Hoje, na vinda de Flores pra Russas, me peguei
pensando na Felicidade. Talvez tenha sido o cheiro de mato do caminho. Já
explico porque.
O fato é que desejei uma coisa. E, ao longo do
percurso, fiz um acordo com Deus, daqueles que a gente só faz quando é criança:
daria 10 anos de minha vida em troca de um fim de semana em Camurugi.
Camurugi é um bairro bem distante da sede do
município de Guarapari, cidade onde nasci. A família sempre revezava os
encontros indo pra lá, passar o fim de semana na casa de Padrinho Ricardo.
Era um lugar lindo, no meio do mato, ao lado do manguezal... distante de tudo,
mas próximo do céu. A família toda reunida. A gente, ainda criança, tínhamos
uma liberdade escandalosa. Subíamos nas árvores pra comer frutas silvestres.
Lembro perfeitamente do gosto do araçá, da romã, do jambo. No caminho para o
banho no mangue, através da trilha rasgando o meio do capinzal, sentíamos o
cheio do mato e das ervas que só Deus sabe o nome.
Foi esse cheiro que senti hoje. Foi essa Felicidade
que desejei trocar por 10 anos da minha vida. Não porque eu esteja infeliz com
os 10 anos que desejei trocar, mas porque meu conceito de Felicidade não é ter
grandes coisas: fortunas, bens, prazeres. Meu conceito de Felicidade é esse:
recuperar as simples, pequenas e efêmeras coisas que guardamos na memória do
coração. E só lembramos quando Deus nos visita em forma de cheiros...
Na tradição
Judaico-Cristã as cinzas se tratam de um símbolo de conversão. Há muitas narrativas bíblicas, principalmente do Antigo Testamento, que mostram as cinzas sendo
usadas sobre a cabeça e/ou corpo em sinal e gesto de arrependimento. Na idade
média, quando uma pessoa se aproximava do momento da morte, colocavam-na no
chão deitada em cima de um saco com cinzas. O sacerdote ministrava o ritual,
com água benta, proferindo as seguintes palavras: Lembra-te que és do pó e para
o pó voltarás.
Segundo o
calendário litúrgico cristão, na quarta feira de cinzas, após o carnaval,
celebra-se esse mesmo gesto das cinzas, onde o ministro impõe sobre a cabeça dos
fiéis um pouco de cinzas dizendo: Convertei-vos e credes no evangelho. Longe de
ser um gesto de afirmação da morte a Quarta Feira de Cinzas, que antecede os
40 dias da quaresma, celebra o anúncio de uma experiência muito mais
fundamental para a fé Crista: a ressurreição de Jesus e a nossa ressurreição.
As cinzas, nesse sentido, se tornam o recordar de nossa finitude humana que,
pela fé, é transfigurada na eternidade através da ressurreição. Ela nos coloca
diante de nossa condição primordial terrena e divina, somos feitos de pó, mas
também de céu...
Muitos povos,
culturas e tradições humanas têm como orientação definitiva de sua experiência
espiritual e teológica a ressurreição. O ser humano parece que nunca se
contentou em considerar a morte como a última instância, a última palavra. O
caminho da experiência humana não pode terminar com a morte... ou não seria tão
perfeita assim a força criadora a qual se crê. Por isso, muitas dessas
culturas criaram símbolos, mitologias ou teologias para tentar se aproximar
desse profundo mistério que acompanha o ser humano desde que ele existe
enquanto tal...
Na mitologia
grega, por exemplo, Fênix (ϕοῖνιξ) é um pássaro que entrava em autocombustão ao terminar seu longo ciclo de vida. Do
meio das cinzas que sobravam do seu ritual aparentemente suicida, o pássaro revivia
- criança - para um novo ciclo de vida. De fato, para os gregos a essência do
ser humano é a Alma. O corpo, por outro lado, como sugere o filósofo Sócrates/Platão,
é uma espécie de prisão da alma. Portanto, a ressurreição, para os gregos, era
uma experiência fundamentalmente da Alma. O corpo se torna pó e cinza, mas a
alma continua. A fênix, apesar de ter
morrido para seu antigo corpo, continua fênix,
e renasce com um novo corpo.
