sábado, 26 de julho de 2014

O CUIDADO COTIDIANO COM A VIDA

Estou construindo um canteiro em minha casa. Não que eu seja um experto em cultivo de qualquer planta que seja, mas tenho sentido necessidade de ter algumas aqui em casa... Há tanto cimento, que um pouco de verde, de flores tem feito falta. Parece que com a idade a gente vai entendendo que é preciso aprender a cuidar do mundo de uma forma mais concreta. Não estou falando das grandes causas ambientais, mas daquelas pequenas, cotidianas causas...

Dizem que tem gente que tem uma mão boa pra plantar, não sei se as minhas são boas pra isso, vamos ver... Mas tenho um amigo, Dedé, que é lindo de se ver como consegue produzir vida da terra com uma facilidade que encanta. As vezes fico o observando e percebo que o que faz as coisas da terra darem tanto fruto e ficarem tão lindas com ele é a regularidade cotidiana do cuidado que tem com suas plantinhas... É nos pequenos cuidados cotidianos que a vida nasce à sua volta.

Fiquei pensando que é assim também na vida. As vezes desejamos que tudo o que fazemos dê o fruto que queremos, na hora que queremos, da forma como queremos. Mas as regras da vida não necessariamente são as mesmas criadas pelos nossos critérios pessoais. Por isso a regularidade constante do cuidado cotidiano...

Na escola, por exemplo, não se pode esperar que o educando adquira o conhecimento que desejamos, como educadores, da forma e no tempo que esperamos... O processo de conhecimento se dá na regularidade cotidiana, não só a partir do conteúdo dentro de sala, mas também no exemplo e testemunho fora dela... Dizem que educamos mais pelo que fazemos do que pelo que falamos. E é a pura verdade! Também por isso a regularidade cotidiana do cuidado com que educamos...

Em uma relação a dois é a mesma coisa. Não se pode achar que se vai colher os melhores frutos de uma relação entre duas pessoas somente quando se celebra o dia do aniversário, o dia dos namorados, etc., enfim, aquelas datas que se comemoram uma vez por ano. Os melhores frutos de uma relação são colhidos nos pequenos cuidados cotidianos, dia a dia, sem pressas e expectativas desnecessárias. As vezes me pego recordando a vida de Gabi na minha vida e, por incrível que pareça, as lembranças e memórias mais lindas e que mais nos marcaram são aquelas repletas de simples e insignificantes cuidados cotidianos. São esses que frutificam a vida...

Com a fé é a mesma coisa. O tempo de Deus não é o mesmo que o nosso. Não posso achar que minhas orações e meus clamores serão atendidos se não sou capaz de cultivar o que desejo nos pequenos gestos de fé. Se desejo paz, que eu a construa todos os dias, nos pequenos gestos, nas pequenas coisas...

Isso tudo é um grande desafio, pois o tempo parece, cada vez mais, nos engolir com esse imediatismo opressor que marca nossas vidas neste mundo tão rápido e barulhento. Desejo que meu canteiro me ajude a ser um homem melhor, seja na escola, no lar ou na fé. Desejo que ele me lembre que é preciso ser paciente e cuidadoso com as pequenas e simples coisas da vida, ali onde a verdadeira felicidade é regada e colhida a seu tempo...

 

Por, José Wilson Correa Garcia.

 

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segunda-feira, 21 de julho de 2014

O ensino a qualquer custo e a falta de compromisso com a educação brasileira.

“O Plano Nacional de Educação - PNE foi aprovado praticamente por unanimidade por todos os partidos, e tanto nos programas de governo da candidata à Presidência da República Dilma Rousseff, como também dos candidatos Aécio Neves e Eduardo Campos, o PNE é quase totalmente marginalizado. Então, não existe um compromisso de fato em fazer com que o PNE seja um instrumento basilar da área de educação e da própria gestão pública como um todo”, adverte o cientista político.

