domingo, 19 de agosto de 2012

VERDADE


Porque a verdade é sempre dura?
Porque expressá-la
de forma pessoal, clara e sincera
incomoda tanto?

A Verdade!
Ela só pode ser o que diz,
aquilo que é pessoalmente óbvio.
Claro, de um pondo de vista realmente particular.

Nela não há fantasias,
não há projeções,
não há ilusões.
Há, talvez, um pouco de Paixão.
E talvez esta seja necessária.
Quem sabe a própria verdade
só seja possível com Paixão!?

Toda Verdade deve ser respeitada
seja lá qual for seu peso,
seja lá qual for sua força,
seja lá qual for sua verdade.
Ela pode parecer vergonhosa
talvez por revelar o óbvio
encarcerado em nossas consciências.

Consciência corrompida,
oprimida, limitada, convidada.

Sim, a Verdade é um convite.
Convite à liberdade.

Liberdade da Consciência.
Liberdade do Coração.
Liberdade da Alma.

Ela dói tanto para quem ouve,
quanto para quem fala.
Talvez por que nenhum dos dois
sejam donos dela.
A Verdade é uma realidade Revelada
que não nos pertence.
Talvez por isso doa tanto.

José Wilson
Belo Horizonte,
outono de 2006.
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domingo, 12 de agosto de 2012

Martin Heidegger: O Caminho do Campo

 No primeiro dia de aula, quero refletir com meus estudantes este texto de Martin Heidegger, filósofo Alemão, contemporâneo desde nosso tempo de transformações. É um texto profundo - que exige uma leitura apurada, ruminada, constante - a cerca do Conhecimento. Mais do que um ato de formalidades e trasmição de conteúdos, o Conhecimento deve ser uma experiência vivida...
Eis o texto!
      Do portão do jardim do Castelo estende-se até as planícies úmidas do Ehnried. Sobre o muro, as velhas tílias do jardim acompanham-no com o olhar, estenda ele, pelo tempo da Páscoa, seu claro traço entre as sementeiras que nascem e as campinas que despertam, ou desapareça, pelo Natal, atrás da primeira colina, sob turbilhões de neve. Próximo da cruz do campo, dobra em busca da floresta. Saúda, de passagem, à sua orla, o alto carvalho que abriga um banco esquadrado na madeira crua.
      Nele repousava, as vezes, este ou aquele texto dos grandes pensadores, que um jovem desajeitado procurava decifrar. Quando os enigmas se acotovelavam e nenhuma saída se anunciava, o caminho do campo oferecia boa ajuda: silenciosamente acompanha nossos passos pela sinuosa vereda, através da amplidão da terra agreste.
      O pensamento sempre de novo as voltas com os mesmos textos ou com seus próprios problemas, retorna à vereda que o caminho estira através da campina.
      Sob os pés, ele permanece tão próximo daquele que pensa quanto do camponês que de madrugada caminha para a ceifa.
      Mais freqüente com o correr dos anos, o carvalho à beira do caminho leva a lembrança aos jogos da infância e as primeiras escolhas. Quando, as vezes, no coração da floresta tombava um carvalho sob os golpes do machado, meu pai logo partia, atravessando a mataria e as clareiras ensolaradas, à procura do estéreo de madeira destinado à sua oficina. Era lá que trabalhava solícito e concentrado, nos intervalos de sua ocupação junto ao relógio do campanário e aos sinos, que, um e outros, mantêm relação própria com o tempo e a temporalidade.
      Os meninos, porém, recortavam seus navios na casca do carvalho. Equipados de banco para o remador e de timão, flutuavam os barcos no Mettenbach ou no lago da escola. Nesses folguedos, as grandes travessias atingiam facilmente seu termo e facilmente recobravam o porto. A dimensão de seu sonho era protegida por um halo, apenas discernível, pairando sobre todas as coisas. O espaço aberto era-lhe limitado pelos olhos e pelas mãos da mãe. Tudo se passava como se sua discreta solicitude velasse sobre todos os seres.
      Essas travessias de brinquedos nada podiam saber das expedições em cujo curso todas as margens ficam para trás. Entrementes, a consistência e o odor do carvalho começavam a falar, já perceptivelmente, da lentidão e da constância com que a árvore cresce. O carvalho mesmo assegurava que só semelhante crescer pode fundar o que dura e frutifica; que crescer significa: abrir-se à amplidão dos céus, mas também deitar raízes na obscuridade da terra; que tudo o que é verdadeiro e autêntico somente chega à maturidade se o homem for simultaneamente ambas as coisas: disponível ao apelo do mais alto céu e abrigado pela proteção da terra que oculta e produz.
      Isto o carvalho repete sempre ao caminho do campo, que diante dele corre seguro de seu destino. O caminho recolhe aquilo que tem seu ser em torno dele; e dá a cada um dos que o percorrem aquilo que é seu. Os mesmos 2 campos, as mesmas encostas da colina escoltam o caminho em cada estação, próximos dele com proximidade sempre nova. Quer a cordilheira dos Alpes acima das florestas se esbata no crepúsculo da tarde, quer de onde o caminho ondeia entre os outeiros, a cotovia de manhã se lance ao céu de verão, quer o vento leste sopre a tempestade do lado em que jaz a aldeia natal da mãe, quer o lenhador carregue, ao cair da noite, seu feixe de gravetos para a lareira, quer o carro da colheita se arraste em direção ao celeiro, oscilando pelos sulcos do caminho, quer apanhem as crianças as primeiras primaveras na ourela do prado, quer passeie a neblina ao longo do dia sua sombria massa sobre o vale, sempre e de todos os lados fala, em torno do caminho do campo, o apelo do Mesmo.
      O Simples guarda o enigma do que permanece e do que e grande. Visita os homens inesperadamente, mas carece de longo tempo para crescer e amadurecer. O dom que dispensa está escondido na inaparência do que é sempre o Mesmo. As coisas que amadurecem e se demoram em torno do caminho, em sua amplitude e em sua plenitude dão o mundo. Como diz o velho mestre Eckhart, junto a quem aprendemos a ler e a viver, é naquilo que sua linguagem não diz que Deus e verdadeiramente Deus.
      Todavia, o apelo do caminho do campo fala apenas enquanto homens nascidos no ar que o cerca forem capazes de ouvi-lo. São servos de sua origem, não escravos do artifício.
      Em vão o homem através de planejamentos procura instaurar uma ordenação no globo terrestre, se não for disponível ao apelo do caminho do campo. O perigo ameaça, que o homem de hoje não possa ouvir sua linguagem. Em seus ouvidos retumba o fragor das máquinas que chega a tomar pela voz de Deus. Assim o homem se dispersa e se torna errante. Aos desatentos o Simples parece uniforme. A uniformidade entedia. Os entediados só vêem monotonia a seu redor. O Simples desvaneceu-se. Sua força silenciosa esgotou-se.
      O número dos que ainda conhecem o Simples como um bem que conquistaram, diminui, não há dúvida, rapidamente. Esses poucos, porém, serão, em toda a parte, os que permanecem. Graças ao tranqüilo poder do caminho do campo, poderão sobreviver um dia às forças gigantescas da energia atômica, que o cálculo e a sutileza do homem engendraram para com ela entravar sua própria obra.
      O apelo do caminho do campo desperta um sentido que ama o espaço livre e que, em momento oportuno, transfigura a própria aflição na serenidade derradeira. Esta opõe-se à desordem do trabalho pelo trabalho: procurado apenas por si o trabalho promove aquilo que nadifica.
      Do caminho do campo ergue-se, no ar variável com as estações, uma serenidade que sabe, e cuja face parece muitas vezes melancólica.
      Esta gaia ciência é uma sageza sutil. Ninguém a obtém sem que já a possua. Os que a têm, receberam-na do caminho do campo. Em sua senda cruzam-se a tormenta do inverno e o dia da messe, a irrupção turbulenta da primavera e o ocaso tranqüilo do outono; a alegria da juventude e a sabedoria da maturidade nela surpreendem-se mutuamente. Tudo, porém, se insere placidamente numa única harmonia, cujo eco o caminho do campo em seu silêncio leva de um para outro lado.
      A serenidade que sabe é uma porta abrindo para o eterno. Seus batentes giram nos gonzos que um hábil ferreiro forjou um dia com os enigmas da existência.
      Das baixas planícies do Ehnried, o caminho retorna ao jardim do Castelo. Galgando a última colina sua estreita faixa transpõe uma depressão e chega 3 ás muralhas da cidade. Uma vaga luminosidade desce das estrelas e se espraia sobre as coisas. Atrás do castelo alteia-se a torre da igreja de São Martinho. Vagarosamente, quase hesitantes, soam as badaladas das onze horas, desfazendo-se no ar noturno. O velho sino, em suas cordas outrora mãos de menino se aqueciam rudemente, treme sob o martelo das horas, cuja silhueta jocosa e sombria ninguém esquece.
      Após a última batida, o silêncio ainda mais se aprofunda. Estende-se até aqueles que foram sacrificados prematuramente em duas guerras mundiais. O Simples torna-se ainda mais simples. O que é sempre o Mesmo desenraiza e liberta. O apelo do caminho do campo é agora bem claro.
      É a alma que fala? Fala o mundo? Ou fala Deus?
      Tudo fala da renúncia que conduz ao Mesmo. A renúncia não tira. A renúncia dá. Dá a força inesgotável do Simples. O apelo faz-nos de novo habitar uma distante Origem, onde a terra natal nos é devolvida.