O Cristianismo
é mais radical quando se trata de ressurreição. Para o cristão a ressurreição
não é uma experiência de separação entre Corpo e da Alma. O ser humano, segundo
a teologia cristã, é uma unidade indivisível. Portanto, sua ressurreição é a
transformação de sua totalidade e de sua unidade, formada por seu corpo e pela sua
alma, inseparavelmente. A experiência humana mostra que quando se tenta separar
uma coisa da outra, geralmente, se atribui um valor maior a uma delas enquanto
se esvazia a importância da outra. A proposta da ressurreição cristã é profundamente
humana porque valoriza o corpo e a alma, junta e inseparavelmente. O ser humano
ressuscita por inteiro, corpo e alma. Mas isso nem sempre foi tão claro entre as
correntes espiritualistas e teológicas no interior da cultura cristã. Também, foi motivo de escândalo para algumas culturas, como é o caso da cultura
grega. Um ótimo exemplo é o belíssimo texto do livro dos Atos dos Apóstolos (At
17, 16-34), que narra o apóstolo Paulo pregando entre os Gregos de Atenas. No texto,
em um primeiro momento, Paulo consegue uma boa aceitação, mas quando toca no
assunto da ressurreição da carne, ao anunciar a experiência de Jesus e também
de cada pessoa que nele crer, os Gregos desacreditaram, não entrava na cabeça
deles. Por isso Paulo afirma que a ressurreição é escândalo.
E de fato é
escândalo, sim. Como qualquer experiência espiritual, a ressurreição só é
possível de ser experimentada e entendida absolutamente a partir da fé. Por
isso, sabiamente, a liturgia cristã nos apresenta as cinzas. Ela é o sinal de
que somos da mesma matéria do universo, mas também potencialmente divinizados
pela ressurreição de Jesus como garantia da nossa ressurreição. Só que, para
isso, é preciso uma vida de conversão. Etimologicamente, conversão é a
transformação de uma coisa em outra. E isso já nos esclareceria tudo...
Há pouco tempo li uma postagem de alguém que
achava estranho uma mulher trabalhando como frentista em postos de combustível.
Aqui em Russas é uma novidade (?) relativamente recente. Ainda causa estranheza
e, por vezes, desconforto a possibilidade de ver e aceitar mulheres trabalhando
em lugares onde, suposta e tradicionalmente, a presença masculina sempre predominou.
Porque disso ainda? Parece-me que o imaginário coletivo, androcêntrico e
machista, ainda insiste em fazer distinção de valores e qualidades a partir da
diferença de gênero. Será que a mulher ou o homem são piores ou melhores pelo
falo serem homem e mulher? Do ponto de vista machista, sim! Pois bem, para
contrapor essa teoria estúpida, segue o que aconteceu comigo.
Ontem o carro que andávamos ficou sem
combustível, pois o marcador está com defeito. Para quem já viveu a
experiência, sabe como é chato. Debaixo de chuva, nem se fala.
Cheguei no posto Ipiranga. Lá estavam trabalhando três frentistas: dois homens
e uma mulher. Expliquei a situação e perguntei se não tinha um recipiente pra
levar o combustível e abastecer o carro. Os dois homens foram taxativos. Não!
Do lugar de onde eles estavam, sequer olharam pra mim direito. Foram práticos,
objetivos, frios. Não tem e ponto final. Se fossem espertos mostrariam, pelo
menos por questões profissionais, interesse em resolver o problema do cliente.
Não e ponto.
Chateado e puto da vida, peguei o telefone para
fazer umas ligações. Percebia que a frentista, mulher, ficou me observando
tentando ligar para alguém trazer. Ela sai, entra na loja e volta com o galão e
a mangueira. Percebi que estava no depósito, ela simplesmente foi buscar porque
não estava sendo usado. Enchi de combustível, abasteci o carro e voltei ao
posto para entregar. Agradeci a ela, como se fosse a única pessoa do mundo a
ter me enxergado de verdade. Fiquei pensando que o machismo é, definitivamente,
uma questão de ignorância. Não há lugar que não possa ser melhor com a presença
das mulheres.
Está em curso no Brasil a ascensão de uma ordem conservadora em praticamente todos os âmbitos da sociedade. Vemos se repetir diante de nossos olhos a tentativa de afirmação liberal que legitimou as maiores injustiças e desigualdades da história das sociedades ocidentais.
