terça-feira, 26 de maio de 2015

UM DESABAFO À "PÁTRIA EDUCADORA"

Reconheço que um governo para se estabilizar economicamente precisa de se adequar às necessidades de um mercado financeiro instável e, nem sempre, favorável à economia local e às políticas sociais de um país, como é o caso do Brasil. Por isso a necessidade de "cortes" orçamentários e contenção de gastos. O reflexo disso, na prática, cai sobre os programas e políticas públicas que dependem diretamente dos recursos públicos destinados pela união. Atualmente o Brasil vive este momento.
A questão é que, historicamente, as medidas econômicas adotadas por modelos de governos passados no Brasil "privilegiou" sempre o bolso do contribuinte mais necessitado, do trabalhador assalariado. É isso que volta a se repetir? É isso que, desgraçadamente, vemos repetir? Não tenho conhecimento econômico para palpitar sobre setores da economia que, por minha ignorância nesse campo, são misteriosos e obscuros, apesar de me inclinar, com certo pessimismo - confesso -, diante de um futuro cada vez mais tenebrosamente próximo. Porém, acho que posso palpitar sobre um setor que estou metido de corpo, alma e coração: a educação.
Foram 9 bilhões de reais o total de cortes na educação. Eu, sinceramente, não tenho nem ideia do quanto é isso. Sei que é muito, demasiadamente muito. Penso que o impacto desse corte para um sistema educacional já com sinais visíveis de falência é o que me parece mais aterrador. Lembro-me que uma das grandes bandeiras de luta... Aliás, "uma das, não", mas A grande bandeira de luta da campanha eleitoral da atual presidenta Dilma foi a Educação, tanto que o lema atual de seu governo é "Brasil, pátria educadora", supostamente justificada por uma reforma educacional tirada não sei de onde, idealizada Deus sabe como ou quando... Como professor e educador, sinto vontade de chorar, para não dizer o contrário, quando leio esse lema...
Os dois governos do presidente Lula impulsionaram de forma significativa a educação. O crescimento deste setor possibilitou a ampliação de uma rede de educação em constante crescimento, seja na educação básica, profissional ou superior. As universidades, creches, ensino profissionalizante, a possibilidade de pesquisa nos diversos campos do conhecimento... tudo isso com qualidade, se tornou um sonho acessível a muitos, antes limitado a uma pequena parcela elitizada da sociedade brasileira. Hoje e amanhã, gerações se consolidarão, intelectual e profissionalmente, graças a estes avanços. Porém, de uns anos para cá este mesmo sistema educacional parece ter parado no tempo e no espaço. Começando, visivelmente, por um notável sucateamento da parte física de nossas instituições educativas, onde, atualmente, falta até material de limpeza para lavar os banheiros onde nossos alunos fazem suas necessidades. Sem falar no básico para o professor dar sua aula, como pincel e apagador, etc. Porém, não foi só isso. De uns tempos para cá começamos a notar, mesmo que não querendo assumir ou acreditar, a inviabilidade e cortes de programas de acesso à universidades, como é o caso dos financiamentos de acesso a um curso superior ou até mesmo à pesquisas de pós-graduação. Isso sem falar das contradições que dizem respeito às condições salariais e de direitos dos profissionais da educação, que se manifestaram, recentemente, nas greves e lutas que se espalham por todo país, à custa, muitas delas, de muita cacetada e bomba de gás.
Enfim, para uma nação que se compromete, teoricamente, com a educação, são sinais desanimadores, que não ajudam a alimentar a esperança... Principalmente vindo de um projeto político que tem um partido que, historicamente, defendeu a classe trabalhadora e menos favorecida deste país, como é o caso do Partido dos Trabalhadores.
A pátria educadora é cada vez mais distante... O coração cada vez mais pesado, a luta cada vez mais difícil... Posso perder o encanto político, posso perder a esperança da luta, mas não perderei a liberdade de dizer o que acredito ser verdade...
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sábado, 28 de março de 2015

EDUCAÇÃO BÁSICA: Um olhar para o Brasil, para o Ceará e para Russas a partir de suas taxas de Aprovação, Reprovação e Abandono.

EDUCAÇÃO BÁSICA: Um olhar para o Brasil, para o Ceará e para Russas a partir de suas taxas de Aprovação, Reprovação e Abandono.