Foto: criticabaixadasantista.blogspot.com.br
“O texto do Plano Nacional de Educação - PNE foi muito tímido perante as necessidades na área de educação (...) e é muito aquém das necessidades e daquilo que a sociedade brasileira precisava ter como base em um Plano Nacional de Educação”, avalia Daniel Cara, em entrevista à IHU On-Line, concedida por telefone.
O PNE (PL 8035/10), aprovado na Câmara dos Deputados no mês passado, estipula as metas educacionais para os próximos dez anos com o objetivo de melhorar os índices educacionais do país.

De acordo com Daniel Cara, alguns pontos acrescentados ao Plano pelos parlamentares são “contraditórios com o conjunto do texto”, como a permissão para parcerias público-privadas e a remuneração dos professores por resultados. “O problema é que remunerar os professores por cumprimento de metas relacionadas a testes padronizados acaba sendo uma medida contraproducente à qualidade da educação, a qual tem sido revogada mundo afora. Então, infelizmente, o Plano estimula no Brasil uma prática que já é ultrapassada em países mais desenvolvidos em termos educacionais”, critica.

Coordenador Geral da Campanha Nacional pelo Direito à Educação desde junho de 2006, Daniel Cara assinala que, entre as propostas do PNE, destaca-se a tentativa de universalizar, até 2016, o atendimento escolar para toda a população de 15 a 17 anos e elevar, até 2020, a taxa líquida de matrículas no ensino médio para 85%. Outra preocupação do Plano é em relação à redução das taxas de analfabetismo e analfabetismo funcional de 30 milhões de brasileiros, sendo destes pelo menos dois milhões de jovens. Segundo ele, o ensino brasileiro, sobretudo os anos finais do ensino fundamental, “que é exatamente a etapa anterior ao ensino médio, é de baixa qualidade. (...). Isso resulta em uma população que, quando ingressa na universidade, não tem a formação básica necessária para fazer um bom curso e depois se tornar um profissional pleno. Trata-se, portanto, de um prejuízo grande para o próprio desenvolvimento do país”.

Favorável à expansão do ensino superior no Brasil, ele é categórico: “não dá para expandir a educação superior a qualquer custo e em qualquer nível, é preciso expandir a educação superior com qualidade, e isso não é tão simples”. As melhorias e os investimentos devem ser feitos na educação superior pública, sugere, e reitera: “O ponto chave que precisa ser bastante providenciado é que Prouni e Fies devem ser tratados como medidas emergenciais, mas dificilmente se tornarão medidas emergenciais, porque têm grande impacto social. É claro que é melhor o acesso a alguma educação de ensino superior do que nenhuma, mas a qualidade dessa educação superior é muito baixa. A capacidade dessa educação superior com Prouni ou Fies em gerar, por exemplo, melhor empregabilidade ou conseguir romper as dificuldades econômicas brasileiras em áreas que são chave, é enorme, porque a formação é quase sempre pior do que a formação ofertada pelas escolas técnicas de nível médio.

Então, não vejo Prouni e Fies como a solução, nem como a principal política de expansão da educação superior, como tem sido tratado pelo governo. A principal política de expansão da educação superior tem de ser na educação pública superior; é essa que tem, tradicionalmente, mais qualidade”. A crítica se estende ainda à atuação do Ministério da Educação na fiscalização dos cursos nas universidades privadas, que foram amplamente expandidas em todo o país. “O Ministério da Educação regula um pouquinho as áreas que considera mais sensíveis, como a do Direito, da Medicina, mas, por exemplo, nos cursos de licenciaturas e Pedagogia, se vê que essa regulamentação não ocorre. Como resultado, percebemos que tem aumentado muito a quantidade de professores que não têm condições de dar aula.”