Intelectualmente, tenta-se suprimir qualquer interpretação crítica que mostre a luta classista que divide a humanidade em ricos cada vez mais ricos, vivendo à custa da exploração de pobres cada vez mais pobres. Figuras como olavo de carvalho estão aí pra convencer os mais ingênuos (muitos deles legitimamente indignados e desesperançados) sobre o suposto "perigo" de uma suposta ordem comunista ou socialista, querendo se afirmar no mundo de forma diabólica e nefasta. Um discurso tão descontextualizado quanto ultrapassado, que convence quando não se tem coragem e disposição para buscar novas alternativas intelectuais.
Politicamente, o crescimento de discursos e posturas fundamentalistas criam um cenário sem representatividade. Figuras como bolsonaro, marco feliciano revelam o que de mais podre existe na política brasileira: a inversão de um discurso moral que aparenta ser bom por, supostamente, defender o cidadão de bem, porém, na prática, atende aos interesses de uma elite que usa o mesmo cidadão de bem fazendo-o acreditar e apoiar o que é pior para si mesmo.
Economicamente, tenta-se tirar do Estado a responsabilidade que tem sobre o cidadão: oferecer políticas públicas para saúde, educação, segurança, lazer, etc. que tenham qualidade e ofereçam dignidade. Como não se tem coragem para fazer a reforma política que o país necessita, busca-se a alternativa mais fácil: legitimar a autonomia e liberdade econômica privada. Repete-se o mesmo erro liberal que fez nascer os sistemas mais desiguais e injustos do mundo, com a falsa justificativa de que, assim, a crise econômica se resolverá. Mentira!
Aprendi com a vida que a melhor forma de convencer com uma mentira é repetí-la quantas vezes for necessário, até ser acreditada como verdade. Hoje existe sistemas de comunicação e de-formação que fazem isso muito bem. A rede globo é um deles. Não é a toa que os conservadores descobriram a força comunicadora das redes sociais. Olavo de carvalho, MBL, jair bolsonaro sequer existiriam ou seriam conhecidos se não fossem as redes sociais.
Sou de um tempo que as melhores ideias, os melhores mitos, as melhores pessoas, os melhores movimentos eram conhecidos nos livros, nas ruas e na luta.
O conservadorismo intelectual, político e econômico está longe de ser uma alternativa viável para o outro Brasil que necessitamos. Ou acordamos para o seu perigo ou continuaremos afundando na lama que tenta nos sufocar até a morte.
O
tempo da vida, passa. Mas o tempo do amor não é o mesmo. Quando você partiu, a
memória de um passado guardado no coração era como um presente que nunca
terminava. E assim continua sendo. Eu sei que você não gosta que soframos, mas é
inevitável, pois o tempo da saudade também é diferente. Ele não passa, assim
como a dor da sua partida que para nós é perda, aí no céu é conquista. Você
sabe que a gente é meio paranoico pra essa questão do tempo. Lembra que você
nunca gostava de se atrasar pra nada? Nem de se adiantar... Pois é. Fico
imaginando você agoniado aí no céu, com vontade de correr atrás de uma bola pra
lá e pra cá. Deve ser difícil se contentar em apenas voar... É estranho, quando
a gente tá aqui na terra sonha em voar. Quando está aí no céu, como você, sonha
em sentir o chão. Diga pra Deus dar um jeito nisso. Eu sei que podemos fazer
daqui, mas prefiro que você faça daí, sem pressa, porque não há tempo com que
se preocupar ou se perder.
Não
sei se você lembra, mas a gente marca o tempo aqui na terra. Hoje faz 11 meses
que você se transformou em anjo. O local onde te plantamos está verdinho, lindo
de se ver. Celeste, mesmo escondido, sempre está por lá. Ela, assim como eu,
estamos aprendendo a olhar praquele chão com cuidado e amor. Virgínia e papai,
não foram ainda, talvez com medo, por causa da dor, de não conseguirem ver a
vida que cresce. Mas sei que eles irão.
Como
deve ter visto, Celeste levou mamãe. Ela sofreu, mesmo que a gente não consiga
entender a extensão do sofrimento dela. No dia, ela se debruçou sobre o chão
onde te plantamos e tentava falar contigo, como se fala com uma criança. Acho
que, dentre todos nós, mamãe é a que mais, misteriosa e dolorosamente, vive o
mistério da sua partida sem se apegar ao tempo. Para ela você continua sendo o
bebezinho, o Xandinho dela. Espero que contar isso não te chateie ou te faça
sofrer. Apesar de compreender que você sabe, uso como último recurso as
palavras, porque sei que através delas você consegue sentir os pensamentos e compreender
os sentimentos mais profundos de cada um que as lê, mesmo com nossos limites
humanos. Por isso, acolha como um desabafo.