José Wilson Correa Garcia[1]


 1.      INTRODUÇÃO
A situação e a realidade educacional brasileira tem sido um debate constante nos últimos anos, seja nos espaços acadêmicos ou políticos, particularmente a partir do processo de redemocratização do Estado Brasileiro, quando se estabelece princípios democráticos para todas as áreas e se asseguram instrumentos legais, ações e programas voltados para criação de políticas públicas para o sistema educativo. O consequente monitoramento dessa área também se fez e se faz necessário, considerando o tamanho físico e a complexidade cultural e regional que caracterizam o Brasil.
A necessidade de monitoramento, particularmente, da Educação Básica no Brasil fez surgir a proposta indicativa do IDEB - Índice de Desenvolvimento da Educação Básica - que tem o objetivo de “medir” a qualidade do aprendizado nacional e estabelecer metas para a melhoria do ensino no país. Divulgado a cada dois anos, o índice varia em uma escala de 0 a 10 e é calculado a partir de dois componentes: as taxas aprovação dos estudantes e as médias de desempenho dos alunos nas avaliações aplicadas pelo INEP[2].
A partir desses dados são calculados o Ideb de cada escola, rede de ensino, município e estado, além da média nacional. Cada unidade de ensino pública (seja municipal, estadual ou federal) tem metas no Ideb a serem atingidas a cada dois anos. Também foram determinadas metas para todos os municípios e estados. 
O Ideb é calculado para três etapas de ensino: anos iniciais do ensino fundamental (1º ao 5° ano), anos finais do ensino fundamental (6º ao 9º ano) e ensino médio. Atualmente, o Ideb nacional para os primeiros anos do ensino fundamental é de 5,2 pontos, segundo os dados apurados para o ano de 2013. A meta é que, até 2022, o país atinge a média 6 no Ideb. 
O critério da análise de uma base de dados que considere as taxas de Aprovação, Reprovação e Abandono será o objeto de investigação deste artigo. Evidentemente, sabe-se que nem sempre é fácil – e não existe um consenso nesse sentido – estabelecer uma avaliação absolutamente precisa e integral a partir de dados quantitativos e estatísticos. Porém, em uma realidade geográfica e cultural tão complexa e diversificada como é o caso do Brasil, este é o recurso metodológico de que o sistema educacional brasileiro dispõe. É a partir dele que este artigo procurará interpretar a situação educacional brasileira a partir das taxas de Aprovação, Reprovação e Abandono, tanto em âmbito Nacional, quanto em âmbito Estadual e Municipal[3]. O referencial adotado para coleta dos dados será o próprio Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (INEP) e o sistema QEdu[4].

2.      TAXAS DE APROVAÇÃO, REPROVAÇÃO E DESISTÊNCIA

2.1 DADOS NACIONAIS: olhando para o Brasil.
O universo nacional considerado se refere ao senso de 2013, que contabiliza uma média de quase 42 milhões de alunos matriculados em Instituições Educacionais da Educação Básica, considerando o Ensino Fundamental em suas modalidades, bem como o Ensino Médio, também em suas modalidades. A essa média geral segue os dados de Aprovação, Reprovação e Desistências[5].

 

 Em âmbito nacional, de acordo com os referidos dados, acima sugeridos no gráfico à esquerda, percebe-se, na educação básica brasileira um crescente índice de reprovações e abandonos aumentando de acordo com a respectiva etapa. O ensino médio nacional ainda parece ter os índices mais acentuados. Isso fica evidente na taxa de rendimento, mostrada no gráfico à direita, que é a somatória dos índices de Aprovação, Reprovação e Abandono, particularmente acentuada no Primeiro ano do Ensino Médio. É interessante, e ao mesmo tempo sintomático, que a Taxa de Rendimento apresente uma caída exatamente nos momentos em que o educando está em transição para uma outra etapa de sua vida acadêmica, ou seja, no final do ensino Fundamental, no 9º ano, quando ele ingressa no Ensino Médio, e no final do Ensino Médio, quando ingressa no Ensino superior ou no mercado de trabalho. É o que se comprova e observa mais detalhadamente nos gráficos onde são mostrados os mesmos índices da educação básica, mas por ano escolar.
À União cabe a responsabilidade por todo sistema educacional brasileiro. A criação, implementação e monitoramento de leis, políticas públicas, ações e programas é responsabilidade de toda União Federativa. Os dados em âmbito federal mostram índices de reprovação e abandono preocupantes, se analisados em larga escala, localizados nas duas modalidades da educação básica, Ensino Fundamental e Médio. Por exemplo, só no ano de 2013 quase 1,5 milhões de alunos deixaram de frequentar a escola durante o ano letivo em curso ou tiveram frequência escolar insuficiente (abandonaram a escola) e quase 3,5 milhões alunos não apresentaram os requisitos de aproveitamento e/ou frequência escolar necessários. Há de se considerar que são números grandes e preocupantes e o questionamento sobre os motivos e as causas dessas taxas não podem passar despercebidos das políticas federais para educação.
  