Daniel Cara também questiona o Programa Nacional de Acesso ao Ensino Técnico e Emprego - Pronatec, o carro-chefe do governo federal. “Do lado de educação técnica de nível médio, a perspectiva do plano é de enfrentamento à nova visão do Pronatec da presidente Dilma, que tem uma visão do ‘curso a qualquer custo’. Então, é oferecido qualquer curso para qualquer formação profissional, o qual não garante empregabilidade. (...)
O Pronatec traz muito retorno para o governo por conta da facilidade na criação de matrículas, pelo retorno de propaganda e, além disso, traz um retorno que faz parte do jogo político, que é o de financiamento de campanha, como o Prouni e o Fies também trazem”, enfatiza.

Daniel Cara é bacharel em Ciências Sociais e mestre em Ciência Política pela Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo - USP. É membro titular do Fórum Nacional de Educação e foi membro da direção da Campanha Global pela Educação entre janeiro de 2007 e fevereiro de 2011. Hoje é membro do Comitê Diretivo da Campanha Latino-Americana pelo Direito à Educação - Clade.


Fonte: IHU - UNISINOS.
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quarta-feira, 9 de julho de 2014

O REACIONARISMO POLÍTICO

Enfrentar o atual sistema político, que conserva fortes heranças da ditadura é algo que as forças de direita não aceitarão, em nenhuma hipótese.

OS ATAQUES do articulista da revista Veja, Rodrigo Constantino, detonando o Plebiscito Popular sobre uma Constituinte Exclusiva e Soberana do Sistema Político mostram o pavor que a direita tem desta proposta.

Quando a presidenta Dilma lançou a proposta de um Plebiscito legal que decidisse a convocação de uma Constituinte, o pensamento reacionário cerrou fileiras. O ministro do Supremo Tribunal Federal, Gilmar Mendes, porta-voz do pensamento de direita mediatamente afirmou: “Fui dormir na Espanha e acordei na Venezuela”. Foi a senha para que se desatassem discursos irados acusando o Plebiscito de “golpe”.

Os mesmos ataques grotescos ocorrem agora diante do Decreto Federal no 8.243 de 2014 que cria a Política de Participação Social. A iniciativa que estabelece limitados mecanismos para acompanhar a formulação, a execução, o monitoramento e a avaliação de programas de políticas públicas, também foi chamada de “golpe bolivariano” por parlamentares e articulistas da revista Veja.

Qualquer iniciativa para ampliar a democracia desperta um verdadeiro pânico no pensamento de direita. Tocar no sistema político é o mais grave dos pecados.

A direita sabe que o descontentamento com a falência do atual sistema político esteve presente nos milhares de pequenos cartazes, palavras de ordem e pichações das manifestações de junho de 2013. Sabe que uma palavra de ordem como a Constituinte Soberana do Sistema Política pode ganhar força e se tornar uma ameaça real ao seu poder.

Para tanto, utiliza a tese de que a bandeira da Constituinte é um mero jogo do PT para manter-se no governo. Ou, nas suas palavras, “servir ao projeto do PT”. Ignoram, propositalmente que a campanha é muito mais ampla e que congrega a maior parte das forças de esquerda.

Ignoram o apoio da candidata à presidência do PSOL, Luciana Genro, da deputada Luiza Erundina do PSB, de inúmeros artistas e intelectuais. Jamais mencionam que a campanha já envolve as principais organizações sociais brasileiras, reunindo mais de 240 movimentos sociais. Querem, claramente, impedir que a juventude disposta a lutar não se aproprie de uma bandeira política.

Até aceitam a pauta das lutas econômicas, sem atendê-las evidentemente, mas propor uma luta política é um limite que consideram inaceitável. Recordemos o ensinamento de Florestan Fernandes: “Para osv que possa ser realizado por dentro da ordem, por meio do Estado e de cima para baixo. Trata-se de algo contra o que o movimento burguês tem lutado tenazmente, do Estado Novo à ‘democracia populista’ e à República institucional. O polo burguês repele a plebeização da ordem existente porque ela surge como revolução democrática, põe o país diante da única forma política de democracia compatível com as chocantes realidades da sociedade brasileira. Em consequência, cabe ao polo plebeu – subproletário, proletário e em parte pequeno burguês – soldar novas alianças de classes que nos afastem definitivamente dos pactos de conteúdo e implicações elitistas. A história atual lhe pertence, pois ele é a única garantia com que contamos de que a revolução democrática está em marcha”.

