segunda-feira, 16 de dezembro de 2013

HOMOSSEXUALIDADE EM DEBATE: a dialética moral.



Recentemente tivemos uma palestra em nossa escola sobre o tema da homosexualidade, promovida pela Associação Russana da Diversidade Humana e pela Secretaria Estadual de Políticas públicas para o público LGBTT (Gays, Lésbicas, Bissexuais, Travestis e Transexuais). A palestra aconteceu por ocasião da realização da quarta parada regional pela diversidade humana. Evidentemente, é um tema e um evento que causam muitas reações e debates polêmicos nos diversos espaços da sociedade. Em todo lugar é assim, de um lado o público LGBTT e simpatizantes das causas trazidas pelo movimento e do outro lado os opositores, defensores de uma moral que vê a homossexualidade como um erro ou um mal. Essa oposição dialética existe porque, aparentemente, há sempre no meio das polêmicas dois discursos opostos que tentam se afirmar como verdadeiros. É preciso, no entanto, entender e separar bem esses dois discursos implícitos nas polêmicas que giram em torno do tema da homossexualidade, para, a partir daí, perceber que são duas formas de compreensão e discursos que não podem e não devem ser "misturados"...


Fundamentalmente, diria que há um discurso CIVIL e outro MORAL. O discurso moral nos faz olhar para a homossexualidade do ponto de vista do certo ou do errado. Já o discurso civil nos impele a olhar o tema a partir do ponto de vista dos direitos. Como eles se misturam e se contrapõem a ponto de gerar tantas divisões e, em alguns casos, a ponto de causar tantas agressões? Aprofundemos, como exemplo, a polêmica questão do, erroneamente chamado, "casamento gay"...

O ser humano é naturalmente lançado para a relação interpessoal, seja lá de que forma essa relação se manifeste. Aristóteles já dizia que o homem (antropos) é naturalmente político, naturalmente social e sociável. Historicamente, a necessidade de sociabilidade foi sendo cultural e diversamente construída. E não foi diferente no âmbito da cultura ocidental em que vivemos e habitamos, profundamente marcada pelo cristianismo e, consequentemente, por seu ethos (conjunto de valores morais). É por isso que a compreensão de união construída na cultura ocidental está fundamentada sob o conceito de "casamento", elaborado pela moral judaico cristã. E enquanto instituição moral judaico cristã o casamento é uma expressão de união fundamentalmente heterossexual. Exatamente por isso, particularmente, penso que o chamado "casamento gay" é incoerente e desrespeitoso com os próprios homossexuais...

Porém, há um outro aspecto da expressão humana de união que, na proposta desta reflexão, parece apontar para além da compreensão moral, que é o de união civil. Nesta, qualquer cidadão ou cidadã ao se unir com um outro ou outra garante para si determinados direitos civis, como a partilha de bens, entre outros... E é a partir desta compreensão civil de união que o público homossexual reivindica para si o direito de união. Porém, como foi dito, essa dialética compreensão nem sempre é tão claramente distinta, principalmente porque a própria compreensão de direito civil está fundamentada na compreensão de direito natural, onde o ser humano é considerado natural e biologicamente homem e mulher, e o debate se aprofunda mais, porque toca na própria essência da compreensão do conceito de "humano"...

O que é ser "humano"? É possível uma resposta que não reduza o ser humano a apenas um aspecto, seja ele biológico, social,  moral ou religioso? Mais ainda: é possível uma resposta que não implique confusamente os diversos aspectos? Acreditamos que sim, principalmente se reconhecermos que cada aspecto tem seu limite, exatamente porque o que parece definir essencialmente o ser humano é mais do que o que o reduz ao puramente biológico, social, moral ou religioso... Porque, no fim das contas, somos mais do que aquilo que tenta nos definir.

Voltemos a questão da homossexualidade. Para além das definições biológica, social, religiosa e moralmente construídas a pessoa com orientação homossexual sempre estará para além daquilo que tente a definir, exatamente porque, antes de ser homossexual, ela é humana. A afirmação moral religiosa que está por trás da argumentação de que a homossexualidade é biologicamente errada e incoerente, é tanto limitada quanto a afirmação de que a homossexualidade é natural ou biologicamente adquirida. As duas concepções tem seus limites (porque são reducionistas) e esses devem ser reconhecidos quando se dispõe a refletir, dialogar e debater sobre o assunto... Foi o que parece ter feito o Papa Francisco, líder espiritual da maior instituição religiosa/moral do mundo, ao afirmar que a Igreja não deve "interferir espiritualmente" na vida das pessoas de orientação homossexual. Ele reconheceu que, apesar de moralmente contra, a Igreja deve assumir seu limite e, assumindo seu limite, ser o que define sua essência: testemunhar e anunciar o amor a toda pessoa humana.