(Der Feldweg – 1949) In Gesamtausgabe Nº 013 – Aus der Erfahrung des Denken (Sobre a Experiência do Pensar) Tradução de Ermildo Stein

FONTE: Philosopher's Desk.

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segunda-feira, 30 de julho de 2012

DÁ-NOS TUA PAZ

Um poesia de Pedro Casaldáliga que sempre ajuda a alimentar a Vida em horas críticas onde a falta de esperança e sentido parecem nos engolir com sua boca enorme. Instantes em que desejamos aquela Paz misteriosa que brota do alto e se enraiza neste chão que a gente pisa com os pés descalsos...


Dá-nos, Senhor, aquela Paz estranha
que brota em plena luta
como uma flor de fogo;
que rompe em plena noite
como um canto escondido;
que chega em plena morte
como um beijo esperado.

Dá-nos a Paz dos que caminham sempre,
nus de toda vantagem,
vestidos pelo vento da Esperança.

Aquela Paz dos pobres,
vencedores do medo.
Aquela Paz dos livres,
amarrados à vida.

A Paz que se partilha na igualdade,
como a Água e a Hóstia.

A Paz do Reino, que vem vindo,
inviável e certo.

Dá-nos a Paz, a outra Paz, a tua,
Tu que és nossa Paz!
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domingo, 8 de julho de 2012

CONSERVAÇÃO DO INSTANTE

Como é difícil viver o instante presente
Infinito... Eterno!!!

Pensar no futuro,
no que poderíamos nos tornar,
no que poderíamos sentir
ou deixar de sentir
parece mais seguro.
E a busca absoluta pela segurança
pode me afastar de ti,
por que já não serei mais capaz
de viver o instante como tudo que tenho de verdade.
Mas estarei, cega e inutilmente,
buscando aquilo que não me pertence,
aquilo que não sou,
aquilo que não é infinitamente eterno...

Renuncio a tudo que cai sobre mim
como uma realidade “difícil”, “segura”
e sinto sua existência que me arrebata,
como a eternidade do instante do Mar
que, incessantemente,
insistentemente,
leva e traz seus Rituais...

Esta é a sua ressurreição...
Esta é a minha ressurreição...
Isto é aquilo que faz de nossos corpos,
amando intensamente,
viverem “para que a vida se renove”...
até que sejamos capazes
de conservar – na lágrima –
aquilo que parece extrapolar nossos próprios limites.

Ah, sua Conservação!!!
Ela me ensinou o instante presente
Infinito, Eterno...
aquilo que é o essencial de nós,
de tudo que está entre nós e,
como no Mar e seus Rituais,
falam de uma eternidade
misteriosamente simples
por que é instante vivido,
inundado delicadamente
de Sopros, Surpresas, e Poesia...

José Wilson Correa Garcia
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sexta-feira, 6 de julho de 2012

SOBRE A JUSTIÇA NA POLÍTICA BRASILEIRA

      Uma aproximação estética atualizada, de um ponto de vista crítico, da imagem que simboliza a Justiça, aqui no Brasil, daria pano pra manga e seria, no mínimo, interessante. Vamos nos contentar, primeiramente, com a interpretação clássica.
      A primeira protagonista que surge é a deusa grega Têmis, guardiã dos juramentos dos homens e da lei, sempre invocada pelos magistrados nos julgamentos públicos. Na imagem original grega ela aparece com uma balança em uma das mãos. Uma de suas filhas, Diké, a exemplo da mãe, carrega em uma das mãos a balança, mas com o acréscimo da espada na outra. Uns afirmam ser Têmis a deusa da justiça, outros atribuem esse título a Diké. A cultura romana, da qual nossa justiça é diretamente influenciada, assimilou a imagem da justiça a uma mulher (Justitia) com as mesmas características gregas, porém é importante afirmar a diferença conceitual, no que diz respeito à justiça, entre o gênio prático dos romanos e a sabedoria teórica dos gregos.
      Polêmicas estilísticas e históricas a parte, o fato é que até os nossos dias a justiça continua sendo representada e afirmada como uma mulher segundando em uma das mãos a balança, onde se equilibra razão e julgamento; na outra a espada, representando a defesa dessa justiça; e um adereço, ironicamente introduzido por um artista alemão do século XVI, que retirou-lhe a visão colocando nos olhos da imagem uma venda, simbolizando a imparcialidade da justiça. Imparcialidade é diferente de neutralidade. Aquela é necessária, esta não existe... Pode-se deixar de ser imparcial, mas não se pode ser absolutamente neutro, pois há sempre um lado. A questão é: de que lado está a justiça? Enfim...
      Nossa interpretação estético/polítca da Justiça brasileira atual desconstrói radicalmente a influência do gênio prático romano e da sabedoria teórica grega como ideais de Justiça. Pode até ser considerada, do ponto de vista científico e teórico, superficial, mas não lhe poderá ser tirada o caráter prático popular, crítico e, quiçá, irônico/cômico...
      Olhando do ponto de vista do cenário político brasileiro atual, o que tem feito a justiça? Resumindo, ela tem permitido que homens como Fernando Collor de Melo, Paulo Maluf, José Dirceu, Carlos Cachoeira, Demóstenes Torres, e companhia i-limitada (só para citar algumas figuras do cenário nacional – cabe a aproximação local a cada cidadão/eleitor) continuem se perpetuando impunes no poder, na representação do cidadão e na gestão pública.
      É claro que reconhecemos as raríssimas e preciosas exceções jurídicas... Mas, infelizmente, essa é a realidade da justiça eleitoral brasileira. Ela tem em uma das mãos a balança, não para equilibrar a razão e o julgamento, mas para saber de que lado foi colocado mais dinheiro. Ela tem nos olhos a venda, não porque é imparcial, mas porque é cega quando se trata da defesa do bem comum, dos direitos do cidadão mais pobre e, ironicamente, enxerga muito bem quando a balança começa a pesar. Ela tem na outra mão a espada, não para defender o justo julgamento, mas para cortar qualquer possibilidade de julgamento que condene a impunidade daquelas que apertaram a venda e acrescentaram peso em um lado da balança.

Por José Wilson Correa Garcia
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sexta-feira, 11 de maio de 2012

Tempos de crise – tempos de cuidado. Artigo de Leronardo Boff

      "O cuidado é exigido em praticamente todas as esferas da existência, desde o cuidado do corpo, da vida intelectual e espiritual, da condução geral da vida até ao se atravessar uma rua movimentada. Como já observava o poeta romano Horácio, “o cuidado é aquela sombra que  nunca nos abandona porque somos feitos a partir do cuidado” escreve Leonardo Boff, teólogo, filósofo e escritor.
      Citando documentos de repercussão internacional, ele afirma que "a ética do cuidado se aplica tanto a nivel internacional como  a níveis nacional e individual; nenhuma nação é auto-suficiente; todos lucrarão com a sustentabilidade mundial e todos estarão ameaçados se não conseguirmos atingi-la".