Enfrentar o atual sistema político, que conserva fortes heranças da ditadura é algo que as forças de direita não aceitarão, em nenhuma hipótese. Exatamente por isso, a campanha do Plebiscito Popular da Constituinte é a iniciativa política mais ousada dos movimentos sociais desde a palavra de ordem “Diretas já”. Para alguns, ousada até demais.

Não será fácil construir essa campanha. A bandeira da Constituinte toca no coração do poder, no centro de um sistema político que assegura o controle da classe dominante. À medida em que a campanha crescer, maiores serão os ataques. Os lutadores populares devem se preparar para uma luta árdua. Para todo tipo de ataque que os Reinaldo Azevedo, Jabor e companhia bradarão histericamente.

Sem enfrentar um sistema político no qual os grandes grupos econômicos ampliam suas bancadas a cada eleição, no qual a mais tímida das iniciativas políticas é soterrada e a alegação da correlação de forças desfavorável trava qualquer intento popular, estaremos condenados a um cenário em que mesmo quando conquistamos vitórias eleitorais somos empurrados para a lógica do recuo.

Diferente de outras campanhas decisivas como a luta contra a Alca, desta vez estamos discutindo diretamente o poder. E a história nos mostra que nesse ponto a classe dominante não vacila.

In.: Brasil de Fato. Editorial da edição 593 do Jornal Brasil de Fato.

 

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terça-feira, 8 de julho de 2014

Quando Jerusalém em 2014 faz lembrar Berlim em 1933

Os velhos jornais no Ocidente não terão coragem de publicar essa matéria. Críticas muito duras ao governo israelense vêm da própria imprensa liberal do país. Precisam ser conhecidas, para que setores interessados em paz e justiça no Oriente Médio saibam que podem encontrar apoio em importantes setores da sociedade israelense. Talvez estejam ainda apáticos, por se sentirem isolados em meio à manada que segue a propaganda oficial e a mídia, hegemonizada pelos setores mais sectários (o diário Haaretz, onde foi publicado o texto a seguir tem 10% dos leitores; os demais jornais são controlados por magnatas estrangeiros da mídia conservadora).

Jornalista israelense escreve: cenários não são iguais, mas surto de ódio antipalestino estimulado por Telaviv envergonha história judaica.

O artigo faz analogias entre o ambiente de histeria em Israel, estimulado de forma oportunista por políticos da direita, e o que a Alemanha respirou, nos estágios iniciais do nazista. A publicação de artigos como esse em Israel, embora chocantes, pode ser vista com esperança de que setores existentes na própria sociedade israelense poderão, um dia, virar o jogo. Mas isso só ocorrerá se houver também forte pressão internacional.

Trata-se de salvar Israel do fascismo, do isolamento internacional, e de estabelecer entre este país e os palestinos bases para um futuro de paz e boa vizinhança, única forma de ambos escaparem da tragédia humanitária que avança no Oriente Médio. (Sérgio Storch)

Em 9 de março de 1933, os paramilitares camisas-marrons da SA nazista lançaram uma ofensiva. “Em diversas partes de Berlim, um grande número de pessoas, a maioria das quais aparentemente judias, foi atacado abertamente nas ruas e golpeado. Algumas foram feridas gravemente. A polícia pode apenas recolhê-las e levá-las ao hospital”, relatou o jornal londrino The Guardian. “Os judeus foram espancados pelos camisas-marrons até sangrar nas faces e cabeças”, prosseguiu o jornal. “Diante de meus olhos, paramilitares, babando como bestas histéricas, perseguiram um homem em plena luz do dia e o chicoteavam”, escreveu Walter Gyssling, no jornal.

Sei que você ultrajou-se antes mesmo de chegar ao final do parágrafo anterior. “Como ele ousa comparar incidentes isolados em Israel com a Alemanha nazista?”, você está pensando. “Isso é uma banalização ofensiva do Holocausto”.