2.2  DADOS ESTADUAIS:  Olhando para o Ceará.

O universo estadual considerado (Estado do Ceará) se refere, também, ao senso de 2013, que contabiliza uma média de quase 2 milhões de alunos matriculados em Instituições Educacionais da Educação Básica, considerando o Ensino Fundamental em suas modalidades, bem como o Ensino Médio, também em suas modalidades. A essa média geral segue os dados de Aprovação, Reprovação e Desistências[6].
 
 


 Observe-se que, em âmbito estadual, na realidade do Ceará, a porcentagem das taxas de Matrícula, Aprovação e Reprovação são, proporcionalmente, muito parecidas com a realidade Nacional. Porém, quando se analisa a taxa de rendimento estadual, comparada com a nacional, apesar do baixo rendimento estar localizado, também, nos momentos em que se transita do final de uma etapa para a outra, a realidade do Estado do Ceará parece ser mais favorável, com rendimentos mais significativamente positivos.
            Os dados estaduais, em certo sentido, são fiéis e coerentes com os avanços percebidos em resposta às medidas de políticas públicas adotadas para a sua área educacional. Nos últimos anos, houve um esforço público em promover políticas, programas e projetos que assegurassem a permanência qualitativamente integral do educando na escola. Alinhada a essa permanência implantou-se, em nível estadual, o modelo educacional que integra Ensino Regular à Educação Profissionalizante. Desde o ano de sua implantação, em 2008, o modelo Integral de Educação Profissionalizante integrado ao ensino Regular, implantado em boa parte dos municípios cearenses, possibilitou um avanço qualitativo e quantitativo nos dados e nas taxas em nível estadual.
Ao Estado cabe a responsabilidade pelo Ensino Médio no âmbito federativo estadual. Os dados em âmbito estadual, apesar de mais favoráveis, mostram também índices de reprovação e abandono preocupantes. Por exemplo, só no ano de 2013 quase 60 mil de alunos deixaram de frequentar a escola durante o ano letivo em curso ou tiveram frequência escolar insuficiente (abandonaram a escola) e quase 110 mil alunos não apresentaram os requisitos de aproveitamento e/ou frequência escolar necessários. Há de se considerar que são números grandes e preocupantes e o questionamento sobre os motivos e as causas dessas taxas não podem passarem despercebidos das políticas estaduais para educação.

2.3 DADOS MUNICIPAIS
O universo municipal considerado (Russas, CE) se refere, como nos outros casos, ao senso de 2013, que contabiliza uma média de quase 15 mil alunos matriculados em Instituições Educacionais da Educação Básica, considerando o Ensino Fundamental em suas modalidades, bem como o Ensino Médio, também em suas modalidades. A essa média geral segue os dados de Aprovação, Reprovação e Desistências[7].



             Da mesma forma que em âmbito Nacional e Estadual, o município de Russas, interior do Ceará, apresenta índices de abandono e reprovação aparentemente muito próximos, também proporcionalmente, sugerindo um melhor rendimento nos anos de transição entre o fim de uma etapa e outra. Porém, em se tratando de uma análise mais aprofundada e comparativa, percebe-se que, em âmbito municipal, há uma incidência maior de reprovações em relação à média nacional e estadual, o que não acontece com o índice de abandono. Porém, de um ponto de vista comparativo, a realidade educacional de Russas parece assumir como desafio o que revela no seu índice de Reprovação.
Ao Município cabe a responsabilidade pela Educação Básica em sua modalidade de Ensino Fundamental, obviamente no município. Os dados em âmbito municipal, particularmente, se mostram mais preocupantes, principalmente no que diz respeito ao índice de aproveitamento. Por exemplo, só no ano de 2013, num universo de 39 escolas públicas e quase 10 mil matrículas, mais de mil alunos não apresentaram os requisitos de aproveitamento e/ou frequência escolar necessários. Há de se considerar que são números grandes e preocupantes e o questionamento sobre os motivos e as causas dessas taxas não podem passarem despercebidos das políticas municiais.
Observe-se, junto a esses dados, alguns outros de caráter infraestrutural[8], considerando que junto a esses dados estão as três escolas de Ensino Médio localizadas no município, o que garante aos dados municipais um aumento nos índices, considere: menos de 14% das escolas do município dispõe de acesso a esgoto via rede pública; menos da metade delas, ou seja menos de 50%, dispõe de Biblioteca; menos de 10% dispõe de laboratório de ciências;  40% não dispõe de quadra de esportes; menos de 40% não dispõe de sala de leitura; menos de 30% oferece um espaço para atendimentos especiais; menos de 50% dispõe de máquina copiadora; menos de 20% tem projetor (datashow) para fins pedagógicos; metade delas dispõe de internet e menos da metade dispõe de internet banda larga; menos de 20% dispõe de acesso adequado e sanitários a portadores de deficiência.
            O confronto dessas duas realidades, índices estatísticos de desempenho e infraestrutura educacional, possibilita uma análise comparativa da educação que considere os mesmos dados a partir de dois olhares – muitas vezes distintos e contraditórios – entre TEORIA e PRÁTICA. É o que se proporá de forma conclusiva.