Eis o artigo. Fonte: IHU

      O tema do cuidado é, nos últmos tempos, cada vez mais recorrente na reflexão cultural. Primeiramente, foi veiculado pela medicina e pela enfermagem, pois representa a ética natural destas atividades. Depois foi assumido pela educação e pela ética e feito paradigma por filósofas e teólogas feministas especialmente norteamericanas. Veem nele um dado essencial da dimensão da anima, presente no homem e na mulher. Produziu e continua produzindo uma acirrada discussão especialmente nos EUA entre a ética de base patriarcal centrada no tema da justiça e a ética de base matriarcal assentada no cuidado essencial.

      Ganhou força especial na discussão ecológica, constituindo uma peça central da Carta da Terra. Cuidar do meio-ambiente, dos recursos escassos, da natureza e da Terra se tornaram imperativos do novo discurso. Por fim, viu-se o cuidado como definição esencial do ser humano, como é abordado  por Martin Heidegger em Ser e Tempo recolhendo uma tradição que remonta aos gregos, aos romanos e aos primeiros pensadores cristãos como São Paulo e Santo Agostinho.

      Constata-se outrossim que a categoria cuidado vem ganhando força sempre que emergem situações críticas. É ele que impede que as crises se transformem em tragédias fatais.

      A Primeira Grande Guerra (1914-1918), desencadeada entre paises cristãos, destruira o glamour ilusório da era vitoriana e produziu profundo desamparo metafísico. Foi quando Martin Heidegger (1889-1976) escreveu seu genial Ser e Tempo (1929), cujos parágrafos centrais (§ 39-44) são dedicados ao cuidado como ontologia do ser humano.

      Durante a Segunda Guerra Mundial (1939-1945), despontou a figura do pediatra e psicólogo D. W. Winnicott (1896-1971) encarregado pelo governo inglês para acompanhar crianças órfãs ou vítimas dos horrorres dos bombardeios nazistas sobre Londres. Desenvolveu toda uma reflexão e uma prática ao redor dos conceitos de cuidado (care), de preocupação pelo outro (concern) e de conjunto de apoios a crianças ou a pessoas vulneráveis (holding), aplicáveis também aos processos de crescimentoz e de educação.

      Em 1972 o Clube de Roma lançou o alarme ecológico sobre o estado doentio da Terra. Identificou a causa principal: o nosso padrão de desenvolvimento, consumista, predatório, perdulário e totalmente sem cuidado para com os recursos escassos da natureza e os dejetos produzidos. Depois de vários encontros organizados pela ONU a partir dos anos 70 do século passado, chegou-se à proposta do um  desenvolvimento sustentável, como expressão  do cuidado humano pelo meio ambiente mas centrado especialmente no aspecto econômico.

      O Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA), o Fundo Mundial para a Natureza (WWF) e a União Internacional para a Conservação da Natureza (UICN) elaboraram em 1991 uma estratégia minuciosa para o futuro do planeta sob o signo Cuidando do Planeta Terra (Caring for the Earth 1991). Ai se diz: A ética do cuidado se aplica tanto a nivel internacional como  a níveis nacional e individual; nenhuma nação é auto-suficiente; todos lucrarão com a sustentabilidade mundial e todos estarão ameaçados se não conseguirmos atingi-la.

      Em março de 2000, recolhendo esta tradição, termina em Paris, depois de oito anos de trabalho a nível mundial, a redação da Carta da Terra. A categoria sustentabilidade, cuidado ou o modo sustentável de viver constituem os dois eixos articuladores principais do novo discurso ecológico, ético e espiritual. Em 2003 a UNESCO assumiu oficialmente a Carta da Terra e a apresentou como um substancial instrumento pedagógico para a construção responsável de nosso futuro comum.

      Em 2003 os Ministros ou Secretários do meio ambiente dos países da América Latina e do Caribe elaboram notável documento Manifesto pela vida, por uma ética da sustentabilidade onde a categoria cuidado é incorporada na idéia de um desenvolvimento para que seja efetivamente sustentável e radicalmente humano.

      O cuidado está especialmente presente nas duas pontas da vida: no nascimento e na morte. A criança sem o cuidado não existe. O moribundo precisa do cuidado para sair decentemente  desta vida.

      Quando desponta alguma crise num grupo gerando  tensões e divisões, é a sabedoria do cuidado  o caminho mais adequado para ouvir as partes, favorecer o diálogo e buscar convergências. O cuidado se impõe quando irrompe alguma crise de saúde que exige internação hospitalar. O cuidado é posto em ação por parte dos médicos, médicas, dos enfermeiros e enfermeiras, decidindo sobre o que melhor fazer.

      O cuidado é exigido em praticamente todas as esferas da existência, desde o cuidado do corpo, da vida intelectual e espiritual, da condução geral da vida até ao se atravessar uma rua movimentada. Como já observava o poeta romano Horácio, “o cuidado é aquela sombra que  nunca nos abandona porque somos feitos a partir do cuidado”.

      Hoje dada a crise generalizada seja social seja ambiental, o cuidado torna-se imprescindível para preservarmos a integridade da Mãe Terra e salvaguardar a continuidade de nossa espécie e de nossa civilização.             
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segunda-feira, 7 de maio de 2012

Sustentabilidade e Educação.

"Ser humano, Terra e natureza se pertencem mutuamente. Por isso é possível forjar  um caminho de convivência pacífica. É o desafio  da educação", escreve Leonardo Boff, filósofo, teólogo e escritor.

Eis o artigo.
Fonte: IHU.

      A sustentabilidade, um dos temas entrais da Rio+20, não acontece mecanicamente. Resulta de um processo de educação pela qual o ser humano redefine o feixe de relações que entretém com o Universo, com a Terra, com a natureza, com a sociedade e consigo mesmo dentro dos critérios de equilíbrio ecológico, de respeito e amor à Terra e à comunidade de vida, de solidariedade para com as gerações futuras e da construção de  uma democracia sócio-ecológica sem fim.

      Estou convencido de que somente uma processo generalizado de educação pode criar novas mentes e novos corações, como pedia a Carta da Terra, capazes de fazer a revolução paradigmática exigida pelo risco global sob o qual vivemos. Como repetia com freqüência Paulo Freire:”a educação não muda o mundo mas muda as pessoas que vão mudar o mundo”. Agora todas as pessoas são urgidas a mudar. Não temos outra alternativa: ou mudamos ou conheceremos a escuridão.

      Não cabe aqui abordar a educação em seus múltiplos aspectos tão bem formulados em 1996 pela UNESCO: aprender a conhecer, a fazer, a ser e a viver juntos; eu acrescentaria aprender a cuidar da Mãe Terra e de todos os seres.

      Mas este tipo de educação é ainda insuficiente. A  situação mudada do mundo exige que tudo seja ecologizado, isto é, cada saber deve prestar a sua colaboração a fim de proteger a Terra, salvar a vida humana e o nosso projeto planetário. Portanto, o momento ecológico deve  atravessar todos os saberes.

      A 20 de dezembro de 2002 a ONU aprovou uma resolução proclamando os anos de 2005-2014 a Década da educação para o desenvolvimento sustentável. Neste documento se definem 15 perspectivas estratégicas em vista de uma educação para  sustentabilidade. Referiremos algumas:

      Perspectivas socioculturais que incluem: direitos humanos, paz e segurança; igualdade entre os sexos; diversidade cultural e compreensão intercultural; saúde; AIDS; governança global.

      Perspectivas ambientais que comportam: recursos naturais (água, energia, agricultura e    biodiversidade); mudanças climáticas; desenvolvimento rural; urbanização sustentável; prevenção e mitigação de catástrofes.

      Perspectivas econômicas que visam: a redução da pobreza e da miséria; a responsabilidade e a prestação de contas das empresas.

      Como se depreende, o momento ecológico está presente em todas as disciplinas: caso contrário não se alcança uma sustentabilidade generalizada. Depois que irrompeu o paradigma ecológico, nos conscientizamos do fato de que todos somos ecodependentes. Participamos de uma comunidade de interesses com os demais seres vivos que conosco compartem a biosfera. O interesse comum básico é manter as condições para a continuidade da vida e da própria Terra, tida como Gaia. É o fim último da sustentabilidade.     