É claro que você tem razão. Minha intenção não é traçar um paralelo. Meus pais perderam, ambos, suas famílias, durante a II Guerra Mundial. Não preciso ser convencido de que o Holocausto é um crime tão único que figura de modo destacado, mesmo nos anais de outros genocídios premeditados.

Mas sou um judeu e há cenas no Holocausto que estão gravadas indelevelmente em minha mente, ainda que não estivesse vivo à época. Quando assisti vídeos e vi imagens de gangues de judeus racistas de direita marchando pelas ruas de Jerusalém, cantando “Morte aos Árabes”, caçando árabes aleatoriamente, identificando-os por sua aparência ou sotaque, perseguindo-os em plena luz do dia, “babando como bestas histéricas” e golpeando-os antes que a polícia pudesse chegar, a associação histórica foi automática. Foi o que primeiro saltou à mente. Deveria ser, penso, a primeira coisa a saltar à mente de qualquer judeu.

Israelenses queimam a bandeira palestina e gritar slogans racistas durante um protesto anti-palestino em Gush Etzion.

Não é preciso dizer que Israel de 2014 não é “O Jardim das Bestas”, expressão que Erik Larson usou para descrever, em seu livro, a Alemanha de 1933. O governo de Telaviv não é tolerante com o vigilantismo ou os gângsters, como foram os nazistas por algum tempo, antes que os alemães começassem a se queixar de desordem nas ruas e dos danos à reputação internacional de Berlim. Não tenho duvidas de que a polícia fará todo o possível para prender os assassinos do garoto palestino cujo corpo calcinado foi encontrado numa floresta de Jerusalém. Até rezo para descobrirem que o assassinato não foi um crime de ódio [Em 6/7, a polícia israelense prendeu, de fato, pessoas – judeus ortodoxos de extrema-direita – que confessaram a autoria do crime, evidentemente motivado por ódio e racismo (Nota da Tradução)].

Mas não nos enganemos. As gangues de valentões judeus promovendo caçadas humanas não são uma aberração. Não foi um acesso incontrolável e único de raiva, que se seguiu à descoberta dos corpos de três estudantes sequestrados. Seu ódio inflamado não existe num vácuo. É uma presença marcante, que cresce a cada dia, engolfando setores cada vez mais amplos da sociedade israelense, alimentada num ambiente de ressentimento, isolamento e auto-vitimização, impulsionado por políticos e “especialistas” – alguns cínicos, outros sinceros – que se cansaram da democracia e suas brechas e que anseiam por ver a imagem de Israel associada a um único Estado, uma única nação e, em algum ponto desta espiral descendente, um único Líder.

Em apenas 24 horas, uma página do Facebook convocando “revanche” pelos assassinatos dos três garotos sequestrados recebeu dezenas de milhares de “curtidas”, e encheu-se de centenas de apelos explícitos para matar árabes, onde quer que estejam. Outra página, pedindo a execução de “extremistas de esquerda”, alcançou quase dez mil “likes”, em dois dias. Além disso, inúmeros textos na web e nas mídias sociais estão inundados de comentários dos leitores vomitando o pior tipo de bile racista e pedindo morte, destruição e genocídio.

Estes sentimentos foram ecoados nos últimos dias, ainda que em termos um pouco mais velados, por membros do Knesset [o Parlamento israelense], que citam versos da Torah sobre o Deus da Vingança e seu ordem de extermínio dos amalequitas. David Rubin, que descreve a si mesmo como ex-prefeito de Shiloh, foi mais explícito: em um artigo publicado no Israel Ntional News, ele escreveu: “Um inimigo é um inimigo e a única maneira de vencer esta guerra é destruir o inimigo, sem levar excessivamente em conta quem é soldado e quem é civil. Nós, judeus, atiraremos primeiro nossas bombas sobre alvos militares, mas não há, em absoluto, necessidade de nos sentirmos culpados por arruinarmos as vidas, matarmos ou ferirmos civis inimigos que são, quase sempre, apoiadores do Fatah ou do Hamas”.