Uma
coisa me chamou atenção, as rosas que crescem lá estão lindas. Fiquei pensando
que o tempo delas é determinado pelo tempo do sol, assim como seu tempo aí em
cima é determinado pelo tempo de Deus. Elas estão lindas porque descobriram que
a vida delas só tem sentido se se nutrem do chão onde estão plantadas da mesma
forma como se abrem pra receber a luz que irradia do sol. É curioso como a
gente também tem aprendido a conservar a memória do tempo que passamos juntos aqui
no chão da nossa história como alimento pra vida, assim como sua chegada aí em
cima se tornou motivo pra se nutrir com as coisas do céu. Seja aqui ou aí, você
continua sendo alimento para todos nós.
Há rosas abertas e há rosas
ainda escondidas dentro de um botão que, a seu tempo, se abrirá para contemplar
o infinito mistério da vida. Seu tempo, meu irmão, se mistura ao tempo de cada
uma dessas rosas, que somos nós. Você que está aí, mais perto de Deus do que
nós, abrace-nos sempre com suas recordações e não se esqueça de que, aqui,
continuamos nutrindo nossas vidas com o melhor que de ti ficou...
Hoje, depois de oito meses da sua partida, sonhei que fui te fazer uma visita no céu. Chegando na
porta, São Pedro, logo de cara, me disse que a festa da sua chegada,
mesmo com toda a programação em cima da hora, tinha sido linda e grande.
Teve até aqueles churrascos que você costumava fazer aqui em baixo.
Lembra da carne temperada com Alecrim que você odiou? Não teve esse
tempero aí no céu, mas teve muito pão de alho, aquela picanha que você
tanto gostava. O curioso é que São Pedro dizia que você não queria sair
da churrasqueira. E fiquei pensando que você foi fazer no céu a mesma
coisa que fazia aqui na terra: cuidar dos outros.
Achei que muita gente
aí em cima fosse estranhar suas tatuagens, mas fiquei impressionado em
saber que os arcanjos pintaram elas nas paredes do céu para te acolher.
Mais pra frente encontrei outros pescadores que largaram tudo pra,
também, servir aos outros. Eles me contaram que aí no céu você não para
de pescar. Lembrei daquela vez que a gente saiu pra pescar com as redes
de papai. Lembra da conversa que tivemos enquanto íamos revezando a
puxada da rede? Pois é! Foi tão profunda quanto aquela que tivemos
quando você apareceu para mim em sonho no quarto de mamãe. E essas
verdades, eu guardo só para mim e para nós. É que aqui na terra a gente
ainda tem a possibilidade de viver um pouco o egoísmo, não é como aí no
céu.
Enfim, antes de acordar, andei um pouco pelas nuvens de algodão
doce à sua procura. Nossa Senhora, sentada na porta, como mamãe quando
te esperava chegar, me disse que você tinha ido soltar pipa com o menino
Jesus. Desculpe não ter ido te dar um abraço apertado, mas não quis
atrapalhar esse momento de vocês. As pipas são objetos de união, como
quando saíamos pra solta-las com papai pra praia de madrugada. Lembra?!
Bem, depois de acordar desse sonho de paz, resolvi te escrever.
Aqui embaixo a gente continua levando a vida aprendendo a vive-la sem
você. Às vezes é mais difícil... você sabe como é nossa família! Tem
coisas que parece que a gente sente tudo junto, mesmo não estando perto.
No sonho, me contaram que de vez em quando te pegam chorando pelos
cantos. Perguntei se isso era normal aí no céu. Disseram que tem horas
reservadas para chorar porque, afinal de contas, nem todo choro é ruim. É
que o amor aí em cima é tão grande que não dá pra ser vivido só de um
jeito, sorrindo por exemplo. Também se chora pra mostrar que se ama.
Fiquei quieto com essas verdades celestiais e compreendendo que, na
verdade, você tava melhor do que a gente.
Mamãe e papai estão se
recuperando melhor do que a gente imaginava. De verdade, por isso não
precisa se preocupar. Celeste sofreu bastante e ainda sofre. Ela manda
dizer que espera sua visita em seus sonhos, pra te dar um abraço
daqueles que só vocês dois compreendiam. Eu sei que vocês tinham uma
ligação diferente, sempre entendi e nunca me chateei, pelo contrário.