      A partir de agora a educação deve impreterivelmente incluir as quatro grandes tendências da ecologia: a ambiental, a social, a mental e a integral ou profunda (aquela que discute nosso lugar na natureza). Mais e mais se impõem entre os educadores esta perspectiva: educar para o bem viver  que é a arte de viver em harmonia com a natureza e propor-se repartir equitativamente com os demais seres humanos  os recursos da cultura e do desenvolvimento sustentável.

      Precisamos estar conscientes de que não se trata apenas de introduzir corretivos ao sistema que criou a atual crise ecológica mas de educar para sua transformação. Isto implica superar a visão reducionista e mecanicista ainda imperante e assumir a cultura da complexidade. Ela nos permite ver as interrelações do mundo vivo e as ecodependências do ser humano. Tal verificação exige tratar as questões ambientais de forma global e integrada. Deste tipo de educação se deriva a dimensão ética de responsabilidade e de cuidado pelo futuro comum da Terra e da humanidade. Faz descobrir o ser humano como o cuidador de nossa Casa Comum e o guardião de todos seres. Queremos que a  democracia sem fim (Boaventura de Souza Santos) assuma as características socioecológicas pois só assim será adequada à era ecozóica e responderá às demandas do novo paradigma. Ser humano, Terra e natureza se pertencem mutuamente. Por isso é possível forjar  um caminho de convivência pacífica. É o desafio  da educação.
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quinta-feira, 3 de maio de 2012

Gritos dos/as Excluídos/as 2012


      O Grito dos Excluídos é uma manifestação popular carregada de simbolismo. È um espaço de animação e profecia, sempre aberto e plural de pessoas, grupos, entidades, igrejas e movimentos sociais comprometidos com as causas dos excluídos(as).
      O Grito dos(as) Excluídos(as), como indica a própria expressão, constitui-se numa mobilização com três sentidos:
  • denunciar o modelo político e econômico que, ao mesmo tempo, concentra riqueza e renda e condena milhões de pessoas à exclusão social;
  • tornar público, nas ruas e praças, o rosto desfigurado dos grupos excluídos, vítimas do desemprego, da miséria e da fome;
  • propor caminhos alternativos ao modelo econômico neoliberal, de forma a desenvolver uma política de inclusão social, com a participação ampla de todos os cidadãos.
      O Grito se define como um conjunto de manifestações realizadas no Dia da Pátria, 7 de setembro, tentando chamar à atenção da sociedade para as condições de crescente exclusão social na sociedade brasileira. Não é um movimento nem uma campanha, mas um espaço de participação livre e popular, em que os próprios excluídos, junto com os movimentos e entidades que os defendem, trazem à luz o protesto oculto nos esconderijos da sociedade e, ao mesmo tempo, o anseio por mudanças.
      As atividades são as mais variadas: atos públicos, romarias, celebrações especiais, seminários e cursos de reflexão, blocos na rua, caminhadas, teatro, música, dança, feiras de economia solidária, acampamentos – e se estendem por todo o território nacional.
      Em 2012 o Grito dos(as) Excluídos(as) traz como tema: “Queremos um Estado a serviço da Nação, que garanta direitos a toda população!”

Ajude a divulgar e faça parte desta manifestação popular!

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PARA ENTENDER O "VETA DILMA" - Código Florestal atropela Rio+20. E agora Dilma?

Há muita movimentação, principalmente nas rede sociais sobre o movimento VETA DILMA. Mais do que um movimento, é uma ação coletiva dos movimentos sociais contra as consequências do modelo do código florestal que está sendo proposto pelo governo. Eis, abaixo, uma análise de conjuntura muito boa que achei no portal ECODEBATE. Poderá ajudar a entender melhor essa atual movimentação social no Brasil hoje... Boa leitura!


Código Florestal atropela Rio+20
      A presidente Dilma Rousseff corre contra o tempo. Precisa desativar uma bomba de efeito devastador a curtíssimo prazo. Daqui a pouco mais de um mês, o país sediará a Rio+20 e a aprovação do retalhamento do Código Florestal às vésperas da Conferência sobre Desenvolvimento Sustentável empurra o país para uma situação delicada uma vez que é o anfitrião do evento. Da pretensa “vanguarda” no debate mundial sobre a mitigação do aquecimento global, o país pode correr o risco de passar vexame. A decisão está nas mãos de Dilma.
      Rompendo acordo com o governo, os ruralistas aprovaram o retalhamento do Código ampliando ainda mais os retrocessos do texto aprovado no Senado.
      O resultado foi uma derrota para o governo que defendia a aprovação na íntegra do texto definido no final do ano passado. Reiteradas falas do governo anunciaram que o texto dos senadores não era o ideal, mas o possível de ser alcançado pela mediação dos interesses presentes no Congresso Nacional. A bancada ruralista, entretanto, mantendo-se fiel aos seus interesses de classe desconsiderou a posição do Palácio do Planalto e atropelou a tudo e a todos.
      Agora o governo encontra-se numa saia justa. A participação do país na Rio+20 – ousadia ou vexame – está condicionada à postura que a presidente Dilma adotará em relação às alterações do Código Florestal. Organizações ambientalistas internacionais já afirmam que o Brasil pode estar perdendo a liderança no movimento ecológico global caso mantenha as alterações no Código Florestal.
      Representantes da WWF e do Greenpeace disseram que o Brasil sempre foi visto como um dos países mais ativos na promoção de ideias ambientais em fóruns internacionais, como as reuniões sobre mudanças climáticas da ONU. Mas, a aprovação do texto do deputado Paulo Piau (PMDB-MG) pode provocar uma mudança nessa percepção. “É um choque estarem alterando o Código Florestal que protege a floresta amazônica. Com a proximidade da Rio+20, isso bota muita pressão sobre a presidente Dilma Rousseff. Será muito difícil para ela se apresentar como defensora do ambiente”, disse Sarah Shoraka, ativista especialista em florestas do Greenpeace do Reino Unido.
      “Durante a campanha ela [Dilma Rousseff] havia dito que não apoiaria nenhuma legislação que aumentasse o desmatamento e que desse anistia a criminosos, mas a proposta atual faz exatamente essas duas coisas. Agora é tudo uma questão da credibilidade dela, e o quanto ela está disposta a mudar”, reafirmou Sarah Shoraka. Segundo ela, “o Brasil tem uma trajetória de país moderno, que sempre esteve na liderança dos compromissos ambientais tendo em vista a sua posição na Conferência de Mudanças Climáticas de Copenhague [2009]. O país sempre esteve na frente e puxando os outros países. A aprovação deste texto é um retrocesso”, disse a ativista.

