa, porque gerou o enfraquecimento dos partidos, uma passividade da sociedade. O presidencialismo que conhecemos significou uma supremacia sem freios do Executivo sobre o Legislativo e do Executivo sobre toda a sociedade. O Executivo tem um poder decisionista imenso. O recurso institucional das medidas provisórias faz com que a força do Executivo seja muito intensa. E com um Legislativo incapaz de se contrapor ao Executivo e de fiscalizá-lo, abriu-se uma porteira para esse tipo de política que vai corroendo os demais.

IHU On-Line - O que seria uma alternativa a esse modelo? Como avalia as propostas de um regime parlamentarista, como alguns estão sugerindo?
Luiz Werneck Vianna – Essa é uma questão difícil. O parlamentarismo pode ser, sim, uma solução, mas adaptada às nossas circunstâncias. Um parlamentarismo à la francesa, talvez, com um Executivo forte, com um presidente forte, e compartilhando o exercício do poder com o primeiro-ministro. É possível se pensar numa situação dessas. Aliás, há analistas que sugerem que já estaríamos vivendo esse modelo com o vice-presidente, Michel Temer, exercendo essas funções de primeiro-ministro. O que não me parece uma análise despropositada, não, mas o caso é que ela é casuística, e não é uma solução permanente, mas poderá se tornar, sim, uma situação permanente.
O parlamentarismo está aí, à disposição da sociedade para ser usado em caso de necessidade. Agora, chegaremos a isso? Pode ser.

 

"O que precisamos é seguir avante num processo de aperfeiçoamento das instituições"


IHU On-Line – O senhor vê mais vantagens na implantação do parlamentarismo neste momento?
Luiz Werneck Vianna – Isso é muito difícil de responder. Essas mudanças não são feitas “a frio”, elas têm de ser feitas como resposta às crises. A crise chegou a um ponto tal que a solução do parlamentarismo sob uma modelagem própria a nós, nova, já se impõe? Parece que ainda não, mas isso poderá ocorrer, sim. Mas só será uma medida bem-sucedida se for tomada “a quente”. Os países não fazem reformas políticas “a frio”, em laboratório, tem de ser no calor dos acontecimentos, tentando encontrar melhores caminhos a fim de se criarem condições políticas saudáveis para a sociedade, e isso não é feito numa planilha.  

IHU On-Line - Entre as propostas da reforma política existentes, alguma lhe parece adequada?
Luiz Werneck Vianna – A reforma política ainda não chegou ao seu termo. Há uma possibilidade ainda de que ela avance para estabelecer limites a essa proliferação de partidos que não são funcionais ao bom desempenho da democracia política. Não que os partidos devam ser interditados, ao contrário, deve haver liberdade de organização partidária, mas para que essa liberdade seja frutuosa, ela não pode se converter numa espécie de cartório do partido, de se dar acesso a recursos públicos a eles. Devemos dar recursos públicos aos partidos que antes demonstraram presença na vida social através do voto. Partidos sem expressão eleitoral podem investir, certamente, mas não devem ter acesso a recursos públicos.
Outro ponto são essas coalizões nas eleições proporcionais inteiramente sem sentido que ocorrem na nossa política. Se eliminarmos a possibilidade de coalizão nas eleições proporcionais, seria possível reduzir o número desses partidos, porque muitas das legendas só vivem de se coligarem com partidos fortes, os quais lhe passam recursos para continuarem sobrevivendo.
O melhor projeto de reforma política seria o de limpar a proliferação dos partidos e pôr fim às coalizões nas eleições proporcionais. Isso já estaria muito bom. Pode ser que isso ainda venha a passar, e me mantenho esperançoso de que algo nessa direção passe no Congresso.

IHU On-Line - Qual foi o resultado político do Congresso do PT em Salvador?
Luiz Werneck Vianna – O PT não avançou e isso é apenas um sintoma da crise. Aliás, ele tem avançado mais depois do Congresso, com a necessidade de buscar oxigenação através dos movimentos sociais, de uma articulação com a sociedade civil. Isso é o que cabe a ele e a todos os partidos fazerem.

IHU On-Line – O PT ainda tem condições de oferecer alguma proposta e de se rearticular?
Luiz Werneck Vianna – Sim, porque os partidos custam a morrer. Veja, o partido comunista russo ainda existe. Os partidos custam a morrer, especialmente quando têm atrás de si uma história aqui ou ali bem-sucedida. Agora, o PT não vai ter, pelo menos por hora, o peso que teve antes.

