Reflexões sobre o sistema eleitoral brasileiro. Ao permitir que
empresas financiem partidos e políticos, ele institucionaliza a
corrupção e tende a descartar quem não aceita se vender.
Por Dão Real Pereira dos Santos*, do IJF
(Apesar de o texto parecer - só aparentemente - pessimista, diria que é, antes de tudo, realista e politicamente pedagógico. Qualquer semelhança, apesar de ser uma ficção, não é mera coincidência.) - GRIFO MEU.
Quando votei em 2010, eu não sabia tudo o que deveria saber sobre o
meu candidato. Conhecia sua história e acreditei em suas promessas. Acho
que até ele mesmo acreditava. Assim como muitos eleitores, eu não me
considerava um simples eleitor. Ajudei na campanha, no convencimento de
outros eleitores de que ele era um bom candidato. Afinal, ele vinha do
nosso meio, era uma pessoa que conhecia a realidade das pessoas e o
sofrimento daqueles que mais precisavam de um Estado justo e solidário,
tinha sido um ativista dos movimentos sociais no passado. Era de um
partido histórico que sempre representou as bandeiras históricas de
construção por uma sociedade mais justa.
O que eu realmente não sabia – e ele também nunca disse – era que,
antes mesmo de ser eleito, já estava comprometido com os seus
financiadores. Ele certamente nunca teve dúvidas de que não se tratava
de uma simples doação, mas de um negócio. Aliás, uma coisa não dá para
negar: o meu candidato é um cara muito inteligente e esperto. Portanto,
não há dúvida de que ele sempre soube que os empresários que pagaram os
custos da sua campanha só o fizeram com o intuito de obter ganhos com
ele caso fosse eleito.
Estou certo de que isso deve ter sido dito de forma muito clara desde o
início, quando da captação dos recursos. E se não foi, não tinha como
não saber que se tratava de um contrato. Enfim, não é razoável imaginar
que um empresário vá investir seu capital em negócios que não deem
retorno. Mesmo sabendo disso, ele aceitou o dinheiro, portanto, aceitou o
preço e, se tem outra coisa que não dá para negar, é que meu candidato
não daria o calote em um credor. Dívida é dívida, e ele sempre foi muito
bom pagador.
Mas eu não sabia que o meu voto era só uma forma de ele poder pagar a
sua dívida eleitoral. A bem da verdade, não posso dizer que ele não
tenha sinalizado algum esforço para implementar os grandes projetos
sociais prometidos e que foram determinantes em sua expressiva votação.
Mas como ele já estava vendido, e os tais grandes projetos sociais
acabariam certamente contrariando os interesses dos seus credores, este
esforço não passava de mera tentativa de manutenção de um minguado
vínculo comigo e com os milhares de eleitores que se imaginavam
representados.
O dilema do candidato se resume a decidir se vai enganar o eleitor ou o
credor. Abstraindo as considerações de ordem moral, a escolha acaba
ficando muito fácil. Se não aceitar o investimento dos empresários,
estará concorrendo de forma absolutamente desigual e quase que
certamente não se elegerá; logo, por mais bem intencionado que seja, não
conseguirá implementar suas ideias.
Se aceita o investimento, poderia escolher não enganar o eleitor
dizendo claramente quais são os seus compromissos com os seus credores
e, muito provavelmente, não se elegeria. Enganando o eleitor, há grande
chance de se eleger e então, diante da cobrança das dívidas de campanha,
se verá obrigado a não implementar as suas/nossas ideias. Ainda
restaria a opção de enganar o credor e não pagar as dívidas, mas alguém
votaria em um caloteiro? E quem o financiaria novamente?
Parece uma armadilha, e é realmente uma armadilha. O papel do
candidato se reduz a capturar a simpatia dos eleitores, ainda que seja
vendendo a ilusão de que vai representá-los e lutar pelas suas
expectativas de construção de uma sociedade mais justa para, depois de
eleito, passar a representar as forças econômicas que lhe garantiram os
recursos financeiros e que foram determinantes para que chegasse até
ali.
Enfim, neste jogo, meu candidato é um vencedor. Fez o papel que lhe
cabia fazer e acha que mereceu o prêmio. Mas eu perdi sem saber que
estava jogando. Fui enganado, pois não sabia que meu candidato já estava
vendido.