segunda-feira, 21 de julho de 2014

O ensino a qualquer custo e a falta de compromisso com a educação brasileira.

“O Plano Nacional de Educação - PNE foi aprovado praticamente por unanimidade por todos os partidos, e tanto nos programas de governo da candidata à Presidência da República Dilma Rousseff, como também dos candidatos Aécio Neves e Eduardo Campos, o PNE é quase totalmente marginalizado. Então, não existe um compromisso de fato em fazer com que o PNE seja um instrumento basilar da área de educação e da própria gestão pública como um todo”, adverte o cientista político.

Foto: criticabaixadasantista.blogspot.com.br
“O texto do Plano Nacional de Educação - PNE foi muito tímido perante as necessidades na área de educação (...) e é muito aquém das necessidades e daquilo que a sociedade brasileira precisava ter como base em um Plano Nacional de Educação”, avalia Daniel Cara, em entrevista à IHU On-Line, concedida por telefone.
O PNE (PL 8035/10), aprovado na Câmara dos Deputados no mês passado, estipula as metas educacionais para os próximos dez anos com o objetivo de melhorar os índices educacionais do país.

De acordo com Daniel Cara, alguns pontos acrescentados ao Plano pelos parlamentares são “contraditórios com o conjunto do texto”, como a permissão para parcerias público-privadas e a remuneração dos professores por resultados. “O problema é que remunerar os professores por cumprimento de metas relacionadas a testes padronizados acaba sendo uma medida contraproducente à qualidade da educação, a qual tem sido revogada mundo afora. Então, infelizmente, o Plano estimula no Brasil uma prática que já é ultrapassada em países mais desenvolvidos em termos educacionais”, critica.

Coordenador Geral da Campanha Nacional pelo Direito à Educação desde junho de 2006, Daniel Cara assinala que, entre as propostas do PNE, destaca-se a tentativa de universalizar, até 2016, o atendimento escolar para toda a população de 15 a 17 anos e elevar, até 2020, a taxa líquida de matrículas no ensino médio para 85%. Outra preocupação do Plano é em relação à redução das taxas de analfabetismo e analfabetismo funcional de 30 milhões de brasileiros, sendo destes pelo menos dois milhões de jovens. Segundo ele, o ensino brasileiro, sobretudo os anos finais do ensino fundamental, “que é exatamente a etapa anterior ao ensino médio, é de baixa qualidade. (...). Isso resulta em uma população que, quando ingressa na universidade, não tem a formação básica necessária para fazer um bom curso e depois se tornar um profissional pleno. Trata-se, portanto, de um prejuízo grande para o próprio desenvolvimento do país”.

Favorável à expansão do ensino superior no Brasil, ele é categórico: “não dá para expandir a educação superior a qualquer custo e em qualquer nível, é preciso expandir a educação superior com qualidade, e isso não é tão simples”. As melhorias e os investimentos devem ser feitos na educação superior pública, sugere, e reitera: “O ponto chave que precisa ser bastante providenciado é que Prouni e Fies devem ser tratados como medidas emergenciais, mas dificilmente se tornarão medidas emergenciais, porque têm grande impacto social. É claro que é melhor o acesso a alguma educação de ensino superior do que nenhuma, mas a qualidade dessa educação superior é muito baixa. A capacidade dessa educação superior com Prouni ou Fies em gerar, por exemplo, melhor empregabilidade ou conseguir romper as dificuldades econômicas brasileiras em áreas que são chave, é enorme, porque a formação é quase sempre pior do que a formação ofertada pelas escolas técnicas de nível médio.

Então, não vejo Prouni e Fies como a solução, nem como a principal política de expansão da educação superior, como tem sido tratado pelo governo. A principal política de expansão da educação superior tem de ser na educação pública superior; é essa que tem, tradicionalmente, mais qualidade”. A crítica se estende ainda à atuação do Ministério da Educação na fiscalização dos cursos nas universidades privadas, que foram amplamente expandidas em todo o país. “O Ministério da Educação regula um pouquinho as áreas que considera mais sensíveis, como a do Direito, da Medicina, mas, por exemplo, nos cursos de licenciaturas e Pedagogia, se vê que essa regulamentação não ocorre. Como resultado, percebemos que tem aumentado muito a quantidade de professores que não têm condições de dar aula.”

Daniel Cara também questiona o Programa Nacional de Acesso ao Ensino Técnico e Emprego - Pronatec, o carro-chefe do governo federal. “Do lado de educação técnica de nível médio, a perspectiva do plano é de enfrentamento à nova visão do Pronatec da presidente Dilma, que tem uma visão do ‘curso a qualquer custo’. Então, é oferecido qualquer curso para qualquer formação profissional, o qual não garante empregabilidade. (...)
O Pronatec traz muito retorno para o governo por conta da facilidade na criação de matrículas, pelo retorno de propaganda e, além disso, traz um retorno que faz parte do jogo político, que é o de financiamento de campanha, como o Prouni e o Fies também trazem”, enfatiza.

Daniel Cara é bacharel em Ciências Sociais e mestre em Ciência Política pela Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo - USP. É membro titular do Fórum Nacional de Educação e foi membro da direção da Campanha Global pela Educação entre janeiro de 2007 e fevereiro de 2011. Hoje é membro do Comitê Diretivo da Campanha Latino-Americana pelo Direito à Educação - Clade.


Fonte: IHU - UNISINOS.

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