E agora Dilma?
      Para os ambientalistas que acompanharam o embate em Brasília, o sentimento é de tristeza. “Estamos tentando digerir o que aconteceu. Estamos nos preparando para ajudar a presidente Dilma a exercer poder de veto completo”, afirmou Maria Cecilia Wey de Brito, secretária-geral. Para ela, “a mensagem para a sociedade brasileira é negativa. Fica claro que os deputados acham aceitável que as pessoas que cometem ilegalidade sejam perdoadas. E quem sempre cumpriu a lei fica se achando injustiçado”.
      Sobre as mudanças no Código Florestal, a ex-ministra Marina Silva afirma que “as avaliações são unânimes em dizer que foi o maior retrocesso no arcabouço institucional das políticas socioambientais no Brasil desde a ditadura”. “Agora é a hora de se confirmar para quem esse governo foi eleito”, destaca o jornalista Leonardo Sakamoto. Segundo ele, “seja qual for a decisão que Dilma tomar sobre o novo Código Florestal, aprovado pela Câmara dos Deputados, ela será emblemática. Mostrará o que será o resto do seu mandato presidencial”.
      Com o peso de ter sido ministra do meio ambiente e forte credibilidade internacional, Marina Silva, comentou que “o novo Código Florestal aprovado pela Câmara é tudo, menos florestal”. Segundo a ex-ministra, “a presidente Dilma terá que decidir qual modelo de desenvolvimento quer para o país. Não dá para ter na mesma base de apoio o sonido da motosserra e o canto do uirapuru. Agora, resta a ela usar seu poder de veto ou compactuar com o que está posto. Chegou a hora da verdade. Veta, Dilma. Veta tudo, não pela metade”, pede ela.
      Marina Silva, tendo presente a proximidade da Rio+20 e provável pré-candidata à presidência em 2014, dá uma estocada em Dilma: “Temos todas as condições de liderar o processo de transição para o desenvolvimento sustentável. O Brasil pode ser para o século XXI o que os Estados Unidos foram para o mundo no século XX. Mas são necessárias visão antecipatória e determinação de perseguir nosso destino de grande potência socioambiental. Não é fácil fazer a melhor escolha, porém é na pressão dos grandes dilemas que se forja a têmpera dos que estão afiados a talhar os avanços da história”.
      A proximidade da Rio+20 e o impacto da decisão da Câmara dos Deputados é também destacada pelo deputado Alfredo Sirkis (PV-RJ): “Vivemos aqui um momento importante, vai ser votado, com os olhos do mundo em nós, esse retrocesso espantoso na política ambiental. Estamos a dois meses da Rio+20, e esta casa se prepara para dar um espetáculo deprimente de farsa. Farsa quando se pretende defender aqui os pequenos proprietários. Aqui, o que está em questão é interesse de especuladores de terra que vão ganhar fortuna quando não houver necessidade de se recompor áreas de preservação permanente”.
      O deputado acrescentou que “diante desse desafio à sua autoridade, e do vexame que o Brasil irá sofrer perante o mundo com a aprovação da proposta, só restará à presidente Dilma vetar o relatório”.
      A decisão de Dilma não será fácil. “Se Dilma vetar a maior parte do texto, estará apoiando os que atuam na defesa de um desenvolvimento minimamente sustentável e na garantia da qualidade de vida das gerações futuras. Isso vai satisfazer ambientalistas, cientistas, parte dos formadores de opinião e da sociedade civil, alguns ministros” diz Sakamoto. Porém, acrescenta ele, “comprará uma boa briga com a Frente Parlamentar da Agricultura, vulgo Bancada Ruralista, federações de produtores rurais, outros ministros e grandes empresas do agronegócio – que veem no instrumento uma forma de facilitar seus processos produtivos e aumentar seu poder de concorrência e ou sua taxa de lucro”.
      Se sancionar o Código Florestal, entretanto, diz o jornalista “vai mandar um recado claro: as políticas sociais e ambientais, declaradas como prioritárias, serão aplicadas desde que dentro de limites impostos pela governabilidade. Ou seja, cada situação tem sua implicação. Agora é a hora de se confirmar para quem esse governo foi eleito”, conclui.
      Dilma não vem sendo poupada pelo retalhamento do Código Florestal. Para o ex-secretário-executivo do Ministério do Meio Ambiente João Paulo Capobianco, o Código representa um retrocesso jamais visto, após muitas tentativas fracassadas. Ele afirma que, pela primeira vez, um governo cedeu, por omissão, e abriu a porteira para as demandas dos conservadores: “Eu diria que a presidente Dilma, entre o desenvolvimento acelerado e a conservação ambiental, ela não pensa na compatibilização. Suas ações recentes mostram claramente isso. Ela compartilha, inclusive, com o resultado da negociação do Código no Senado, que era um enorme retrocesso também”.
      Diante da forte repercussão negativa da aprovação do novo Código – basta dar uma olhada nas tuitadas -, o ministro da Secretaria-Geral da Presidência da República, Gilberto Carvalho, disse que a presidente Dilma Rousseff vai analisar o novo Código Florestal com “sangue frio e tranquilidade”. “Como nos é dado pela Constituição o direito do veto, a presidente vai analisar com muita serenidade, sem animosidade, sem adiantar nenhuma solução”, afirmou.
      Há sinais, entretanto, dada a forte repercussão negativa e a proximidade com a Rio+20 que a presidente vai vetar os artigos mais polêmicos do Código Florestal. Entre eles, os que tratam da recomposição das matas ciliares e da “anistia” a desmatadores. “Ela vai meter a caneta e chegar à Rio+20 carregada”, diz um influente líder do PT, destaca a imprensa.
      Gilberto Carvalho disse que a Rio+20 deve pesar na decisão da presidente, mas nem tanto: “Menos, porque é um episódio. Mais importante é o nosso cuidado com a preservação e o modelo de desenvolvimento sustentável que nós pregamos”, disse. “Importante é o crescimento, a inclusão social e o cuidado com a natureza. É a preservação pensando no presente e nas gerações futuras. Isso sim e, evidentemente, os compromissos que ela assumiu durante a campanha serão os parâmetros que vão nos orientar”.
      Representantes da bancada ruralista, porém, tem desafiado a presidente e prometem resistir no caso de um veto. O deputado Henrique Eduardo Alves (PMDB-RN), paradoxalmente um dos líderes do governo na Câmara dos Deputados e dos que mais se empenharam pelas alterações no Código Florestal, redigido por Piau, disse que “o governo é ambientalista, mas também é ruralista, é pecuarista”, numa indicação do forte corporativismo do agronegócio na Câmara do Deputados . O relator do retalhamento do Código Paulo Piau (PMDB-MG), disse por sua vez que espera “que a presidente não queira dar satisfação para o mundo e para a opinião pública nacional”.
      No caso de um eventual veto parcial Dilma, o ministro do Desenvolvimento Agrário, Pepe Vargas, que esteve reunido com a presidente pós-alteração no Código Florestal, não crê em derrubada de veto por parte do Congresso. Para derrubar um possível veto da presidente é preciso maioria absoluta tanto na Câmara dos Deputados quanto no Senado Federal, ou seja, o aval de 257 deputados e 41 senadores.