Pairando sobre tudo isso estão o primeiro-ministro Benjamin Netanyahu e seu governo, que insistem em descrever o conflito com os palestinos em tons rudes de “preto e branco”, “bem contra o mal”; que descrevem os adversários de Israel como incorrigíveis e irredimíveis; que nunca demonstraram o mínimo sinal de empatia ou compreensão, diante das reivindicações de um povo que vive sob ocupação israelense por meio século; que fazem pronunciamentos voltados para desumanizar os palestinos aos olhos do público israelense; que perpetuam o sentimento público de isolamento e injustiça; e que, portanto, estão abrindo caminho para ondas de ódio homicida que começaram a emergir.

Algumas pessoas ensaiarão um paralelo entre a terrível violência de direita que varreu Israel depois dos Acordos de Oslo e a maré crescente de racismo. Em ambas, está implicado o premiê Netanyahu. De seus discursos virulentos na Praça Sion contra o governo da época ao assassinato de Yitzhak Rabin, à época; e de sua retórica antipalestina áspera à explosão horrível de racismo hoje.

Mas é uma resposta fácil demais. Não basta culpar Netanyahu, sem questionar o resto de nós, Judeus em Israel ou na Diáspora, os que fecham os olhos e os que desviam o olhar, os que retrata os palestinos como monstros desumanos e os que veem qualquer autocrítica como um ato de traição judaica.

A comparação certamente é válida: a máxima de Edmund Burke – “Para o triunfo [do mal], basta que os homens bons nada façam” – era correta em Berlim no início dos anos 1930 e permanece verdadeira em Israel. Se nada for feito para reverter a maré, o mal certamente triunfará – e não será preciso esperar muito.

CHEMI SHALEV
ON 07/07/2014CATEGORIAS: CAPA, GEOPOLÍTICA, MUNDO

In.: OUTRAS PALAVRAS.

Chemi Shalev

Jornalista israelense, nascido em 1953. Atua como correspondente e editor, nos Estados Unidos, do jornal Haaretz -- tanto em hebreu quanto em inglês. Publica um blog em inglês intitulado West of Eden, que trata das relações entre EUA e Israel.

 

 

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domingo, 6 de julho de 2014

A memória sexual: base biológica da sexualidade humana.

Para compreendermos em profundidade a sexualidade humana, precisamos entender que ela não existe isolada, mas representa um momento de um processo maior: o biogênico.

A nova cosmologia nos habituou a considerar cada realidade singular dentro do todo que vem sendo urdido já há 13,7 bilhões de anos e a vida há 3,8 bilhões de anos. As realidades singulares (elementos físico-químicos, microorganismos, rochas, plantas, animais e seres humanos) não se juxtapõem mas se entrelaçam em redes interconectadas constituindo uma totalidade sistêmica, complexa e diversa.

Assim, a sexualidade emergiu há um bilhão de anos como um momento avançado da vida. Depois da decifração do código genético por Crick e Dawson nos anos 50 do século passado. sabemos hoje comprovadamente que vigora a unidade da cadeia da vida: bactérias, fungos, plantas, animais e humanos somos todos irmãos e irmãs porque descendemos de uma única forma originária de vida. Temos, por exemplo, 2.758 genes iguais aos da mosca e 2.031 idênticos aos do verme.

Esse dado se explica pelo fato de que todos, sem exceção, somos construídos a partir de 20 proteinas básicas combinadas com quatro ácidos nucleicos (adenina, timina, citosina e guanina). Todos descendemos de um antepassado ancestral comum, originando a ramificação progressiva da árvore da vida. Cada célula de nosso corpo, mesmo a mais epidérmica, contém a informação básica de toda vida que conhecemos. Há, pois, uma memória biológica inscrita no código genético de todo organismo vivo.