 
3.      OBSERVAÇÕES CONCLUSIVAS
            Os dados estatísticos que oferecem indicadores e critérios para avaliar o sistema educacional brasileiro são importantes, disso não se duvida. Porém, há de se considerar que um dado, pura e simplesmente estatísticos, em muitos casos, não condiz com a realidade prática educacional vivida por quem mais perto está da educação: o professor e o gestor escolar.
Segundo pesquisa realizada pelo Instituto Paulo Montenegro[9] a realidade educacional que é mostrada em pesquisas que avaliam índices de desempenho (o IDEB não está isento dessa regra) nem sempre condizem ou refletem os grandes desafios que a educação vive na realidade de sua prática pedagógica. Por exemplo, os resultados do IDEB desde último ano de 2013 revelam, particularmente, um crescimento gradual, coerentemente de acordo com a meta de crescimento no Ideb estabelecidas politicamente pelo Plano Nacional de Educação vigente, seja em âmbito Federal, estadual ou Municipal. Teoricamente há um crescimento nos índices quantitativos, porém, a prática percebida é de uma defasagem, também gradual, do índice de aproveitamento a partir da visão prática do educador, seja ele atuando na sala de aula, seja atuando na gestão escolar.
Em muitos casos, há uma tendência a assegurar, principalmente no período da aplicação dos exames, de onde saem os dados, práticas pedagógicas que tem o objetivo de aumentar tais índices. Ou seja, há uma tendência generalizada de se priorizar a obtenção de resultados no final de cada uma das duas etapas da Educação Básica. E isso ficou evidente nos gráficos apresentados. Evidentemente, em qualquer sistema de ensino sério, os bons resultados são resposta de um bom trabalho pedagógico feito nesse mesmo sistema de ensino. Porém, os resultados podem ser “mascarados”. E para que? Sabe-se que os índices e indicadores quantitativos da educação, hoje no Brasil, funcionam como ferramentas de direcionamento de recursos públicos para o Estado, Rede de ensino, Município e suas instituições educativas. Cabe perguntar qual a opção que nossas instituições públicas de educação estão sendo forçadas a fazer através do próprio sistema educacional. Se está privilegiando a obtenção de metas educacionais exclusivamente quantitativas para melhorar os mesmos índices e, assim, garantir recursos; ou se está privilegiando uma educação qualitativa sob o perigo de não mostrar os índices exigidos pelo sistema. Ou quem sabe – e isso pareceria o mais ideal – faz-se uma opção pedagógica que possibilite um equilíbrio entre essas duas tendências.

4.      REFERÊNCIAS

EDUCAÇÃO, Ministério da. Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (INEP). In: http://portal.inep.gov.br/, acessado em 26 de março de 2015.

LEMANN, Funcação. QEdu. In.: http://www.qedu.org.br/, acessado em 26 de Março de 2014.

MONTENEGRO, Instituto Paulo. Como o Professor vê a Educação. In.: http://www.fvc.org.br/estudos-e-pesquisas/avulsas/estudos1-1ser-professor.shtml?page=0. Acessado em 27 de Março de 2015.




[1] Aluno do Curso de Gestão Pedagógica. Secretaria de Apoio às Tecnologias Educacionais (SATE) da Universidade Estadual do Ceará. Turma 2014.2. Email: josewilsongp@gmail.com         
[2] O Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep) é uma autarquia federal vinculada ao Ministério da Educação (MEC), cuja missão é promover estudos, pesquisas e avaliações sobre o Sistema Educacional Brasileiro com o objetivo de subsidiar a formulação e implementação de políticas públicas para a área educacional a partir de parâmetros de qualidade e eqUidade, bem como produzir informações claras e confiáveis aos gestores, pesquisadores, educadores e público em geral.
[3] O universo nacional que considerado, obviamente, é o Brasil. Em âmbito Estadual se referirá aos dados do Estado do Ceará. Já em âmbito Municipal, se considerará os dados do Município de Russas, cidade localizada na Região do Vale do Jaguaribe, interior do Ceará.
[4] O QEdu é um sistema on-line em que o cidadão comum pode consultar, gratuitamente, de maneira intuitiva, dados da educação brasileira e acompanhar a evolução do ensino no país. Foi produzido, em 2012, pela Fundação Lemann e a Meritt Informação Educacional.
[8] http://www.qedu.org.br/cidade/3682-russas/censo-escolar?year=2013&dependence=0&localization=0&item=
[9] Esta pesquisa, “Como o Professor vê a educação”,  foi desenvolvida pelo Instituto Brasileiro de Opinião Pública e Estatística (Ibope) sob encomenda da Fundação Victor Civita (FVC). O artigo que segue foi elaborado pela equipe técnica do Instituto Paulo Montenegro, organização sem fins lucrativos vinculada ao Grupo Ibope.
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quarta-feira, 4 de fevereiro de 2015