Virgínia também sofreu muito, mas diferente de Celeste, se sente mais
consolada por Deus, mesmo tentando esconder a dor que sente quando sua
presença é mais perceptiva. Fernanda continua te amando com intensidade.
Ela sofreu bastante, teve muitas dúvidas, mas está buscando os caminhos
pra transformar a saudade que tem por você em mais amor. Ela tem se
transformado em uma mãe incrível, você teria muito orgulho. Por falar
nisso, seu príncipe, João Pedro, continua do mesmo jeitinho de sempre.
Assim que você se foi, ficamos preocupados como ele reagiria, da mesma
forma como ficamos preocupados como você se sentiria aí sem ele. Por
isso, deixei você e o menino Jesus em paz soltando pipa. Tenho certeza
que com Ele, João também está.
Nossos sobrinhos, Pedro, Barbara e
Bruna, continuam lindos e cada vez maiores, chega assustar. São tão
inteligentes, você ia se orgulhar deles.
Gabi, apesar de ter te
conhecido uma única vez, manda abraços e não vê a hora de ir pro ES.
Nossos parentes, amigos e conhecidos continuam lembrando de você com
saudades. No dia do seu velório tantos apareceram que, apesar da dor,
foi um momento de fé. Todo mundo sabia e sabe que você está bem. Teve
até a presença do Pastor Marcelo e Padre Firmino falando. Sua missa de
sétimo dia foi linda de se ver. Fernanda fez questão de que fosse na
Matriz, hoje Santuário Nacional de José de Anchieta, porque sabia que
você gostava de lá. Virgínia e Celeste foram, assim como nossos parentes
mais próximos e seus amigos. No final, muitos vieram nos abraçar e em
cada abraço um desejo incontrolável de te abraçar junto. Queria ter te
dado esse abraço no meu sonho, mas sei que ele estava sendo dado pelo
menino Jesus, por isso não quis atrapalhar.
Nós continuaremos aqui,
sabendo que você continuará aí, agora como anjo. Receba um beijo e um
abraço cheio de muito amor e saudades de cada um de nós e não esqueça de
continuar cuidando, como sempre fez, de cada um que, aqui embaixo,
continua te amando.
NOTA: Há pouco
tempo fiz, com meus alunos e alunas das turmas de terceiro ano da Escola
Profissionalizante de Russas, uma aula de campo das disciplinas de Filosofia e
Sociologia para trabalharmos a temática da Ética Ambiental, Sociedade e Meio
Ambiente. O local escolhido foi a Comunidade do Alto São João, localizada na
cidade de Russas, às margens de tudo: da BR 116, do lixão municipal e de tantas
outras marginalizações. O relato que segue foi o testemunho humanista de uma
aluna, Bárbara, a partir de seu olhar humanista. Qualquer tentativa de
explicação se tornará injusta. Apenas leiam...
O BICHO
Vi ontem um bicho
Na imundície do pátio
Catando comida entre os detritos.
Quando achava alguma coisa,
Não examinava nem cheirava:
Engolia com voracidade.
O bicho não era um cão,
Não era um gato,
Não era um rato.
O bicho, meu Deus, era um homem.
(Manuel Bandeira)
Fazendo menção ao poema de Manuel Bandeira, expresso um pouco daquilo
que vi e senti em meio a um espaço geográfico composto por um lixo tóxico de
descaso, indiferença e que, em meio a tudo isso, vivi algo que até então ficava
apenas aos meus ouvidos, discursos e mais discursos da vida surreal daqueles e
daquelas que tiram seu sustento dos lixões.
“Vi ontem um bicho na imundície do
pátio catando comida entre os detritos.”
Vi sim, a imundície que somos capazes de produzir e que somos incapazes
de buscar pôr em prática em um simples ato, a coleta seletiva. Não, a única
coleta que percebi que estamos fazendo é a coleta de nossa hipocrisia, a que
nos cega ao ponto de sermos indiferentes ao descaso dessas condições, que faz
do ser humano um concorrente de urubus, porcos e insetos.