Código Florestal e suas implicações do local para o global
      Aprovação da flexibilização do Código Florestal é um enorme retrocesso quando se tem presente o debate sobre a crise climática e, ainda mais grave, quando se está às vésperas da maior Conferência mundial que debaterá como transitar para uma economia de baixo carbono. O fato do Brasil sediar a Conferência aumenta suas responsabilidades.
      Já está claro que muito se avançou na consciência planetária da gravidade sobre a crise climática. Contribuiu decisivamente para essa nova consciência o relatório do IPCC de 2007 ao afirmar que já não há mais contestação de que o responsável pela evolução acelerada da tragédia ambiental é a ação antropogênica sobre a Terra. Os pesquisadores e cientistas à época foram categóricos e não deixaram espaço para dúvidas ao afirmar de forma contundente – o relatório utilizou a expressão “inequívoca” – que o aquecimento global se deve à intervenção humana sobre o planeta.
      De lá para cá, porém, aumentou ainda mais a percepção da gravidade da crise climática. O próprio IPCC num relatório de março de 2012 intitulado “Relatório Especial sobre Gerenciamento de Riscos de Eventos Extremos e Desastres para o Avanço da Adaptação Climática (SREX)” alerta que o momento é de se preparar para “os eventos extremos que já são inevitáveis”.
      O quadro hoje seria pior do que o alardeado pelos cientistas no relatório de 2007 e alguns limites planetários já foram ultrapassados: os do aquecimento global, a extinção de espécies e o ciclo do nitrogênio. Outros quatro estariam próximos: uso da água doce, conversão de florestas em plantações, acidificação dos oceanos e ciclo do fósforo. Os outros dois são a contaminação química e a carga de aerossóis na atmosfera.
      Dados sobre o ano de 2011, apresentados pelo Escritório das Nações Unidas para a Redução de Riscos de Desastres (UNISDR), por exemplo, dão conta de que ocorreram “302 desastres naturais, que mataram 29.782 pessoas, principalmente na Ásia”. No caso do Brasil, registrou-se 900 mortes “causadas pelos impactos das inundações e dos deslizamentos de terras provocados pela chuva”. Todos esses desastres, além de ceifarem vidas, geraram prejuízos de US$ 366 bilhões.
      A responsabilidade do agravamento está diretamente vinculado ao tipo de desenvolvimento econômico implantado, especialmente, ao longo dos últimos dois séculos, baseado no paradigma do crescimento econômico ilimitado, na ideia de progresso infinito e na concepção de que os recursos naturais seriam inesgotáveis e de que a nossa intervenção sobre a natureza se daria de maneira neutra. Na origem da crise ecológica, portanto encontra-se o “modo de produção” e o “modo de consumo” que se tornaram insustentáveis e incompatíveis com os limites do nosso Planeta.
      É a partir desse contexto que deve ser interpretada a decisão sobre o Código Florestal e a importância da Rio+20.
      Nos últimos dias, um documento assinado por dezessete grandes cientistas ganhadores do prestigioso Prêmio Planeta Azul, reafirmam que “o sistema atual está falido” e sugerem que “o mundo reduza rapidamente suas emissões de gases do efeito estufa, troquem o PIB (produto interno bruto) por uma medida mais holística de bem-estar nacional, desassociem a destruição ambiental do consumo, reduzam os subsídios para combustíveis fósseis e práticas agrícolas ambientalmente destrutivas, coloquem um valor de mercado em serviços de biodiversidade e ecossistema, trabalhem com movimentos de base para criar uma ação de baixo para cima, e finalmente, combatam a superpopulação”. Os cientistas e ambientalistas dizem que é preciso combater o “mito de que economias podem crescer para sempre”.
      A tese de que o Planeta não é sustentável sem controle do consumo e da população vem ganhando força. Estudo recém publicado pela Royal Society (associação britânica de cientistas) afirma que o consumo excessivo em países ricos e o rápido crescimento populacional nos países mais pobres precisam ser controlados para que a humanidade possa viver de forma sustentável.
      A afirmação é polêmica, porém, outros estudos vão na mesma linha ao afirmarem que o crescente aumento da população e o seu poder de consumo levarão os recursos naturais do Planeta ao esgotamento. Philip Stephens, editor e comentarista político do Financial Times, destaca que o crescimento do poder de consumo de países com China, Índia e Brasil mudarão a geopolítica do consumo e “em 20 anos, o mundo que agora é pobre de forma predominante passará a ser em sua maioria de classe média”.
      Os números brutos estão delineados em um relatório intitulado Tendências Mundiais 2030 – recém -publicado pelo Instituto de Estudos de Segurança (ISS, na sigla em inglês), com sede em Paris. Sobre o relatório, diz o jornalista: “Pelas tendências atuais, destaca o informe, as fileiras da classe média mundial passarão das cerca de 2 bilhões de pessoas atuais para 3,2 bilhões em 2020 e para 4,9 bilhões em 2030, quando a população mundial total seria de pouco mais de 8 bilhões. Dito de outra forma, pela primeira vez na história humana, haveria mais pessoas na classe média do que na pobre”.
      Philip Stephens cita, entre outros, o caso brasileiro: “Quase 70% dos brasileiros deverão estar na classe média em 2030. No mesmo ano, a América Central e América Latina terão tantos consumidores da classe média quanto a América do Norte. A transição será mais lenta na África, mas mesmo lá os números deverão mais do que dobrar em relação a 2030”.
      Ora, as implicações dessa transformação serão profundas quando pensadas sob a perspectiva da crise climática. Destaque-se aqui novamente a intuição do documento dos cientistas ganhadores do prêmio Planeta Azul: “Há uma necessidade urgente de quebrar a ligação entre a produção e o consumo e a destruição ambiental (…) Um crescimento material indefinido em um planeta com recursos naturais finitos e frequentemente frágeis seria insustentável”, escrevem eles.
      O capital e o mercado já têm sua proposta para superar esse eventual impasse, a “economia verde”. O significado desse conceito que estará entre os principais temas da Rio+20 abordaremos proximamente em outra ‘Conjuntura da Semana’.

A carta na manga brasileira para a Rio+20 pode virar um mico
      Com a aprovação da flexibilização do Código Florestal, a estratégia do governo para a Rio+20 foi por água abaixo. O governo já vinha sendo acusado de pouca ousadia, mas tinha uma carta na manga.
      Aumentam agora as expectativas de como se comportará o Brasil como anfitrião do evento. Se carregará o fardo de conivente com uma legislação que vai na contramão de tudo o que se defende internacionalmente ou se terá coragem de enfrentar os setores conservadores. As expectativas são a de que o país tenha um papel protagonista e impulsione acordos ousados e não meramente protocolares.
      Ainda antes da bomba das mudanças no Código Florestal, o país já vinha sendo cobrado a adotar uma postura mais ousada nas negociações. Várias ONGs criticavam a falta de ousadia do país em assumir a liderança na defesa da sustentabilidade.
      O coro da cobrança vinha ainda de setores da imprensa para quem o “governo brasileiro precisa assumir papel de liderança se quiser evitar fiasco político da conferência sobre desenvolvimento sustentável” e do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente – Pnuma, através do seu diretor executivo Achim Steiner, para quem “o Brasil, como país anfitrião, não pode deixar que a cúpula apenas reafirme os compromissos de 1992. Isso será um fracasso. Já negociamos convenções demais. A Rio+20 é sobre implementação”, cobrou. “Este é um momento difícil no mundo para se fazer uma cúpula sobre desenvolvimento sustentável”, continuou, “mas não podemos trazer 190 países e esperar pelo melhor, não se trata de um desfile de chefes de Estado”, disse o relator do Pnuma.
      Ciente da necessidade de maior ousadia na Rio+20 e das críticas em relação ao pouco entusiasmo com a Conferência, o Brasil estaria guardando uma carta na manga para se sair bem. Trata-se da proposta de criação de um piso mundial de proteção socioambiental preparada pelo país.
      A proposta assemelha-se a uma espécie de Bolsa-Família em âmbito global já incorporado como experiência-modelo pela Organização das Nações Unidas (ONU). A ideia guarda elementos de outro programa, o Bolsa Verde, que remunera famílias que vivem em unidades de conservação na Amazônia e adotam práticas ambientais sustentáveis. Além de garantir uma renda mínima para combater a extrema pobreza, o piso socioambiental proporcionaria uma remuneração extra aos pobres pela proteção de florestas e a recuperação de áreas degradadas.
      Essa proposta é coerente com a postura do país em não separar a questão social da temática ambiental. É no casamento das agendas de combate à pobreza extrema e de proteção do meio ambiente que o governo Dilma Rousseff aposta ganhar uma certa liderança para o Brasil nos próximos debates do desenvolvimento sustentável.
      O problema agora, é que com a aprovação do retalhamento do Código Florestal falar em uma espécie de Bolsa Verde para proteger o meio ambiente manifesta profunda incoerência. Como o país se dispõe a pagar pela proteção do meio-ambiente se ele mesmo é leniente com uma legislação que destrói o que a “Bolsa Verde” se propõe a proteger.
      A única forma do país não sofrer um constrangimento maior é o veto ao menos parcial da presidente Dilma Rousseff as alterações do Código Florestal, principalmente aos artigos da anistia aos desmatadores, recomposição e preservação de matas ciliares nos rios e intocabilidade das APP’s – considerados áreas que protegem as margens dos rios, encostas, topos de morro, restingas, mangues e biomas específicos.
      Há, porém, outro problema para o Brasil como anfitrião do evento: o risco do seu esvaziamento. A chanceler alemã Angela Merkel já avisou ao governo brasileiro que não virá para a Rio+20; o primeiro-ministro britânico, David Cameron também não virá. Além do desfalque da maior economia europeia, é incerta também a presença do presidente dos Estados Unidos Barack Obama na conferência que marca os 20 anos da Eco-92. A ausência de Merkel pode representar um temor que começa a transparecer nas falas de negociadores europeus, de que a Rio+20 não terá resultados fortes o bastante.

