domingo, 24 de setembro de 2017

ADOLF EICHMANN, CARLOS ALBERTO BRILHANTE USTRA E A BANALIDADE DO MAL

Estava assistindo ao depoimento do Coronel Ustra (sim, aquele mesmo louvado pelo deputado Jair Bolsonaro) na comissão da verdade, para responder por crimes contra cidadãos brasileiros, torturados e mortos durante a ditadura militar, quando ele era comandante do Departamento de Ordem Política e Social (DOPS) de São Paulo. Em um momento do depoimento me chamou atenção essa argumentação de defesa que ele faz e que transcrevo literalmente (é de domínio público):

"...Portanto, quem deve estar aqui não é o coronel carlos alberto brilhante ustra. Quem tem que tá aqui é o exército brasileiro [...] que assumiu a ordem do presidente da república [...] e sob os quais eu cumpri todas as ordens..."

Me chamou atenção essa argumentação, pois me fez lembrar do comandante nazista Adolf Eichmann, um dos principais organizadores do assassinato de milhões de pessoas durante a 2ª grande guerra. O mesmo quando foi julgado e condenado pela corte internacional formada para julgar crimes contra a humanidade, durante o holocausto judeu, usou como argumentação a mesma estratégica presente no discurso de Ustra, ou seja, que estava apenas cumprindo ordens de seus superiores, isto é, era um burocrata do mal. Segundo ele, não foi contratado para pensar nas consequências dos seus atos, mas para executar ordens e, assim, assassinar milhões de judeus em campos de concentração durante o domínio da Alemanha Nazista.

Foi essa argumentação que fez a filósofa judia Hannah Arendt, enviada a Jerusalém para cobrir o julgamento de Eichman em 1961, cunhar o conceito de Banalidade do mal. Segundo ela, o mal banal é aquele feito por ignorância, quando o indivíduo se abstêm da inteligência e da capacidade de pensar nas consequências das próprias ações.

Eichmann e Ustra não foram tão diferentes. Pior, eles conseguem arrebanhar seguidores e defensores, ao escolherem a omissão e a perpetuação do mal banalizado por suas próprias ignorâncias...



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domingo, 18 de junho de 2017

SOBRE A FELICIDADE

Hoje, na vinda de Flores pra Russas, me peguei pensando na Felicidade. Talvez tenha sido o cheiro de mato do caminho. Já explico porque.

O fato é que desejei uma coisa. E, ao longo do percurso, fiz um acordo com Deus, daqueles que a gente só faz quando é criança: daria 10 anos de minha vida em troca de um fim de semana em Camurugi.

Camurugi é um bairro bem distante da sede do município de Guarapari, cidade onde nasci. A família sempre revezava os encontros indo pra lá, passar o fim de semana na casa de Padrinho Ricardo. Era um lugar lindo, no meio do mato, ao lado do manguezal... distante de tudo, mas próximo do céu. A família toda reunida. A gente, ainda criança, tínhamos uma liberdade escandalosa. Subíamos nas árvores pra comer frutas silvestres. Lembro perfeitamente do gosto do araçá, da romã, do jambo. No caminho para o banho no mangue, através da trilha rasgando o meio do capinzal, sentíamos o cheio do mato e das ervas que só Deus sabe o nome.

Foi esse cheiro que senti hoje. Foi essa Felicidade que desejei trocar por 10 anos da minha vida. Não porque eu esteja infeliz com os 10 anos que desejei trocar, mas porque meu conceito de Felicidade não é ter grandes coisas: fortunas, bens, prazeres. Meu conceito de Felicidade é esse: recuperar as simples, pequenas e efêmeras coisas que guardamos na memória do coração. E só lembramos quando Deus nos visita em forma de cheiros...


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quarta-feira, 1 de março de 2017