IHU On-Line - Qual é o significado das críticas de Lula ao PT? Essas críticas têm sentido na conjuntura atual? Como avalia, por outro lado, as críticas que o ex-presidente tem feito ao governo Dilma, dizendo que ela está “no volume morto” e o que o governo dela parece “um governo de mudos”?
Luiz Werneck Vianna – São declarações complicadas, porque é um partido em que um só fala. O problema do PT é o monopólio da fala. Como se vê nos quadros do PT, não apareceram mais lideranças novas, embora as jornadas de junho de 2013 tenham mexido com a juventude de uma maneira muito intensa. Mas, daqueles jovens, quais foram filtrados para o mundo da política? E no PT? Quase nenhum.

IHU On-Line – Nesses 13 anos em que o PT esteve à frente da presidência, houve espaço para surgir uma nova liderança política no partido? Ou se quis que surgisse uma nova liderança?
Luiz Werneck Vianna – Acho que tem havido, sim, obstáculos para isso. Os petistas vivem, como cartórios, com seus dirigentes. São muitos recursos envolvidos, os recursos das legendas, dos fundos públicos. São como os sindicatos também, que, tendo ou não o apoio dos seus associados, têm o dinheiro da contribuição sindical. Esse é um dos elementos da oligarquização dos partidos políticos brasileiros, que não se rejuvenescem e que têm lideranças que se reproduzem, com terceiro mandato, quarto mandato. Cada política é uma ilha, com seu escritório, com seus serviços sociais.
Só se mexe com isso quando a sociedade emerge. Essas mudanças ocorrem a partir dessa movimentação social vigorosa, como vem ocorrendo na Espanha, com o Podemos, que está crescendo. Sem essa vida que vem da sociedade, os partidos se oligarquizam.   

"Tudo isso me leva a desconfiar e a descrer da Frente de Esquerda que o Lula está propondo, porque se for para fugir das balizas da social-democracia, isso não vai ter futuro nenhum"


IHU On-Line - No início do segundo governo Dilma, houve uma série de críticas às políticas sociais dos governos Lula e Dilma, porque elas teriam sido elaboradas para beneficiar mais os bancos do que a população. Agora, com a crise do PT se intensificando, muitos críticos, ao contrário, veem no PT a única possibilidade para dar continuidade às políticas sociais no país. Essas posições são justificadas?
Luiz Werneck Vianna – Os indicadores não são tão favoráveis às políticas sociais, basta olhar a questão da saúde e da educação. O que houve de fato foi uma melhoria e um enfrentamento do tema da miséria, com o Programa Bolsa Família, que realmente deu uma melhorada na condição de vida dos mais vulneráveis da nossa sociedade. Agora, o ponto é que essas pessoas continuam vulneráveis como sempre e não têm como sair de uma situação de vulnerabilidade. Sem educação, sem empregos qualificados, aos quais só a educação dá acesso, não há como as pessoas saírem dessa situação.

IHU On-Line – Alguns argumentam que se o PT perdesse representatividade política hoje, as políticas sociais estariam ameaçadas, porque outros partidos não teriam preocupações com políticas sociais. Concorda que a continuidade da inclusão social no país depende da renovação e da continuidade do PT?  
Luiz Werneck Vianna – Não acredito, inclusive essa coisa da política social começou, em suas origens, com um prefeito de Campinas, do PSDB, que morreu moço; foi ele quem inventou esses programas de bolsas assistenciais. Teve um movimento também com quadros do PT, como os desenvolvidos pelo Betinho (Herbert José de Souza), que trouxe o tema dos vulneráveis para uma evidência maior. A professora Ruth Cardoso, que foi casada com o ex-presidente Fernando Henrique, também foi uma entusiasta dessa questão. Então, política pública no Brasil é algo difundido, não tem um pai certo, é uma possibilidade difusa e várias gerações participaram desse movimento de elaboração de políticas públicas.  

IHU On-Line - Qual é a herança de Lula no governo Dilma?
Luiz Werneck Vianna – Sem dúvida há uma herança e a presença do PT no governo Dilma é muito forte. O fato é que as oposições brasileiras dão muito espaço para o PT falar sozinho. Mesmo nessa situação de horror que os integrantes do partido estão vivendo com o caso do petrolão, você abre os jornais e as posições das notícias mais relevantes são das manifestações das lideranças petistas, especialmente de Lula, que nem faz parte do governo. Então, isso quer dizer que, do ponto de vista das oposições, não se tem feito presente uma manifestação forte, e as oposições também estão inseguras acerca de que caminho seguir.
Agora, de um modo ou de outro, o que se pode dizer, e isso eu digo, é que o nosso caminho é o da social-democracia, com uma inclinação mais à direita ou mais à esquerda, é por aí que gravita e vai gravitar, até onde a nossa vista alcançar, a política brasileira.

IHU On-Line – O senhor está sugerindo que a social-democracia é a melhor alternativa para o Brasil?
Luiz Werneck Vianna – Não tem jeito, ela já faz parte da nossa história e não vamos conseguir eliminá-la.  