#Veta Dilma. Onde está o movimento social?
      Cresce o movimento para que Dilma vete as alterações no Código Florestal. Quem puxa o movimento são as organizações ambientalistas que desde o começo têm tido uma postura mais determinada na luta contra os retrocessos no Código Florestal.
      Essas organizações apesar de sua crescente influência na sociedade têm ainda um poder de fogo limitado. Chegam sobretudo aos setores da classe média e têm dificuldade de um maior enraizamento popular. Usam a emergência da Internet com suas redes sociais e seus espaços para o compartilhamento de dados e informações como ferramenta de pressão e mobilização, mas ficam muitas vezes isoladas e não conseguem o apoio e articulação de outros movimentos.
      Cumprem mesmo assim um papel importantíssimo e estão puxando a resistência às alterações no Código Florestal. É dessas organizações que vem a chamada para que Dilma vete as mudanças e vete tudo!
Outras organizações sociais não demonstram a mesma energia nessa luta. O Movimento Sem Terra – MST desde o início se manifestou contra a flexibilização do Código Florestal. Nesses dias publicou nota em seu portal afirmando que Dilma “precisa vetar todas as mudanças no Código Florestal para proteger natureza”. Apesar dessa postura, o tema não entrou com força na agenda do “Abril vermelho”, quando muito, lateralmente.
      A Central Única dos Trabalhadores – CUT também não tem priorizado essa pauta. Nos últimos dias se manifestou pelo seu portal, mas a sensação é que se trata muito mais de uma postura protocolar, não há nenhum indício de mobilização sobre o tema. A Conlutas e a Intersindical, organizações que se denominam mais a esquerda no espectro sindical, tampouco tem se mobilizado com o tema. Aguardemos o 1º de maio para ver se o Código Florestal será abordado nas manifestações.
      Quem também tem decepcionado na luta contra o retalhamento do Código Florestal é a Conferência Nacional dos Bispos Brasileiros – CNBB. Apesar de ter abordado o tema numa Campanha da Fraternidade específica – a CF 2011 – “Fraternidade e a Vida no Planeta”, o que se vê é que a entidade tem dedicado muito das suas energias a temas como o aborto e a Jornada Mundial da Juventude (JMJ) que se realizará em 2013 no Brasil. Reunidos nos últimos dias em sua 50ª Assembleia Geral em Aparecida (SP) não houve nenhuma manifestação institucional sobre o Código Florestal.
      Houve, porém, um comunicado oficial da criação de uma comissão para acompanhar o trabalho de reforma do Código penal Brasileiro. Segundo dom Dimas Lara Barbosa, presidente da Comissão Episcopal de Pastoral para a Comunicação da CNBB, como se trata de um tema abrangente e delicado, as questões levantadas por alguns setores preocupam a Igreja. “Aqueles que defendem a redução da maioridade penal, a pena de morte, a descriminalização do aborto e alguns outros temas que não levam em conta em primeiro lugar a pessoa humana”, disse o bispo.
      As pastorais sociais, por sua vez, encontram-se fragilizadas e até mesmo a Comissão Caridade, Justiça e Paz da CNBB não tem conseguido uma maior articulação das pastorais sociais no debate sobre o tema e influenciado os bispos para que se posicionem.
      Dessa forma, a campanha pelo # Veta Dilma deverá crescer nas redes sociais, mas nas ruas será frágil. A aposta para que Dilma vete ao menos parcialmente o retalhamento do Código é a promessa da presidente ainda na Campanha eleitoral. Na época Dilma se colocou contra os principais pontos do texto do deputado Aldo Rebelo (PCdoB-SP) e em especial o que anistia quem desmatou ilegalmente.
      Confira o que prometeu a então candidata à Presidência Dilma Roussef: “a eventual conversão de multas só deve ocorrer após ações efetivas de recuperação das áreas desmatadas ilegalmente”, e citou o Programa Mais Ambiente do governo federal como um caminho seguro para a regularização ambiental das propriedades agrícolas. Dilma diz não acreditar que a atual legislação ambiental seja um entrave à expansão agropecuária. “O Brasil pode expandir sua produção agrícola sem desmatar. Hoje existem 60 milhões de hectares de pasto mal utilizados ou subutilizados que precisam ser recuperados”.
      Agora é a hora de Dilma honrar sua promessa e vetar o estrago feito pela bancada ruralista.

Fonte: ECODEBATE.
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quarta-feira, 2 de maio de 2012

Copa do Mundo: está em curso um processo de “higienização” no Rio. Entrevista especial com Hertz Leal

Para Muitos e Muitas a possibilidade de realização da Copa do mundo no Brasil é algo espetacular! E, de fato, pode até ser, dependendo do ponto de vista em que se olha. O futebol em sí é um espetáculo, a torcida, o grito do gol, a paixão... O brasileiro ama futebol, ama o espetáculo da bola... Ainda mais quando o maior evento desse espetáculo está prestes a ser trazido pra cá. Incrível! Mas isso tem um preço e tem consequências, boas e ruins... O fato é que, muitas vezes, não se olha para esse evento a ser realizado aqui no brasil para além do Espetáculo, ou seja, para além da positividade midiática que esconde da própria população as consequências negativas já vislumbradas... Achei essa entrevista interessante e gostaria de compartilhar. Apesar de focar no RJ, pode-se ampliar sua reflexão para os outros estados que estarão acolhendo as consequências do evento espetacular...

Fonte: IHU.

O legado da Copa “será a militarização da cidade para proteger os lucros, com leis de exceção para dar segurança à Fifa e ao Comitê Olímpico Internacional”, diz o membro do Comitê Popular da Copa e das Olimpíadas do Rio de Janeiro.

Confira a entrevista.


O dossiê exclusivo feito pelo Comitê Popular da Copa e das Olimpíadas do Rio de Janeiro “ultrapassa a denúncia e demonstra o projeto de desenvolvimento, o projeto de cidade que está presente nesta forma de conduzir as políticas públicas”, declara Hertz Leal à IHU On-Line. Segundo ele, a distribuição dos investimentos da Copa do Mundo “segue a lógica da especulação imobiliária, ou seja, concentra-se na Barra da Tijuca, onde o prefeito foi subprefeito”.

Leal reitera que os preparativos para a Copa do Mundo e as Olímpiadas desrespeitam os direitos humanos e a legislação prevista na Constituição, na Lei Orgânica e no Estatuto das Cidades. Na entrevista a seguir, concedida por e-mail, ele relata as irregularidades que estão ocorrendo no Rio de Janeiro por conta das desapropriações de terras, transferências de terras públicas para setores privados, e as arbitrariedades cometidas pelo poder público. De acordo com ele, as pessoas que tiveram suas terras desapropriadas foram deslocadas para conjuntos habitacionais do programa Minha Casa Minha Vida que distam de 30 km e 60 km do local onde moravam. “O correto seria construir os conjuntos habitacionais antes das remoções e no local onde ocorrem as intervenções urbanas, para garantir a continuidade dos estudos das crianças nas mesmas escolas, o tratamento dos idosos nos mesmos postos de saúde, a convivência com a rede de parentesco e de amigos que, em muitos casos, providenciam a solidariedade e os cuidados necessários às crianças, aos idosos e aos doentes”.

Leal enfatiza que, apesar da existência de terras públicas em abundância no estado do Rio de Janeiro, o governo não constrói moradias sociais e oferece “aluguel social ou Minha Casa Minha Vida na zona oeste”, a qual, segundo afirma, “é dominada por milícias”. “Tivemos notícias de conjuntos habitacionais invadidos por estes grupos, além de notícias de que em muitos destes conjuntos são as milícias que organizam os condomínios. Nas eleições, estas milícias ajudam eleger os vereadores que corroboram esta política de higienização da cidade para os negócios olímpicos e os negócios da Copa da Fifa”.

O processo de higienização da cidade, conforme ele relata, ocorre também na região sul, no centro e no entorno do Maracanã. Por causa do “maior rigor nas cobranças dos serviços de energia elétrica, TV a cabo, água e aumento dos aluguéis”, torna-se “insustentável a moradia para os trabalhadores que ganham até três salários mínimos”.

Hertz Leal estudou no Instituto de Filosofia e Ciências Sociais da Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ, mas não concluiu o curso e foi ser quiosqueiro na praia de Ipanema. Segundo ele, a prefeitura retirou sua permissão para dar a concessão a uma empresa que detém todos os quiosques da orla marítima do Leme ao Pontal. “Fui expulso por não aceitar os contratos abusivos da concessionária Orla Rio, então retornei à atividade política com a cooperativa Orla Legal e participo do Movimento Unido dos Camelôs – MUCA e do Comitê Popular da Copa e Olimpíadas desde o início em meados de 2010”. Atualmente Leal trabalha como funcionário público federal.

Confira a entrevista.

IHU On-Line – Quais são as novidades apresentadas no dossiê organizado pelo Comitê Popular da Copa e das Olimpíadas do Rio de Janeiro?