MEDITAÇÃO - Uma Experiência Espiritual

Meditar é simples. Com esse pequeno vídeo você poderá ser conduzido a uma Experiência Espiritual de Meditação, diante do computador, pelo celular ou tablet, em casa ou no trabalho. O importante é dedicar 10 minutos do seu dia ao mistério divino que te habita.






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quinta-feira, 20 de novembro de 2014

ANTIANTIPETISMO

Não é necessário ser petista ou sequer simpatizante para notar que o antipetismo é uma versão atualizada de uma ideia que infelizmente perpassa toda a história do Brasil. Por, Rafael Mantovani*.

Em 1984, o antropólogo Clifford Geertz escreveu o texto Anti anti-relativismo, com o propósito de criticar os críticos do relativismo. Geertz notou a má formulação do conceito de “relativismo” por parte dos seus adversários para atacá-lo, devido ao medo que tinham (e têm) da diversidade que havia (e há) lá fora. O ataque era resultado do desejo de uma espécie de retorno a uma moral transcendente que pudesse dizer o que é certo e o que é errado. Esses críticos do relativismo diziam que os relativistas defendiam uma ideia ao estilo “tudo pode”. Geertz, então, esclareceu que os chamados relativistas só queriam que os antropólogos se preocupassem com o “provincianismo”, dizendo que não deveriam ser provincianos, não deveriam fazer uma análise do outro pautada nos valores próprios, ou seja, provindos da própria sociedade do investigador. Se caso fosse para julgar a outra sociedade, não haveria motivo para existir antropologia.

A analogia do título do texto foi inspirada no “antianticomunismo”, movimento formado por pessoas que não acreditavam na visão dominante nos Estados Unidos da época da guerra fria de que o “perigo vermelho” era o fato primordial da vida política. Mas o grupo não era comunista, apesar de diversas vezes ser associado aos bolcheviques. O valor do antianticomunismo foi ter criticado McCarthy, não para que pudesse ser implantado o comunismo (coisa em que os antianticomunistas não acreditavam), mas simplesmente porque a perseguição aos comunistas não era salutar à sociedade norte-americana e tampouco condizia com a liberdade de pensamento e expressão. Da mesma forma, Geertz se viu na obrigação ética (homem de opiniões firmes que era) de criticar aqueles que afirmavam erroneamente que, para os relativistas, não havia ética, não havia valores. Dizia Geertz que tentar trazer de volta ideias como fato bruto, lei natural, verdade necessária, beleza transcendental não poderia ser, de forma alguma, salutar para a antropologia. Afinal, isso só seria possível se a moral (que provém do observador) fosse posta acima da (diferente) cultura analisada. E brilhantemente termina dizendo que “se quiséssemos verdades caseiras, deveríamos ter ficado em casa”.

O que deve ser primeiramente destacado no raciocínio de Geertz é o quanto uma crítica a determinada coisa pode dizer pouco a respeito da própria coisa e muito a respeito dos que fazem a crítica. Nesse caso, primeiramente, o horror ao diferente. Em segundo, o preconceito ao diferente. Em terceiro lugar, a certeza da possibilidade de um conhecimento moral e objetivamente construído: uma crença de pessoas que tentam ignorar que essa objetividade e moralidade provém, necessariamente, dos valores vindos “de casa”. Nesses três pontos, o antipetismo se assemelha ao antirrelativismo. Comecemos pelo terceiro ponto e desenrolemos em direção ao primeiro.

O “conhecimento objetivo” do antipetista se divide em duas partes. A primeira é a certeza de que a economia é uma ciência neutra e o mercado é um ser independente da sociedade e dos interesses particulares dos grupos sociais. A segunda é que as diferenças sociais são, na verdade, naturais. Vamos por partes.