IHU On-Line – E como o senhor vê, apesar disso, as frentes de articulação de esquerda que estão sendo propostas, como a que vem sendo proposta pelo ex-presidente Lula, por exemplo? O que elas poderiam oferecer de novo à política em relação ao PT, por exemplo?
Luiz Werneck Vianna – Elas podem ter um papel, sim, mas não creio que seja um papel dominante. Tudo isso me leva a desconfiar e a descrer da Frente de Esquerda que o Lula está propondo, porque se for para fugir das balizas da social-democracia, isso não vai ter futuro nenhum.

IHU On-Line – O senhor consegue identificar quais são os rachas dentro do PT atualmente? Quais são os diferentes grupos existentes e como eles se relacionam? Nesta semana, por exemplo, o ex-presidente Lula se reuniu com deputados e senadores do PT e recusou se reunir com os ministros do governo Dilma.
Luiz Werneck Vianna – Eles estão percebendo que o chão não foge dos pés, e estão tentando visualizar o caminho à frente não tanto a partir das circunstâncias novas em que eles se encontram, mas a partir das suas experiências passadas. Então, muitas das lideranças, especialmente o Lula, tratam as discussões a partir daquela ideia de “como era gostoso o nosso tempo original”. Mas aquele tempo não volta. É preciso encontrar, se querem encontrar, uma saída para os tempos de agora. Aqueles sindicatos dos anos 70, 80 não existem mais. Muitos daqueles movimentos sociais nasceram e morreram, a cultura política era outra e houve uma mudança, eu diria, para melhor, em relação a muitas coisas que havia antes, de modo que esse apelo a uma “história original” a fim de restaurar a nossa mocidade me parece uma coisa anacrônica, uma coisa de resmungo de velho que quer ter o ímpeto da juventude.
As coisas têm de ser vistas a partir das suas racionalidades. O que a sociedade agora está querendo? Está querendo partidos e uma política que se empenhem em mudanças e que não questionem esse sentimento de mudanças.
O PT afundou a sua história na estadofilia. Vou dar um exemplo. Em 2004 o PT mobilizou o Fórum Nacional do Trabalho sob a liderança do Ministro Berzoini, que à época era Ministro do Trabalho. O documento que esse Fórum procurou encaminhar falava em fim da unicidade sindical e houve reformas importantes no sentido de dar liberdades de movimento ao sindicalismo brasileiro. Mas o documento do Fórum foi engavetado e, imediatamente em seguida, as Centrais Sindicais foram institucionalizadas com o reconhecimento de que elas tinham direito à percepção de uma parcela do imposto sindical, o que fez com que elas se afastassem ainda mais das suas bases. Isso foi feito pelo PT. Esse afastamento delas da sociedade tem a ver também com outros processos, mas tem a ver com a política do próprio PT, com a estadofilia que ele incentivou, induzindo a passividade da militância, da população, mas é claro que o Bolsa Família não deixou de exercer um belo papel. Tudo isso foi feito com uma única intenção: permanecer no poder.
O PT fez uma bela história, mas o que há de triste na sua trajetória também se deve a como ele tratou a quetão do voto. Esse é o paradoxo: deve tudo ao voto e se compromete até a medula.

IHU On-Line – Ainda há espaço para o PT na política brasileira?
Luiz Werneck Vianna – Ganhando, acho muito difícil, mas o partido vai continuar. Entretanto, o poder vai ser mais compartilhado.

IHU On-Line – Algum dos partidos que existem hoje pode oferecer alguma proposta para o Brasil?
Luiz Werneck Vianna – Sozinho não, nenhum deles.

IHU On-Line – Então voltamos para o modelo de presidencialismo de coalizão?
Luiz Werneck Vianna – De Frente, sim. O Lula não está falando em Frente, em Frente de Esquerda? Este país é muito complexo e não tem um só caminho.
A essa altura, os dirigentes do PT, especialmente o Lula, têm acumulado uma experiência imensa a respeito da natureza verdadeira do país. O que eles vão fazer com essa experiência, vamos ver daqui para frente. Mas esses partidos todos perderam ligações fortes com a vida entorno, com o movimento dos trabalhadores, e envelheceram. O que nasce lá fora, como estamos vendo, são movimentos externos aos políticos tradicionais, como na Grécia, na Espanha, formados por jovens.