Hertz Leal –
A novidade é o aprofundamento das análises, pois o nosso Comitê vem da experiência do Comitê Social do Pan. Eu participava do Conselho Popular, uma entidade que se reúne na Pastoral de Favelas e conta também com a Rede de Comunidades Contra a Violência, e principalmente com as pessoas que estão sendo atingidas pelas remoções no Rio de Janeiro. No início de 2010, as remoções ocorriam em razão das chuvas do dia 6 de abril, quando várias pessoas ficaram desabrigadas. Mas, já no final de 2010, começaram a ocorrer as remoções por causa da construção da via Transoeste. A prefeitura começou a derrubar as casas das pessoas à noite, com tudo dentro: chegava a equipe do Choque de Ordem e mandava as pessoas saírem, não reconheciam direito algum, diziam que era área pública, que as residências eram ilegais e derrubavam tudo. Quando havia resistência, a Guarda Municipal arrancava as pessoas de suas casas, das suas lojas. Da Barra da Tijuca para o Recreio, eles aterrorizaram.

Existia uma Defensoria atuante, o Núcleo de Terras e Habitação – NUTH. Foram feitas várias denúncias. Foi encaminhada uma medida cautelar para a Comissão de Direitos Humanos da Organização dos Estados Americanos – OEA. O Comitê Popular da Copa ajudou a organizar a Missão da Plataforma Dhesca em maio de 2011, quando fomos visitar estas comunidades que estavam sendo arrancadas para construção da Transoeste e Transcarioca, além das remoções no Porto Maravilha (centro) e no Tabajaras (zona sul). O Dossiê parte desse relatório, mas temos diversas contribuições tais como a análise das leis de exceção, a modificação do Maracanã, a falta de transparência na apresentação dos dados, projetos e estudos de impactos ambientais e de vizinhança. O dossiê ultrapassa a denúncia e demonstra o projeto de desenvolvimento, o projeto de cidade, que está presente nesta forma de conduzir as políticas públicas.

IHU On-Line – Em que sentido os preparativos para a Copa do Mundo e para as Olimpíadas estão violando os direitos humanos? Pode nos relatar alguns casos?

Hertz Leal –
Os preparativos para Copa do Mundo e Olimpíadas estão violando os direitos humanos na medida em que não respeitam o direito à moradia, o direito à cidade, pois temos uma legislação muito bem definida desde a Constituição, a Lei Orgânica, o Estatuto das Cidades, tratados Internacionais dos quais o Brasil é signatário. Ou seja, temos leis que determinam, em caso de desapropriação por interesse público, uma indenização justa e prévia. Mas deve-se considerar a moradia como um direito independente de propriedade; deve-se buscar o entendimento e o reassentamento no mesmo local. Depois desses escândalos e sucessivas denúncias, eles continuam oferecendo aluguel social num valor que não dá condições para alugar uma casa na mesma região. A maioria das casas oferecidas dos conjuntos Minha Casa Minha Vida distam de 30 a 60 km do local original, quando o correto seria construir os conjuntos habitacionais antes das remoções e no local onde ocorrem as intervenções urbanas, “chaves por chaves”, para garantir a continuidade dos estudos das crianças nas mesmas escolas, o tratamento dos idosos nos mesmos postos de saúde, a convivência com a rede de parentesco e de amigos que, em muitos casos, providenciam a solidariedade e os cuidados necessários às crianças, aos idosos e aos doentes. Esses casos de desapropriação são parte das violações. Devemos ressaltar ainda as perseguições aos camelôs, a precarização do trabalho nas construções dos estádios e outras infraestruturas, o recolhimento compulsório das pessoas em situação de rua para abrigos distantes e sem uma adequada estrutura de atendimento.

Estamos preocupados com as leis de exceção que estão sendo criadas no intuito de conceder direitos de propriedade a marcas e símbolos que são utilizados naturalmente pelos comerciantes informais, ou seja, por aqueles que confeccionam lembranças da cidade e dos jogos e que não poderão ser utilizados. Pelo contrário, serão criminalizados caso alguém queira vender alguma lembrança da Copa do Mundo ou Olimpíadas. Também haverá limitação na liberdade de manifestação e comunicação.

IHU On-Line – O dossiê denuncia a transferência de terras públicas para o setor privado através de parcerias público-privadas. Como isso está acontecendo?

Hertz Leal –
Quanto à transferência de terras públicas, que deveriam ser preferencialmente utilizadas para construção de moradias de interesse social, o caso mais emblemático é o do Porto Maravilha, uma região com terrenos e prédios da administração portuária e da RFFSA. Mais de 70% da região é constituída de terras públicas que estão sendo repassadas para um consórcio de empreiteiras. Foi criado o Certificado de Potencial de Construção – CEPACS, que permite construir acima do gabarito, e a Caixa Econômica terminou comprando estes certificados com os recursos do FGTS. Trata-se de um valor mobiliário que poderá ser vendido no futuro para que o construtor possa obter licença para construir acima do gabarito. Mas a prefeitura não demarcou áreas de interesse social, nem exigiu a construção de moradias de interesse social. Pelo contrário, ainda está aterrorizando moradores do Morro da Providência para construir teleférico e plano inclinado. Para isso terá de destruir mais de 800 moradias. Apesar de terras públicas em abundância, não constroem as moradias, oferecem aluguel social ou Minha Casa Minha vida na zona oeste. A região da zona oeste é dominada por milícias e tivemos notícias de conjuntos habitacionais invadidos por estes grupos, além de notícias de que em muitos destes conjuntos são as milícias que organizam os condomínios. Nas eleições, estas milícias ajudam eleger os vereadores que corroboram esta política de higienização da cidade para os negócios olímpicos e os negócios da Copa da Fifa.

IHU On-Line – O dossiê também menciona que os recursos da Copa do Mundo estão sendo distribuídos desigualmente entre os 20 municípios da região metropolitana do Rio de Janeiro. Como acontece a distribuição dos recursos? Existe algum critério? Em que regiões do Rio de Janeiro se concentram os maiores investimentos da Copa do Mundo?

Hertz Leal –
A distribuição dos investimentos segue a lógica da especulação imobiliária, ou seja, concentra-se na Barra da Tijuca, onde o prefeito foi subprefeito, e, como se trata da região do litoral, tem a preferência da classe média, onde são construídos os condomínios de luxo. O mapa da Unidade de Polícia Pacificadora – UPPs também contempla as regiões de investimentos para os megaeventos: a região sul, o centro e a região do Maracanã, embora os investimentos sociais (UPP social) ainda continuem nas promessas. Observamos principalmente a expulsão branca por conta do maior rigor nas cobranças dos serviços de energia elétrica, TV a cabo, água e aumento dos aluguéis. Quer dizer, tornaram insustentável a moradia para os trabalhadores que ganham até três salários mínimos. Também continuam as políticas de expulsão ora alegando risco ou limites de preservação ambiental. Eles também perseguem os depósitos dos ambulantes e os pequenos comércios.

IHU On-Line – Quais as implicações de megaeventos como a Copa do Mundo e das Olimpíadas? Eles trazem mais benefícios ou prejuízos para a cidade?

Hertz Leal –
A Copa do Mundo e Olimpíadas são eventos que estão possuídos de uma lógica capitalista em que o objetivo maior é fazer lucros com publicidade na transmissão para a Fifa e o Comitê Olímpico Internacional – COI, que se associam com interesses da especulação imobiliária, capitais financeiros, com as corporações midiáticas e políticos que compartilham desses lucros para aumentarem os ganhos, pois realmente não percebemos melhoria nas atividades esportivas nas escolas nem melhoria na educação, tampouco na saúde. Percebemos que o legado será a militarização da cidade para proteger os lucros, com leis de exceção para dar segurança à Fifa e ao COI. Querem até que a União se responsabilize por eventuais prejuízos. Depois sobrarão dívidas para os cidadãos pagarem e provavelmente vão receitar austeridade e mais supressão de direitos para continuar garantindo as vantagens para os banqueiros, corporações e especuladores.

Vamos levar nossa experiência para a Cúpula dos Povos e discutir os caminhos do desenvolvimento que estão propostos nestes megaeventos, nesses megaprojetos e vamos buscar soluções e propostas para uma sociedade mais justa e com participação de todos.
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