Para explicar o primeiro ponto do conhecimento objetivo antipetista, pode-se evocar Carlos Alberto Sardenberg que, certa vez, disse que o governo “errou” ao baixar a taxa de juros. Note o leitor que o governo “errou”. Tratou-se de erro, de análise mal feita, não de escolha política. Ora, a taxa de juros controla o aquecimento da economia e índice de inflação, portanto, a escolha por aumentá-la ou diminuí-la se trata, na realidade, de uma escolha muito bem definida, traçada em busca do resultado que o governo pretende alcançar. É claro que há atitudes políticas que se mostram erradas, desastradas, mas não é disso que se trata aqui. Há uma forma de expor as análises econômicas por parte do antipetista que tende a dar a entender que haveria uma neutralidade na escolha, uma neutralidade que não é captada pelo grupo político adversário por ser incompetente. A ideia de que o governo do PT “erra” provém de uma tentativa muito clara de mascaramento do descontentamento pelo fato de que este governo específico não tem privilegiado a classe da qual ele, jornalista, é porta-voz. Tal mascaramento é conseguido pelo convencimento da “neutralidade” da economia e da “naturalidade” do mercado. Para que o mercado fique “melhor para todos”, é necessário ver atentamente os dados e decidir cientificamente. “Os dados mostram”. “Os números não mentem”. Claro que não mentem, os números nem falar falam. Quem fala é o analista. A naturalidade do mercado e a neutralidade da economia são a tentativa de transformar o que é escolha político-econômica em uma ação objetivamente certa ou errada de acordo com um único raciocínio possível. É como um motorista que quisesse chegar a São Paulo e pegasse o caminho do meio, quando, na verdade, precisaria ter pegado à direita. Para se chegar a São Paulo, portanto, era necessário ele ter pegado à direita, mas o motorista se equivocou pegando a linha central e não se vai mais chegar ao destino desejado. Entretanto, nas ciências humanas – conjunto de saberes do qual a economia política também é parte – as coisas não são tão inequívocas assim. As escolhas podem tanto ser guiadas por erros como por clara intencionalidade. A clara intencionalidade de uma ação político-econômica, quando não beneficia a classe a que o antipetista faz parte, ele a encara como erro, como ingenuidade. Só que tentar definir-se a si mesmo como neutro é uma atitude que carrega muita intencionalidade guiada por interesses específicos.

A segunda parte da neutralidade e objetividade do conhecimento antipetista começa ainda com um chavão econômico mal formulado, desemboca em uma sociologia muito ruim e tem como conclusão uma proposta jurídica calhorda. Começa “constatando” duas coisas. A primeira é que há pobres e ricos no mundo apesar de todos os indivíduos, diz ele, estarem em condições iguais de competição, asseguradas também por regras jurídicas (“teoria” econômica). A segunda “constatação”, obscuramente vinculada à primeira, é que a classe pobre teria uma predisposição ao crime (“teoria” sociológica). E, se há muito crime, deveria haver mais punição – conclui (sugestão aos magistrados de direito).

De acordo com a vontade antipetista de ressuscitar a legalidade do suplício, a punição é o melhor remédio para os índices “alarmantes” de criminalidade. Portanto, que reduzamos a maioridade penal e, no limite, restabeleçamos entre nós a pena de morte para dar a marcha ré mais imponente da história. Ignora-se que os crimes mais combatidos são os cometidos por uma classe específica (a pobre), e que, sendo a mais punida, é a que tem os crimes que mais comete (furtos e pequenos roubos) potencializados. E são potencializados esses crimes não pelo fato de serem os típicos da classe x ou y, mas pela própria punição que marca aquele indivíduo como desviante e, exatamente por esse fato, passa a ter apenas a “carreira” desviante como opção social [Para mais detalhes a repeito, ver o clássico e claríssimo texto de Howard Becker, Outsiders]. Diferentemente disso, o raciocínio de quem defende a redução da maioridade penal e a pena de morte se pauta na ideia de que “esse aí não tem jeito, não”. Esse aí é naturalmente ruim.

Séculos atrás, a escravidão era o sistema econômico do Brasil. E ela era também justificada racionalmente. Obviamente, primeiro veio a escravidão, depois a sua justificativa; entretanto, ela não era uma justificativa consequencialista, ou seja, “precisamos da escravidão, portanto, mantenhamo-la”. Não. Ela tinha uma justificativa deontológica: deveria haver escravidão para moralizar o negro. A escravidão fornecia “panis, et disciplina, et opus servo”, ou seja, pão, disciplina e trabalho para o servo – os elementos necessários para o caminho da virtude. E a punição era o elemento essencial para a educação escravocrata, afinal, era o único “incentivo” ao trabalho, pois ele não era remunerado e nem trazia nenhuma satisfação pessoal. Restava a chibata como argumento.