Ao sair de minha zona de conforto e ir até o “pátio” é que dei conta que
o odor que senti naquele momento não chega perto ao que exala as políticas
públicas que simplesmente adiam as possíveis melhorias dessas condições. Afinal, o prazo final para
implantação dos chamados aterros sanitários instituída pela Política Nacional de Resíduos Sólidos, era para
2014, mas pelo que consta no calendário, já se vão dias e anos deste prazo.
É inadmissível perceber, enquanto se
prolongam os prazos, a vida dos que estão a mercê dessas condições vão se
confundindo entre sacos, restos de comida, plástico, etc. E tudo aquilo que é “lixo”
se confunde com aquilo que é vida. Vi que é muito fácil para uma visitante
chegar, se indignar, trocar a roupa pois o cheiro ficou entravado, mas é muito
difícil tomar parte da responsabilidade da formação disso tudo.
Talvez não seja o lixo literalmente falando que salta aos olhos e que
faz tremer a pele, aperta o coração e faz a consciência ficar atordoada. Mas,
sim, se dar conta de uma realidade que faz parte da vida de várias Marias,
Josés, Inácios - e tantos que fogem ao alcance - e lembrar que junto desta
realidade, há milhares de outras.
Senti silenciosamente além dos gemidos daqueles que ali encontrei, os
gemidos da mãe natureza, tão maltratada, tão esquecida que participa da luta em
favor da vida daqueles que estão lançados, muitas vezes, à sorte de encontrar
os materiais que possam gerar um maior lucro... até mesmo o alimento do dia.
“O bicho não era um cão, não era
um gato, não era um rato.”
O poema de Bandeira finaliza com o espanto de que nenhum animal que ali
estava era ele mesmo. Era e é o homem que se prostra às condições que o faz
bicho, que o faz sentir vergonha. Porém, mesmo diante de tudo isso que
testemunhei e compartilho, apesar de não ser um rato, um gato ou um cão e sim
um ser humano, este possui e sempre irá possuir em sua pele, em seu coração e
sua consciência a vontade mais singela, a de ser homem nas legitimidade das
condições humanas.
Talvez eu tenha sido um pouco quanto humanista nas entrelinhas, mas isso
foi reflexo do que de humano não percebi em todo aquele lixo que estava aos
meus olhos e que em algum lugar em meio a todo ele, estava meu lixo, não
somente o lixo no seu contexto literal, mas também o meu lixo de indiferença e
descaso.
“O bicho, meu Deus, era um homem.”
Por, Bárbara
das Graças de Lima.
Aluna do terceiro ano de Comércio da Escola
Profissionalizante de Russas, Prof. Walquer Cavalcante Maia.
Passei minha vida de criança, adolescente e jovemquase inteira na mesma casa, no mesmo bairro. E ainda hoje, depois de mais de 20 anos morando fora, me pego lembrando dos pequenos detalhes do meu bairro, de cada esquina, de cada detalhe de suas praças, de cada castanheira. Muito disso já não existem mais da forma como lembro, mas para mim é como se nunca tivesse deixado de existir. E o que me faz recordar todos esses pequenos e essenciais detalhes foram as brincadeiras de “pique esconde” de uma infância mística e pura. Entre os momentos de acharmo-nos e perdermo-nos uns dos outros conhecíamos aquilo que ficou eternamente gravado na memória do coração.
Hoje, quando escutava uma interpretação da poesia “A noite escura da alma” do místico espanhol São João da Cruz lembrei dessa experiência da nossa infância.
Toda experiência mística cristã, aquela de união profunda com Deus, acontece a partir de uma experiência de vazio e aridez, que São João da Cruz traduziu por “noite escura”. Outros grandes místicos como Teresa D´Ávila, Inácio de Loyola, Madre Teresa de Calcutá, etc. viveram esse tipo de experiência. Cada pessoa, em algum momento de sua vida, viveu ou viverá algo parecido com essa experiência. A “noite escura” é o silêncio de Deus, é a falta de sentido, é a ausência de respostas. Nela, Deus se esconde como uma criança e cada vez que estamos nos aproximando de encontrá-lo, Ele se esconde ainda mais. Madre Teresa de Calcutá viveu essa ausência solitária de Deus por mais de 60 anos, até o momento de sua morte. Seus escritos nos deixaram essa misteriosa verdade. E pra que? Eis a profundidade do mistério do encontro da Alma com Deus. O que a Alma mais procura é o que ela mais conhece, sem saber. Conhecerá definitivamente quando se unir definitivamente a Deus. Até lá, continuará brincando de “pique esconde”, conhecendo cada parte Daquele que se mostra e se esconde na nossa “noite escura”.