Particularmente, como cristão, é exatamente isso que penso e nisso que acredito. Tenho muitos amigos e conhecidos de orientação homossexual. Penso que não preciso concordar com suas orientações para amá-los. O que posso fazer é reconhecer meu limite em compreender profundamente as razões das diversas manifestações de sua humanidade. E, mesmo assim... e, talvez por isso mesmo, acolher o misterioso sentido da existência da vida humana que é maior do que nós mesmos.


José Wilson Correa Garcia é blogueiro e educador.
Leia mais...

quinta-feira, 5 de dezembro de 2013

A ESPERANÇA POLÍTICA DO ADVENTO

Não há maior incoerência entre os cristãos de hoje do que pertencer a uma religião que não o faz olhar para as injustiças e desigualdades da sociedade em que se vive. Mais ainda, é anacrônico pensar que posso viver uma experiência de fé tão pessoal sem me comprometer com a construção de um mundo melhor, de um país melhor, de uma cidade melhor, de um bairro melhor, de uma família melhor... Exatamente por isso, a fé é uma opção Política, no sentido verdadeiramente grego (penso que não preciso esclarecer seu sentido verdadeiro, suponho que o bom entendedor já o consiga fazê-lo, caso contrário não precisa continuar lendo). E mesmo sem conhecer os gregos, Jesus de Nazaré, seu projeto de vida e sua missão partem de uma experiência fundamentalmente de fé-comprometida e, por isso mesmo, Política.
Há muitas inspirações bíblicas que afirmam isso, entre elas a pergunta desconcertante presente na Carta de Tiago: “...se alguém diz que tem fé, mas não tem obras, do que adianta isso?” A vida do próprio Jesus pode nos ajudar a esclarecer o sentido verdadeiro daquilo que constantemente é chamado e narrado pelos textos bíblicos como “obras”. Sim, Jesus poderia somente curar feridas e doenças, somente oferecer acolhida a quem não tinha nada, poderia somente distribuir bens aos muitos pobres e miseráveis de seu tempo, mas ele foi além disso... Suas obras são marcadas por uma opção Política. O leproso curado é convidado a se apresentar àquelas instituições e àqueles que o afirmavam como socialmente impuro. À “pecadora” perdoada é devolvida a dignidade como mulher, esquecida pela cultura machista e pré-conceituosa. E tantos outros exemplos...
Para Jesus cada situação de “pecado”, dor e sofrimento escondiam uma raiz muito mais profunda: a injusta e a desigualdade. Raiz que não era possível ser extirpada definitivamente somente com a boa vontade de “obras” paliativas, ou como diria hoje, de “obras” assistencialistas. De que adiantaria perdoar a “pecadora” sem denunciar o falso moralismo religioso e social que gera e multiplica o verdadeiro pecado no mundo? De que adiantaria dar esmola sem lutar por uma sociedade onde não houvesse necessidade de se pedir para viver. É nesse sentido que uma religião, uma fé e uma experiência de Deus que não me torna politicamente comprometido, é morta, vazia e se converte em adereço, em enfeite. Por isso, Jesus foi a chegada de um novo tempo marcado pela esperança, construtora da Justiça e da Igualdade, contra toda injustiça e desigualdade política (social e religiosa). Jesus foi uma novidade, um adventus, palavra latina que significa “chegada”, “chegar a”...
O ano do calendário litúrgico cristão começa com o Tempo do Advento, exatamente as quatro semanas (representadas na simbologia das quatro velas) que antecedem o período natalino. Para muitos é um tempo de alegria assistencialista, seja por causa dos presentes na árvore de natal, seja por causa da presença e imagem da criancinha branca de olhos azuis no presépio. Para poucos, o Advento é um momento para se renovar a esperança política... por que, mesmo contra toda desesperança (no mundo, no Brasil, na cidade, no bairro e na família) Deus, ainda, insiste em revelar seu filho como fonte e anúncio da Justiça e da Igualdade, que supõe denúncia contra toda injustiça e desigualdade...

José Wilson Correa Garcia, blogueiro e educador.
Leia mais...