Em um dos relatórios de 1835 a respeito do estado da prisão da cidade de São Paulo (coletados por Nuto Sant’Anna no volume II dos Documentos históricos), o relator se indignava com o fato de estarem presos brancos e negros, misturados. Os brancos que, por desgraça, haviam cometido algum crime seriam muito mais sensíveis à prisão do que pretos, de natureza preguiçosa, indolentes e sem princípios de decência. Os pretos encontrariam na punição não um mal, mas antes, uma benção. Dessa forma, os brancos deveriam ser menos punidos pelos seus crimes; já os pretos, mais. Curiosamente, hoje acontece o mesmo: a prisão está repleta de pobres que, curiosamente, são de maioria “nãobranca”. Ao notar a maioria sócio-racialmente selecionada pelo sistema judiciário e policial no momento de encarcerar, o preconceito mal escondido quase aflora ao dar a entender que os princípios da criminologia lombrosiana estavam certos: haveria, sim, predisposição biológica ao “crime”. E “que se puna mais” – é o raciocínio. É o desejo de chicote que o antipetista tem, da chibata que ele nunca teve em mãos, mas mesmo assim sente muita saudade. Bons tempos devem ter sido aqueles de quando, apesar de em lei não se poderem matar os negros, na prática, sim.

E não surpreende que todas essas bandeiras anti-“minorias” tenham São Paulo como solo fértil. Primeiramente, os desbravadores do sertão; depois, os barões do café e, também, seguindo até os dias de hoje, a “locomotiva do Brasil”. O lugar que mais se beneficia economicamente com a desigualdade de um país como o Brasil precisa ser aquele em que qualquer bandeira que prometa uma melhor distribuição de renda precisa ser totalmente rechaçada. É claro que há a desculpa esfarrapada da corrupção, mas isso não deveria enganar nem o mais ingênuo dos otários, uma vez que são criticadas apenas as corrupções do partido dito de esquerda que parece pôr em risco o poder político da elite, nunca as do seu partido porta-voz (porta-voz dos interesses da sua classe de rentistas. Porta-voz da política de tolerância zero contra “o crime”. Porta-voz da criminalização dos movimentos sociais). Na realidade, mais importante do que os escândalos de desvio de dinheiro público desse partido adversário é a estrela vermelha como slogan. É o conflito simbólico resultante do fato de esse partido ter como liderança um ex-sindicalista e sempre se associar à classe que não é a alta. Trata-se de um partido que se vincula simbolicamente à ralé da sociedade e procura atender aos seus anseios (de forma um tanto acanhada, diriam os mais revoltosos). Mas a ralé é a ralé. “Por que a ralé entra no planejamento político?” se pergunta o antipetista. A ralé que apodreça na senzala, nas prisões, nos sertões, na favela, na pobreza. O antipetista diz pensar que não existe uma causa socialmente relevante para a existência de problemas que são, na realidade (diz ele), fruto de naturezas humanas diferentes.

Trata-se apenas da atualização de um discurso muito antigo.

E o mais curioso é que esse discurso não tem se restringido apenas às classes que mais lucram com o brutal sistema sócio-econômico brasileiro: ele provém também das classes médias com grande vigor e, curiosamente, também das classes baixas. Em sociedade que continua naturalizando como falha biológica a desigualdade social, ninguém quer se associar à ralé. Pode-se até não se ter ganhado dinheiro na vida como ganhou a Maité Proença, mas é importante ser antipetista como ela. Dizer-se antipetista é colocar-se discursivamente mais próximo da classe patronal e, por isso, simbolicamente mais longe da senzala, da prisão, do sertão, da favela e da pobreza, por mais que materialmente a ligação efetiva seja com esse mundo, não com o senhorial. E talvez até fizesse sentido, em um primeiro momento, que se dissesse defender os interesses dos senhores. Afinal, todas as armas estão apontadas caso se seja negro, pobre e minimamente relacionado a movimentos sociais: as armas são a rede Globo (como cabeça de um grupo também formado pelos jornais O Globo, O Estado de São Paulo e a irresponsável revista Veja), a polícia militar e a recusa do mercado de trabalho. Mas não se trata mais apenas de uma artimanha das classes mais pobres. O sentimento entranhou-se. Mas o motivo do “entranhamento” do antipetismo inclusive nas classes pobres é assunto para outro texto.

Seja para o antipetista rico, seja para o antipetista pobre, por mais que se tenha perfeita consciência da desigualdade social no Brasil, programa social é panela de fazer vagabundo. A culpa é dele. A punição é para ele. Afinal, a violência da classe pobre com relação à rica sempre foi vista como crime. Já a violência da classe rica com relação à classe pobre é correção. Ao invés de corrigir e/ou eliminar os pobres, esse partido vermelho diz querer eliminar a pobreza. E como eliminar a pobreza sem eliminar os pobres? Talvez utilizando-se de todos os meios legais para distribuir a renda, o que, aliás, é o que se tem tentado fazer com algum grau de êxito.