THE DARK NIGHT OF THE SOUL – A NOITE ESCURA DA ALMA
(Interpretação de LoreenaMcKennitt, no álbum “The Mask and Mirror”)
Em uma noite escura A chama do amor queimava em meu peito E, no clarão de uma lanterna Fugi de casa enquanto todos dormiam
Encoberto pela noite e pelo meu destino incerto rapidamente corria O véu ocultava os meus olhos Enquanto todos em casa repousavam como mortos.
Ó, noite, tu fostes o meu guia Ó, noite, mais adorável que o nascer do sol Ó, noite, que uniu o amante à amada Transformando cada um deles um no outro.
Adentro esta noite enevoada Em segredo, para além daquela visão mortal Sem um guia ou uma luz Senão a que ardia tão profundamente em meu coração.
Esta chama que me guiava Com brilho mais claro que o do sol do meio-dia Para onde ele me esperava, imóvel Era um lugar onde ninguém mais podia chegar
Ó, noite, tu fostes o meu guia Ó, noite, mais adorável que o nascer do sol Ó, noite, que uniu o amante à amada Transformando cada um deles um no outro.
Dentro do meu palpitante coração Que se guardou inteiramente para ele Ele mergulhou no seu sono Debaixo do cedros, todo o meu amor eu lhe dei E, pelos muros da fortaleza O vento roçava seus cabelos contra a sua testa. E com sua mão macia Acariciava todos os meus sentidos possíveis
Ó, noite, tu fostes o meu guia Ó, noite, mais adorável que o nascer do sol Ó, noite, que uniu o amante à amada Transformando cada um deles um no outro.
Eu me entreguei a ele E repousei minha face nos seios do meu amor A inquietação e a tristeza tornaram-se escuras Como uma enevoada manhã que se transforma em luz E lá elas dissiparam-se por entre os belos lírios.
E lá elas dissiparam-se por entre os belos lírios.
E lá elas dissiparam-se por entre os belos lírios.
Logo após a contratação de Kim Kataguiri para assinar uma coluna semanal na versão online da Folha de S. Paulo,
Guilherme Boulos, coordenador nacional do Movimento dos Trabalhadores
Sem Teto, recuperou a memória de Plínio de Arruda Sampaio para
relativizar a ideia comum de que velhice e juventude são sinônimos
absolutos de conservadorismo e progressismo, respectivamente. “Ficar
velho não é virar velhaco”, disse o saudoso representante do Partido
Socialismo e Liberdade certa feita no auge das sete décadas de vida
militante.
Boulos
tem razão. Mas não é exatamente uma inverdade que a juventude mantenha
uma relação histórica com a mudança. É o que o século XX ensinou através
dos diversos movimentos sociais, sobretudo nos anos 60, que puseram
abaixo segregações naturalizadas e legalmente amparadas em todo o
Ocidente. E não foi diferente no lado leste do Muro de Berlim.
Parte
desta realidade foi possível também porque somente a partir do século
XIX a juventude passou a ser compreendida como uma fase distinta da
adulta e que, como a psicologia ajudou a explicar, tende a flertar com a
contestação de valores arraigados. Normalmente é ali que a rigidez das
regras entra em conflito com o potencial subversivo, que, alimentado
pela explosão de hormônios, acaba por pressioná-la ao menos para sua
dilatação.
Não
surpreende que movimentos estudantis, por exemplo, estejam
historicamente vinculados a ideais de esquerda. Forjados em períodos de
grande repressão, como no Brasil do regime militar, tinham na direita
autoritária um alvo comum de fácil identificação.
Mas o
quadro da América do Sul virou no limiar do século XXI, logo após um
período de consolidação do neoliberalismo. Com a ascensão de governos de
esquerda e centro-esquerda, o Estado voltou a ser protagonista nas
políticas econômicas de diversos países e o discurso anti-globalização e
privatizações tornou-se a regra do bloco. E tudo isso com um novo
componente: as redes sociais.
Desde o
início deste processo, ganharam popularidade, na América do Sul, redes
que hoje dão boa parte do tom na percepção que os cidadãos têm de seus
governos. Também não é novidade alguma que é a juventude, por sua vez,
que pauta o seu conteúdo, seja ele fundamentalmente político ou não.