Assim como existe a memória genética, existe também a memória sexual que se faz presente na nossa sexualidade humana. Consideremos alguns passos desse complexo processo. O antepassado comum de todos os seres vivos foi, muito provavelmente, uma bactéria, tecnicamente chamada de procarionte que significa um organismo unicelular, sem núcleo e com uma organização interna rudimentar. Ao se multiplicar rapidamente por divisão celular (denominada mitose: uma célula-mãe se divide em duas células-filhas idênticas) surgiram colônias de bactérias. Reinaram, sozinhas, durante quase dois bilhões de anos. Teoricamente a reprodução por mitose confere imortalidade às células, pois seus descendentes são idênticos, sem mutações genéticas.

Por volta de dois bilhões de anos atrás, ocorreu um importante fenômeno para a posterior evolução, somente suplantado pelo surgimento da própria vida: a irrupção de uma célula com membrana e dois núcleos. Dentro deles se encontram os cromossomos (material genético) nos quais o DNA se combina com proteinas especiais. Tecnicamente é chamada de eucarionte ou também célula diplóide, isto é, célula com núcleo duplo.

A importância desta célula binucleada reside no fato de nela se encontrar a origem do sexo. Em sua forma mais primitiva, o sexo significava a troca de núcleos inteiros entre células binucleadas, chegando a fusão em um único núcleo diplóide, contendo todos os cromossomos em pares. Até aqui as células se multiplicavam sozinhas por mitose (divisão) perpetuando o mesmo genoma. A forma eucariota de sexo, que se dá pelo encontro de duas células diferentes, permite uma troca fantástica de informações contidas nos respectivos núcleos. Isso origina uma enorme biodiversidade.

Surge, pois, um novo ser vivo, a célula que se reproduz sexualmente a partir do encontro com outra célula. Tal fato já aponta para o sentido profundo de toda sexualidade: a troca que enriquece e a fusão que cria pradoxalmente a diversidade. Esse proceso envolve imperfeições, inexistente na mitose. Mas favorece mutações, adaptações e novas formas de vida.

A sexualidade revela a presença da simbiose (composição de diferentes elementos) que, junto com a seleção natural, representa a força mais importante da evolução.

Tal fato vem carregado de consequências filosóficas. A vida é tecida de cooperação, de trocas, de simbioses, muito mais do que de luta competitiva pela sobrevivência. A evolução chegou até o estágio atual graças à essa lógica cooperativa entre todos.

Deixando de lado muitos outros dados fundamentais e indo diretamente à sexualidade humana devemos reconhecer que ela está embasada num bilhão de anos de sexogênese. Mas possui algo singular: o instinto se transforma em liberdade, a sexualidade desabrocha no amor. A sexualidade humana não está sujeita ao ritmo biológico da reprodução. O ser humano se encontra sempre disponível para a relação sexual, porque esta não se ordena apenas à reprodução da espécie mas também e principalmente à manifestação do afeto entre os parceiros. O amor reorienta a lógica natural da sexualidade como instinto de reprodução; o amor faz com que a sexualidade se descentre de si para se concentrar no outro. O amor torna os parceiros preciosos uns para os outros, únicos no universo, fonte de admiração, de enamoramento e de paixão. É por causa dessa aura que o amor se revela como o âmbito da suprema realização e felicidade humana ou, no seu fracasso, da infelicidade e da guerra dos sexos.

O ser humano precisa aprender a combinr instinto e amor. Sente em si, necessidade de amar e de ser amado. Não por imposição, mas por liberdade e espontaneidade. Sem essa liberdade de quem dá e de quem recebe, não existe amor. É a liberdade e a capacidade de amorização que constroem as formas de amor que humanizam o ser humano e lhe abrem perspectivas espirituais ultrapassando em muito as demandas do instinto.

Leonardo Boff escreveu com Rose Marie Muraro, recém falecida, Feminino-masculino: um novo paradigma para uma nova relação, Record 2010. Esse artigo é pensandoem sua homenagem pois com ela trabalhei mais de vinte anos.

In.: Leonardo Boff

 

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