AS CINZAS DA QUARTA FEIRA – O ANÚNCIO DA RESSURREIÇÃO

Na tradição Judaico-Cristã as cinzas se tratam de um símbolo de conversão. Há muitas narrativas bíblicas, principalmente do Antigo Testamento, que mostram as cinzas sendo usadas sobre a cabeça e/ou corpo em sinal e gesto de arrependimento. Na idade média, quando uma pessoa se aproximava do momento da morte, colocavam-na no chão deitada em cima de um saco com cinzas. O sacerdote ministrava o ritual, com água benta, proferindo as seguintes palavras: Lembra-te que és do pó e para o pó voltarás.
Segundo o calendário litúrgico cristão, na quarta feira de cinzas, após o carnaval, celebra-se esse mesmo gesto das cinzas, onde o ministro impõe sobre a cabeça dos fiéis um pouco de cinzas dizendo: Convertei-vos e credes no evangelho. Longe de ser um gesto de afirmação da morte a Quarta Feira de Cinzas, que antecede os 40 dias da quaresma, celebra o anúncio de uma experiência muito mais fundamental para a fé Crista: a ressurreição de Jesus e a nossa ressurreição. As cinzas, nesse sentido, se tornam o recordar de nossa finitude humana que, pela fé, é transfigurada na eternidade através da ressurreição. Ela nos coloca diante de nossa condição primordial terrena e divina, somos feitos de pó, mas também de céu...
Muitos povos, culturas e tradições humanas têm como orientação definitiva de sua experiência espiritual e teológica a ressurreição. O ser humano parece que nunca se contentou em considerar a morte como a última instância, a última palavra. O caminho da experiência humana não pode terminar com a morte... ou não seria tão perfeita assim a força criadora a qual se crê. Por isso, muitas dessas culturas criaram símbolos, mitologias ou teologias para tentar se aproximar desse profundo mistério que acompanha o ser humano desde que ele existe enquanto tal...
Na mitologia grega, por exemplo, Fênix (ϕοῖνιξ) é um pássaro que entrava em autocombustão ao terminar seu longo ciclo de vida. Do meio das cinzas que sobravam do seu ritual aparentemente suicida, o pássaro revivia - criança - para um novo ciclo de vida. De fato, para os gregos a essência do ser humano é a Alma. O corpo, por outro lado, como sugere o filósofo Sócrates/Platão, é uma espécie de prisão da alma. Portanto, a ressurreição, para os gregos, era uma experiência fundamentalmente da Alma. O corpo se torna pó e cinza, mas a alma continua. A fênix, apesar de ter morrido para seu antigo corpo, continua fênix, e renasce com um novo corpo.
O Cristianismo é mais radical quando se trata de ressurreição. Para o cristão a ressurreição não é uma experiência de separação entre Corpo e da Alma. O ser humano, segundo a teologia cristã, é uma unidade indivisível. Portanto, sua ressurreição é a transformação de sua totalidade e de sua unidade, formada por seu corpo e pela sua alma, inseparavelmente. A experiência humana mostra que quando se tenta separar uma coisa da outra, geralmente, se atribui um valor maior a uma delas enquanto se esvazia a importância da outra. A proposta da ressurreição cristã é profundamente humana porque valoriza o corpo e a alma, junta e inseparavelmente. O ser humano ressuscita por inteiro, corpo e alma. Mas isso nem sempre foi tão claro entre as correntes espiritualistas e teológicas no interior da cultura cristã. Também, foi motivo de escândalo para algumas culturas, como é o caso da cultura grega. Um ótimo exemplo é o belíssimo texto do livro dos Atos dos Apóstolos (At 17, 16-34), que narra o apóstolo Paulo pregando entre os Gregos de Atenas. No texto, em um primeiro momento, Paulo consegue uma boa aceitação, mas quando toca no assunto da ressurreição da carne, ao anunciar a experiência de Jesus e também de cada pessoa que nele crer, os Gregos desacreditaram, não entrava na cabeça deles. Por isso Paulo afirma que a ressurreição é escândalo.
E de fato é escândalo, sim. Como qualquer experiência espiritual, a ressurreição só é possível de ser experimentada e entendida absolutamente a partir da fé. Por isso, sabiamente, a liturgia cristã nos apresenta as cinzas. Ela é o sinal de que somos da mesma matéria do universo, mas também potencialmente divinizados pela ressurreição de Jesus como garantia da nossa ressurreição. Só que, para isso, é preciso uma vida de conversão. Etimologicamente, conversão é a transformação de uma coisa em outra. E isso já nos esclareceria tudo...

José Wilson Correa Garcia
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segunda-feira, 30 de janeiro de 2017

NOSSO MACHISMO DE CADA DIA

Há pouco tempo li uma postagem de alguém que achava estranho uma mulher trabalhando como frentista em postos de combustível. Aqui em Russas é uma novidade (?) relativamente recente. Ainda causa estranheza e, por vezes, desconforto a possibilidade de ver e aceitar mulheres trabalhando em lugares onde, suposta e tradicionalmente, a presença masculina sempre predominou. Porque disso ainda? Parece-me que o imaginário coletivo, androcêntrico e machista, ainda insiste em fazer distinção de valores e qualidades a partir da diferença de gênero. Será que a mulher ou o homem são piores ou melhores pelo falo serem homem e mulher? Do ponto de vista machista, sim! Pois bem, para contrapor essa teoria estúpida, segue o que aconteceu comigo.

Ontem o carro que andávamos ficou sem combustível, pois o marcador está com defeito. Para quem já viveu a experiência, sabe como é chato. Debaixo de chuva, nem se fala.

Cheguei no posto Ipiranga. Lá estavam trabalhando três frentistas: dois homens e uma mulher. Expliquei a situação e perguntei se não tinha um recipiente pra levar o combustível e abastecer o carro. Os dois homens foram taxativos. Não! Do lugar de onde eles estavam, sequer olharam pra mim direito. Foram práticos, objetivos, frios. Não tem e ponto final. Se fossem espertos mostrariam, pelo menos por questões profissionais, interesse em resolver o problema do cliente. Não e ponto.


Chateado e puto da vida, peguei o telefone para fazer umas ligações. Percebia que a frentista, mulher, ficou me observando tentando ligar para alguém trazer. Ela sai, entra na loja e volta com o galão e a mangueira. Percebi que estava no depósito, ela simplesmente foi buscar porque não estava sendo usado. Enchi de combustível, abasteci o carro e voltei ao posto para entregar. Agradeci a ela, como se fosse a única pessoa do mundo a ter me enxergado de verdade. Fiquei pensando que o machismo é, definitivamente, uma questão de ignorância. Não há lugar que não possa ser melhor com a presença das mulheres.
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