Esta combinação contribuiu significativamente para que o ímpeto
contestatório jovem tenha passado a se identificar também com a direita.
E este
não é fundamentalmente um problema. Um dos desdobramentos da democracia é
justamente a pluralidade – e, na sua esteira, posições que estejam
alinhadas à esquerda ou à direita. A questão é que os Direitos Humanos,
pauta que nasceu liberal e dava indícios de que se tornaria universal,
acabaram sendo empurrados para a esquerda e, no Brasil, se tornaram
sinônimo do desvirtuamento de valores morais consagrados – vide a
recorrente simplificação que o reduz à defesa da criminalidade. Neste
sentido, parte substancial da direita liberal passou a flertar com
bandeiras conservadoras, diante do avanço das políticas de afeto no
continente. Foi neste período que homossexuais conquistaram o direito de
se casar e mulheres e negros obtiveram cotas na Universidade e no
serviço público, além de leis específicas que tipificaram a violência
qualificada.
No
Brasil, as siglas de direita moderada que até então estavam ocupadas com
políticas econômicas passaram também a se organizar em torno de muitas
dessas políticas de afeto, mas do outro lado.
O
DEM chegou a ajuizar uma ação de inconstitucionalidade no STF para
barrar as cotas. O PSDB fechou posição em favor da proposta de redução
da maioridade penal. E não é de hoje que o seu eleitorado tem reagido
com estridência a políticas afirmativas de qualquer natureza.
Neste
sentido, as redes sociais caíram como uma luva. Com a sensação de que a
internet é um território livre da interferência do Estado – este
alinhavado com a esquerda –, boa parte da juventude passou a concentrar
nela a sua indignação, que ali ganhou forma. E também no campo dos
valores, como nos movimentos contraculturais novecentistas, mas em favor
da velha ordem. Quer dizer, não mais pela liberação, mas pela contenção
sexual; não mais pela afirmação de minorias historicamente segregadas,
mas pela manutenção da lógica meritocrática. Tudo isso em nome de um
pensamento que se vende como crítico, como o da igualdade perante a lei
sob a roupagem do combate às injustiças, mas que representa simplesmente
a preservação de velhos valores morais. No Brasil, mesmo a defesa do
Estado mínimo tem sido mais acompanhada deles do que de propostas
efetivas para o aprimoramento do uso da máquina pública.
Há
atualmente, no país, páginas especializadas em conquistar o público
jovem com recursos de desqualificação de personagens da esquerda dita
progressista. Bolsonaro Zuero 3.0 tem quase meio milhão de assinantes. Em diversas delas, vídeos no formato Turn Down For What
têm sido utilizados para simular nocautes através de argumentos
definitivos que apontam incoerência no discurso adversário. Nas eleições
de 2014, eram comuns montagens que exibiam Aécio Neves batendo,
literalmente, em Dilma Rousseff e Luciana Genro. Em todas elas os óculos
escuros característicos da plataforma o revestem de uma autoridade
conquistada no grito. (O recurso funciona tão bem que páginas de
conteúdo progressista e mesmo governista também têm tentando
reproduzi-lo.)
Kim
Kataguiri e o Movimento Brasil Livre também são resultado disso. O grupo
explora como poucos a crescente sensação de que veículos tradicionais
de comunicação estão a serviço do governo, mesmo aqueles que o desgastam
cotidianamente. E, desta forma, preenche parte deste potencial de
contestação que a juventude carrega consigo, fornecendo respostas
fáceis, com direito a teorias conspiratórias de toda ordem, que vão do
projeto comuno-bolivariano petista de dominação do país ao da ditadura
gay.
Isso não
significa, evidentemente, que a juventude no Brasil tenha se tornado
reacionária. E os movimentos de ocupação de escolas em São Paulo e Goiás
não são a única prova disso. Significa, no entanto, que tem ganhado
destaque, corpo e adeptos uma juventude identificada com o pensamento
conservador como não se viu em outros momentos da história.
Há quem
insista que a melhor resposta ao espaço que Kataguiri tem ocupado na
mídia é o boicote. Não parece ser minimamente possível encontrar algo
para se aproveitar no seu discurso, mesmo para contestar. E a sentença
faz todo o sentido. Mas compreender o seu papel na internet e no debate
público nacional é também descobrir muito do Brasil de hoje. E, por mais
difícil que seja admitir, essa é uma realidade flagrante. Resta saber
se haverá estômago.