"O horizonte em que estamos envolvidos – queiramos ou não -, é social-democrata, é de uma convivência difícil entre contrários"


IHU On-Line - Há muitas críticas de que os Estados, e nisso se inclui o Brasil, foram capturados e sufocados pelo hegemonia do sistema financeiro e que, em boa parte, é isso que tem gerado situações de crise nos países. Como o senhor interpreta esse tipo de comentário? Como compreende esse processo de financeirização do capitalismo e qual é a responsabilidade do sistema financeiro e dos chefes de Estado nesse processo?
Luiz Werneck Vianna – O capitalismo é o capitalismo, ele não é só industrial; é agrário, é comercial e é financeiro. Na contemporaneidade, as finanças se tornaram proeminentes e isso estava na previsão do Marx, em O Capital. Mas o problema é como controlar essa presença.
Economistas ilustres, vencedores do Prêmio Nobel, como George Stigler e Paul Krugman, que têm no centro das suas observações sobre a cena contemporânea o tema do domínio do capital financeiro, ao que eu saiba, não pretendem eliminar o papel das finanças no capitalismo contemporâneo, porque ambos se contrapõem a qualquer coisa que lembre o que foi o socialismo real.
Mas na verdade é preciso democratizar o capitalismo, porque estamos nesse único horizonte. O que não quer dizer que no plano das utopias não possamos cultivar outras possibilidades, mas para isso é preciso ter outro mundo, uma sociedade internacional mais organizada.

IHU On-Line – O que o senhor entende por democratizar o capitalismo?
Luiz Werneck Vianna – Essa é uma pergunta muito interessante, se eu soubesse responder. É algo que se dá em cada pedaço do planeta com políticas públicas mais generosas, inclusivas, é a ideia de que o mercado não impere sobre tudo, ou seja, é impor limites ao mercado. É isso que a política faz. O horizonte no qual estamos envolvidos — queiramos ou não —, é social-democrata, é de uma convivência difícil entre contrários, a não ser que se estabeleçam os objetivos que ensejavam naquele pedaço do mundo que foi o socialismo real, onde, aliás, o mercado renasceu.
Então, essas são questões para as quais não há respostas prontas nos livros; as respostas são elaboradas na luta. Agora mesmo, na Grécia, é disso que está se tratando, é o exercício da política contra a supremacia do mercado. Está se dizendo ao mercado e às finanças que há limites. Aliás, a crise econômica de 2008 mostrou a necessidade de mais regulação. Como se faz uma melhor distribuição de renda no país e no mundo em escala global? Através da intervenção da política. A renda não vai se distribuir de forma mais equânime sem que haja instrumentos institucionais que a ponham nessa direção. O importantíssimo trabalho do Thomas Piketty é uma belíssima ilustração disso.  

IHU On-Line – Como seria uma boa forma de resolver a situação da Grécia? O país deve ou não sair da Zona do Euro?
Luiz Werneck Vianna – Sair do Euro nem eles querem.

IHU On-Line – Mas os gregos vão decidir isso no final de semana através do referendo.
Luiz Werneck Vianna – Sim, vão votar, mas essa questão ainda não foi resolvida. Todos sabem dos riscos que correm ali. Esse é um processo de conflito, de luta, não tem uma solução de almanaque para essas questões, as quais implicam no exercício do contraditório, na organização de forças que se contestam, mas o conflito é fundamental para uma boa composição das coisas deste mundo. Está havendo na Grécia um conflito forte e há, de um lado e de outro, quem procure uma solução para o conflito. Alguma solução vai aparecer.

 

"A renda não vai se distribuir de forma mais equânime sem que haja instrumentos institucionais que a ponham nessa direção"


IHU On-Line – O senhor consegue vislumbrar o que seria hoje uma alternativa possível?
Luiz Werneck Vianna – Stigler e Krugman, que eu mencionei anteriormente, acham que se deve votar “não” no referendo, embora eles não anunciem nos dois artigos que escreveram recentemente qual é o caminho, qual seria a alternativa.
Você está perguntando a um sociólogo do terceiro mundo o que dois economistas do primeiro mundo, vencedores do Prêmio Nobel, não sabem responder. Para essa questão não tem resposta científica. A resposta se encontra na luta. Em um certo momento um deles (credores e Grécia) irá perceber que está perdendo muito e será preciso contemporizar. Com qual dos dois isso vai acontecer? Vai depender da resistência de cada um; é uma disputa. É como uma luta de judô, uma hora um dos competidores bate no chão e pede para acabar a luta. Mas também pode ser que se evite o golpe fatal e se perca por pontos.     

IHU On-Line - Quais são os cenários e possibilidades que vislumbra para a política brasileira?
Luiz Werneck Vianna – Eu vislumbro aprofundamento e consolidação da democracia brasileira. Vislumbro possibilidades novas da emergência das novas gerações, movimentos sociais de novo tipo. Sou otimista e não jogo contra; torço a favor.
Por Patricia Fachin
In.: INSTITUTO HUMANITAS DA UNICINOS
 
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