Diário remanso: encontros, acontecimentos, leituras... Intuições.
O clarão de uma anedota. Uma angústia, uma esperança.
Não à crônica; sua decantação. Vinho descansado.
Ou o instante de uma borboleta. Ou um latido.
Ou Deus passando como uma ventania, como uma brisa.
Nossa história em suas horas: o Kairós que alguém detecta.
O círculo concêntrico do remanso.
E o borbulhar do manancial.
(Pedro Casaldáliga)
Um dia desses, quando o coração parece estar mais propenso a entender algumas verdades que passam despercebidas aos sentidos, ouvi um comentário que ficou ressoando no coração como uma dúvida que não pode ser respondida imediatamente e como poesia que precisa ser apenas ruminada, decantada. Ouvia que, ultimamente, o tempo tem passado mais rápido que o normal, que os anos e meses parecem estar mais curtos... E, de fato, depois de abrir um bate papo sobre o assunto na sala de aula, comentávamos e compartilhava-mos essa mesma impressão. O tempo está mais rápido, se tornou relativo, parece ter perdido seu caráter absoluto.
Porém, no silêncio daqueles mistérios que só são possíveis na solidão, fiquei me perguntando: será mesmo que é o tempo que está diminuindo ou somos
nós que estamos ficando maiores, com o coração maior, com a mente maior? Aliás, mais cheios de tudo. Antes, quando era mais criança e, por isso mesmo, dava mais atenção ao essencial, lembro que conseguia parar mais tempo para fazer certas coisas simples...
coisas que parecem ter deixado de ser simples. Hoje, não consigo mais
sentar, uma hora se quer do nosso dia, para uma boa conversa, ou para
simplesmente contemplar aquelas coisas simples e lindas – e por isso mesmo
essenciais – que passam despercebidas como um suspiro de saudade... Hoje não
consigo mais escutar Deus como quando era criança, ou deitar em seu colo materno-paterno para
simplesmente lembrar quem sou, de onde vim e para onde vou...
Há pouco
tempo atrás nosso coração e nossa mente não precisava de assimilar tantas
coisas e tanta informação ao mesmo tempo. Fazíamos poucas coisas, mas sentíamos que o pouco que fazíamos deveria ser bem feito. Hoje, tudo é colocado diante da
gente ao mesmo tempo, tudo precisa ser feito no mínimo de tempo possível e o
máximo possível. Será que ao aprender a quantificar as coisas não esquecemos
também de qualificá-las? Ou mais sério ainda: será que, nessa mesma sociedade,
não aprendemos a agir com as pessoas da mesma forma que agimos com as coisas?
Estamos coisificando as pessoas? Estamos nos tornando mais cegos, surdos e mudos, pois perdemos a capacidade de enxergar o essencial, de ouvir o essencial, de falar o essencial... Perdemos a noção do tempo.
Sim,
o tempo diminuiu. Aquele tempo que aprendemos na escola, o linear, o histórico,
aquele sucessivo punhados de fatos que acumulamos na memória. Esqueceram de nos
ensinar que o tempo é, sobretudo, cíclico, Kairós, tempo favorável, tempo de
graça... Instante presente, aquele onde o essencial da vida se escancara diante de nós, ora como mistério, ora como graça. Mais cegos, mais surdos e mais mudos, as coisas passam mais rápido, assim como os
anos, os meses, os dias e, talvez, assim como as pessoas... Porém, quando
assumimos a grandiosidade do mistério que nos rodeia como tempo favorável e
tempo de graça, onde o presente infinito e eterno é o único tempo que vale a
pena de se viver, os anos, meses, dias e as pessoas não passam, simplesmente
ficam... São eternizadas, na memória e no coração.
José Wilson Correa Garcia, em algum tempo desses...