Aliás, o Brasil saiu pela primeira vez do mapa de subalimentação da ONU. Mas… isso é aumento de Índice de Desenvolvimento Humano? Sim, é mais um resultado do constante aumento do IDH brasileiro. Índice esse, aliás, que não entra na conta do PIB. Mas o Brasil precisaria (dizem tanto a mídia brasileira quanto o FMI) ter feito um superávit maior! Por que o Brasil esteve nesses últimos anos mais preocupado em distribuir a renda? Ora, esta não deveria ser a questão principal, diria a ciência exata que é a economia; a questão principal era o crescimento econômico, nem que fosse por meio, novamente, da “via prussiana brasileira”, como já foi diversas vezes chamada a selvagem maneira brasileira de crescer.

Até porque, segundo o antipetista, não se trata de uma gigantesca desigualdade social de um país que teve mais de três séculos de escravidão. Não. Segundo ele, se trata de uma diferença entre “país produtivo” e “país improdutivo”. E tampouco se trata de “distribuição de renda”, isso é discurso ideológico de esquerdista. Na verdade, é “país produtivo pagando a conta do assistencialismo de Estado ao país improdutivo”. No seu raciocínio, se rico ganha bolsa para estudar no exterior, é investimento bom; se pobre ganha bolsa para conseguir não morrer de fome para tentar exercer (com as condições biológicas exigidas para tal) alguma atividade produtiva, aí o dinheiro foi mal investido. Porque, diz ele, o que o governo deveria fazer era ensinar a pescar ao invés de dar o peixe. Entretanto, o filho do antipetista, quando vai aprender qualquer coisa na escola, ganha um café da manhã reforçado, porque ele, o antipetista pai, sabe perfeitamente bem a importância desse fato. Por isso, se for um bom pai, colocará à disposição do filho o necessário de carboidrato, proteínas, vitaminas, mega x, y e z. Sabe que se o filho dele estiver desnutrido (imagem horrenda que nunca lhe ocorreu jamais), não será capaz de aprender nada. Só que no caso dos outros, a nutrição tão necessária para qualquer processo de aprendizagem é safadamente ignorado. É que o raciocínio da Casa Grande é e sempre foi um raciocínio safado: os “naturalmente” “vagabundos”, “indecentes”, “indolentes”, aprendem com a dor. Por isso, a política deveria considerar ele. Só ele. E caso você não concorde com o raciocínio dele, você não pode jamais estar sendo razoável. Você é burro, diria o Jabor. Você está se aliando aos analfabetos para perpetuar a burrice, a asnice, a jumentice brasileira. Não o contrário. E assim sendo, se você é petista, você é burro; se é tucano, é inteligente. Como se nota, novamente entra em cena a tal neutralidade das escolhas políticas e político-econômicas. Não se trata de “escolha”. Trata-se de “saber”, de “descobrir” o valor intrínseco do combate ao PT. Se não sabe, é burro…

É curioso até esse raciocínio. Se não fosse trágico, seria cômico.

Por essas e outras não é necessário ser petista para notar que o antipetismo é uma versão atualizada de uma ideia que infelizmente perpassa toda a história do Brasil. Como nos contou Renato Janine Ribeiro recentemente em entrevista à CartaCapital, nos anos 1960, quando havia a discussão sobre o fim da segregação racial nos Estados Unidos, no Brasil, dizia-se que aquilo não era necessário aqui porque os negros do Brasil sabiam bem o seu lugar. No Brasil, o pobre deveria continuar lembrando qual é o seu lugar. E qualquer menção de tentar fazê-lo esquecer se trata, diz o antipetista, de esquerdismo de gente corrupta, de burrice. Tudo o que não fortalece o domínio dos grupos que se sentem não tão privilegiados como outrora é falso, burrice, jumentice, asnice. Como já apontava Geertz, a “verdade” está em casa, e sair de casa para encarar o outro pode ser muito difícil. Por isso, é importante que a “verdade” seja apenas a verdade de casa. No caso do Brasil, é a verdade de uma Casa Grande que não consegue lidar com as consequências sociais da sua própria existência. Reclama com muita indignação quando alguém diz que tentará aumentar o nível de vida dos miseráveis, e os mais exaltados se dizem com medo dos comunistas, por mais que ninguém, nessa relação, esteja pondo em risco o seu domínio. Entretanto, para o antipetista, esse domínio deveria ser o mais absoluto e completo, sem a menor contra-argumentação. E o seu domínio deveria estar no âmbito econômico, político, social. E também no intelectual, espiritual e moral.

 

*Rafael Mantovani é doutorando em sociologia pela USP, mestre em Ciências Sociais pela PUC/SP.


Fonte: PRAGMATISMO POLÍTICO.

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